quarta-feira, 2 de junho de 2010

O caso Maristela Just

Outro dia, ouvindo uma mãe chamando a atenção de filha de 7 anos por se sentar de pernas abertas, me lembrei que desde cedo aprendemos como o mundo é machista. Mas Natália Just aprendeu isso talvez ainda mais cedo, e de maneira muito mais pesada. Quando ainda não tinha completado 5 anos, seu pai matou sua mãe. Ela, o irmão mais novo e um tio também foram seriamente feridos na mesma ocasião, mas sobreviveram. E só hoje, 21 anos depois, com a idade que sua mãe tinha quando foi assassinada, pode ver o assassino ser condenado. Em primeira instância ainda, e foragido da justiça.

O julgamento havia sido marcado para o dia 13 de maio, mas diante da ausência do acusado e de sua defesa, teve que ser adiado (ontem o julgamento ocorreu à revelia). E foi nessa época que fiquei sabendo da história pela internet. Fui fuçando na internet e descobri que Natália, que antes evitava se manifestar sobre o assunto publicamente, criou um blog, que hoje atualiza com a ajuda do irmão Zaldo. E lá achei o link para esse depoimento, que me tocou tanto.

Lembram quando eu escrevi aqui sobre justiça? Sobre processo civilizatório ser completamente oposto a linchamento? No depoimento somos apresentados a uma mulher muito forte, centrada e muito humana. Que não perdoa o assassino, mas não busca vingança. Entendemos que deve ter sido uma dor imensurável ter sido privada da mãe, saber que o pai foi o responsável, ter que crescer com isso. E que teve um processo aí, de tomar força de amadurecer, pra conseguir dar conta de se expressar. Como não sentir um profundo respeito por sua história?

Triste é saber que não é exceção. Que há muitos homens atentando contra suas companheiras por aí. Nos jornais aparecem todos os dias. E acho que não é nada difícil conhecer algum caso assim pessoalmente, nem que seja do amigo de um amigo. E rola sempre uma relativização, uma tentiva de atribuir a vítima nem que seja uma parte de sua culpa. Lembram-se do Pimenta Neves, o jornalista que matou a namorada? Na época li em alguns lugares que a vítima, muitos anos mais nova, tinha recebido inúmeras promoções em curto espaço de tempo por se relacionar com um chefão da imprensa e, estando confortavelmente instalada num cargo bom, resolver dar um pé na bunda do cara. No que eu pergunto: o que interessa? Ok, acho que não ia gostar de tê-la como colega de trabalho. Daí a justificar seu assassinato, vai uma enormidade.

Mas sim, as pessoas tentam justificar assassinatos – principalmente quando as vítimas são mulheres. O pai do assassino de Maristela, um advogado criminalista diga-se de passagem, alegou que seu filho agiu em legítima defesa da honra, com se espera de um homem com brio. Pois é. Lembram a história de que homem tem honra, mulher tem vergonha? É isso. Se a gente não tem vergonha, o homem “proprietário” (pode ser pai, marido, ex-marido, ou qualquer um que se julgue no direito) tem que lavar sua honra com sangue. A bárbarie minha gente, sempre ela.

Por isso gostei tanto do depoimento da Natália. Ela não defende a bárbarie. Ela quer a civilização, colocar a cabeça no travesseiro e saber que não vive num mundo em que assassinos transitam por aí impunemente, protegendo-se por trás de um sistema machista. Nisso com certeza estamos juntas.

6 comentários:

  1. esse eh o "problema" de frequentar blogs feministas. eu canso PROFUNDAMENTE das historias bizarras. eu fico triste, revoltada, puta da vida mermo! essa de lavar a honra? meu deus! um fela da mae desse que mete bala na mulher e nos filhos merece um aperto de alicate bem na cabeca do pau.

    (voce parabenizando a menina pela cabeca fria e eu sendo passional). perdao.

    suspiro

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  2. É bem isso, a velha ideia de propriedade. Tempos atrás vi uma manchete na capa de uma revista ultramachista: (era mais ou menos assim) "Guga (o tenista), dono de uma conta bancária milionária, trẽs títulos mundiais e um mulherão". Argh. "Dono de um mulherão"?? Há quem fale que somos neuróticas, que vemos machismo em tudo. A-hã. Sei. Não existe uma cultura que estimula o machismo não, fui eu que sonhei.

    Bjs
    Rita

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  3. Essa de preservar a honra é boa, né? Que honra que um assassino covarde preserva??? Acho que o pai do assassino devia ser condenado como cúmplice depois de fazer declarações absurdas como as que ele fez...

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  4. Luci,

    As pessoas poem ser passionais, claro. Quem não pode ser é a instituição Justiça. Mas tal como você, eu também fico passada.


    Rita,

    É isso, né? Mulher é praticamente uma conquista material, algo que você adquire e exibe como status. Daí não pode perder, né?

    Valdson,

    Parece que a OAB de Pernambuco notificou o cara por apologia ao crime. Já é alguma coisa, pelo menos. Mas fica claro que a educação recebida em casa formou esse caráter, né?

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  5. Só os poucos casos que ficamos sabendo, porque as vítimas são de uma classe-média influente já nos escandaliza e entristesse imagina o que eu não vejo todo o dia nesses jornais "pinga-sangue"? É por isso que eu acho que temos que continuar lutanto.

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  6. Drixz,

    Vítima de classe média e o cara ainda tentou matar os dois filhos pequenos - o que costuma comover muito mais a opinião pública e as autoridades do que mulheres com vontade própria. Mesmo assim, toda essa dificuldade em puni-lo. E ainda tem gente que feminismo é algo ultrapassado.

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