sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Maternidade e Economia


Este é um post que eu queria ter feito antes, porque se refere a uma revista do começo do ano. O fato é que eu tenho me interessado muito por Economia. Sempre me interessei, aliás, mas agora, se tudo der certo, vou fazer uma pós na área. Daí que resolvi comprar a "The Economist" da primeira semana de janeiro, porque com esse capa aí, não tinha como não me interessar.

Eu sei que a Economist é uma revista conservadora. Ainda assim, fiquei chocada. É impressionante o quanto a gente consegue jogar certos discursos no lixo sem muito trabalho depois que a gente toma a pílula vermelha. E olha só, eu não sou acadêmica, eu não sou cientista social, não tenho mil leituras feministas como base, normalmente só o desconfiômetro me guia.

Os caras contam que as mulheres já são metade da força de trabalho nos Estados Unidos. Mas, claro, ainda há muita coisa a conquistar. Principalmente porque as mulheres ainda ganham menos que seus colegas homens ainda que desempenhem a mesma função. E até aqui não há nenhuma informação nova, nenhuma novidade, mas também nada a discordar.

Segundo eles, o problema das mulheres não é o fato de serem mulheres (sério?). Sintam o drama (extraído do Editorial, ainda na página 7):
“Motherhood, not sexism, is the issue: in America, childless women earn almost as much as men, but mothers earn significantly less”

Como dizem por aí, me amarrota que eu tô passada. O problema não é o sexismo, é a maternidade, já que mulheres sem filhos ganham quase tanto quanto seus colegas homens. Oi? “Quase tanto quanto” ainda é menos, né? Just checking. Daí, os caras falam um monte sobre como as pobres crianças pagam o pato pela ausência de suas mães. E minha vontade é jogar a revista pela janela.

Olha só, é muito difícil engolir esse discurso da maternidade como uma questão feminina. A manutenção da espécie é de interesse de toda a humanidade. Mas, como quis a natureza que os bebês fossem gerados no nosso corpo e amamentados pelos nossos seios, isso passa a ser um problema nosso. Eu caí pra trás quando soube que nos Estados Unidos sequer existe licença maternidade remunerada. Parece que está previsto na legislação algumas semanas por ano de licença médica não remunerada, e é esse período usado pela mulher que tem um bebê.

Bom, alguns países europeus tem uma dificuldade danada para repor sua população. Seus governos estão se dando conta de que as mulheres (e seus parceiros, claro) podem escolher não ter filhos, considerando as dificuldades envolvidas. Estes países não são mais legais ou mais humanos mas sabem que se não oferecem suporte, não terão como continuar existindo. Em lugares religiosos como os Estados Unidos esse risco não existe por enquanto: as mulheres tem filhos com ou sem suporte. Já o caso do Brasil é atípico: entre os mais pobres a natalidade ainda é considerável (embora esteja caindo bastante também), na classe mais alta, mal garante a reposição.

Eu acho que não há igualdade de direitos enquanto não se considerar que uma mulher presta um tremendo serviço à sociedade quando põe um filho no mundo. E que essa sociedade, em contrapartida, deveria dar todo o suporte possível a ela na educação desta(s) criança(s). E isso está tão longe de acontecer. Tanta gente condenando mulheres que abortam, mas cadê as vagas nas creches? Não têm, né? E paternidade, gente? Sabe, eu não quero julgar a mulheres que resolvem ter um filho em produção independente, mas acho isso tão contraproducente. Os homens precisam ser implicados, precisam ser responsáveis. Porque pensão alimentícia pode até pesar no bolso de quem paga, mas não resolve tudo. Quem leva a criança ao médico quando fica doente? Quem perde o dia no trabalho quando o caso é grave? Tem cara que não consegue entender que ele não corre o risco de ser demitido porque se tornou pai, mas que esse é um risco inerente à condição de mãe.

A Simone de Beauvoir me pareceu tão dura e amarga quando diz que nossos corpos são escravos da reprodução. Claro, ela escreve isso antes da pílua anticoncepcional e antes do aborto ser legalizado na França. Mas, puxa, depois da "The Economist" fiquei pensando se ela está tão errada assim.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

O meu machismo

Então, eu acho que machistas somos todos. O mundo é machista, nós vivemos neste mundo, então não estamos livres de exprimir alguma idéia retrógrada, por mais progressistas que sejamos. O mesmo vale com o racismo e a homofobia, claro. A gente tem que trabalhar, se conscientizar, aceitar discutir. Numa boa, não acho que nenhum ser humano é coerente o tempo todo, mas considero sim uma tremenda qualidade a pessoa reconhecer suas mancadas. Eu tento, viu?

Dito isso, aqui em casa eu faço um pouco mais de tarefas domésticas que o marido. E esse pouco é bem pouco mesmo: sou eu quem coloca a roupa pra lavar. Mas só porque eu gosto de separar algumas coisas que mancham, lavar umas poucas coisas delicadas a mão, enfim, quero o controle do processo. Ser control freak faz com que muitas mulheres monopolizem as tarefas domésticas mesmo tendo homens dispostos a compartilhá-las. Como se o espaço doméstico fosse realmente seu “reino”, o lugar onde ela tem o domínio, se sai melhor. Para os homens, uma maravilha, claro. Então, ok, eu não deveria ser assim, mas é só com a roupa, né? Não me culpo, em absoluto. No mais, marido lava a louça quando eu cozinho (quando ele cozinha, quem lava sou eu), organiza as coisas (porque eu deixo a casa uma zona se deixar), enfim, é só a máquina de lavar mesmo. Podemos viver em harmonia assim.

Acontece que há algumas semanas atrás, eu fiquei meio adoentada. Nem lembro o que era, acho que uma virose chata. E, bom, todas as minhas energias se esgotavam no trabalho. Chegava em casa e não fazia nada (minto: fazia uma chazinho pra mim, e só). Daí que um dia cheguei, fui direto pra cama e, ao acordar, lá pelas 9 da noite percebi que marido tinha chegado e lavado a roupa. Diálogo patético:

“- Marido, você lavou roupa?
- É, lavei, porque eu não tinha mais cuecas limpas.”

Sabem o que aconteceu? Eu me senti culpada. Por um único minuto, mas me senti. Pensei: “que tipo de esposa sou eu que deixa o marido sem cuecas limpas?”. Juro, eu pensei nisso. Vergonha, né? Depois fiquei com vergonha de ter pensado. E no dia seguinte fui contar pro marido. Disse que ia contar algo engraçado, mas que eu não o perdoaria se ele usasse isso contra mim num momento de fraqueza. Ele riu e disse que também se sentiu culpado, por esperar que a esposa se responsabilizasse por suas cuecas, como se ele não fose capaz de fazê-lo. Sentiu-se um machista também, tadinho.

E a história termina com um jovem casal dando risada de como o mundo funciona, e o quanto gente tem que estar atento pra não reproduzir modelos que definitivamente, não nos servem.

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Sobre leituras

Post que eu queria ter escrito na quinta-feira mas não consegui porque teve uma tempestade (oi Kassab e Serra, beijonãomeliguem ) e eu fui “obrigada” a fazer um happy hour com a rapaziada e cheguei de pilequinho. Queria ter feito ontem, mas o cansaço me derrubou. Hoje a preguiça é muita, mas eu sou mais forte. Acho.

Marido passou no vestibular. Ele começou Física quando era mais novinho, na idade em que as pessoas entram na faculdade, mas por uma série de motivos teve que parar. E agora vai fazer Letras. Tentou Sociais ano passado, não rolou, e esse ano mudou. E eu tô achando um barato, porque eu entrei em Letras 10 anos atrás, e eu achei a faculdade um tesão. Lógico que eu o influenciei muito. E vou me segurar pra não virar uma chata, pra deixá-lo curtir sua experiência independentemente da minha, sem comparações. Eu fiz Português e Espanhol, e ele quer Alemão, porque ele já fala, morou lá, faz Goethe, tem afinidade com a língua. Vai ser bacana.

Daí lembrei que a gente vê na faculdade a definição de “clássico”. Tem até uma matéria optativa (quer dizer, “no meu tempo” tinha), chamada “Porque ler os clássicos?”. E tem um professor que dizia que claśsicos são aqueles livros que a gente tem vergonha de dizer que não leu depois dos 30 anos. Quer dizer, os mais ou menos obrigatórios, ou como diria Harold Bloom (que eu sempre confundo com o Orlando Bloom, que cá entre nós é mais gateenho), o tal Cânone Ocidental.

E, putz, eu me formei em Letras na USP, mas li muito menos do que se esperaria de alguém nessa “condição”. E um professor dizia que a gente tinha que ler, que se a gente não lesse, quem mais leria nesse país? Eu leio muito mais do que a média nacional, óbvio. Mas não é difícil, né, porque a média tende a 0, mesmo entre a suposta elite do país. Eu sou formada em Espanhol mas só li o primeiro volume do Dom Quixote (vergonha!). E outro professor dizia que deveria existir um dispositivo que incinerasse o diploma de quem sai da faculdade sem ter lido o Formação da Literatura Brasileira do Antônio Cândido. Leitura básica, né? E, adivinhem, eu não li. Vergonha total.

E lembrei muito disso recentemente, dessa coisa da idade, porque eu sempre achei que a maturidade pode fazer muita diferença na formação, pode colaborar pra certas leituras. Então eu entrei na faculdade com 20 anos, enquanto muita gente entra com 18, mas acho que só “caiu a ficha” no 2° ou 3° ano. E eu sempre fui uma aluna aplicada, mas parece que rolou um refinamento mesmo. Pode não ter nada a ver com idade, e sim com a fomação: simplesmente aprendi a organizar o pensamento de acordo com o esperado pela Academia. O fato é que fluiu melhor depois de um tempo.

E numas de que agora não estou estudando e posso ler o que quiser, tô indo atrás dos gaps da minha formação, sem critério acadêmico, pensando só no que me interessa, o que é uma delícia. E nisso, li na últimas férias O Apanhador no Campo de Centeio. E foi engraçado. Porque eu não me empolgava, e fiquei pensando se não era como Saramago ou como o Grande Sertão Veredas, que só envolvem de verdade 50 páginas depois. Não me envolveu em momento algum. Eu me sentindo uma anta completa porque, pô, é um clássico. E o Salinger morreu no final de janeiro e todo mundo postando que, uau, o livro é o máximo. Mary W dizendo que o livro mudou a vida dela, quando ela o leu, aos14 anos. E eu pensei, “será?”. Será que há idade para ler certas coisas? Virei uma velha chata e conservadora, por isso “não bateu”? Ou sou só estúpida mesmo? Marido não se conforma de eu não ter curtido o On the road, por exemplo. Nem terminei, achei chatésimo, me dava sono. Entendo que o estilo de vida desse povo era super revolucionário em contraponto com o american way of life dos anos 50, mas, putz, não me empolgou. Pra sorte minha meu pai achou chato também, então se o problema for estupidez, pelo menos tenho a desculpa de ser genético. Fato é que eu prefiro Machadão a qualquer um desses caras aí, fazer o quê.

Falando sério, não acho que eu seja estúpida. Pelo menos não por isso. Há quem estude na faculade teoria da recepção, porque a obra é construída não só pelo autor, mas pelo leitor. Essa coisa de que, no começo, ninguém colocava em dúvida a infielidade de Capitu porque a única leitura possível para o público era que ela era uma vadia arrivista mesmo. Não tô querendo dizer que o rei está nu, eu descobri isso e tudo o que eu não gostei é uma bosta. Mas a leitura é uma experiência única pra cada leitor, nossa recepção tem a ver com a nossa história, as leituras prévias, etc. Por isso que o curso do marido vai ser completamente diferente do meu. Mesmo que cursássemos juntos a mesma matéria já dormindo na mesma cama, a experiência da leitura seria única. E por isso é um tesão, aliás.