sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Sorte a sua que é perseguida por um bonitão

Passou o dia da Blogagem Coletiva. Mas violência contra a mulher, e discurso que a endossa, tem todo o dia, né? Infelizmente.

Então, eu gosto de novela. Gosto mesmo, já escrevi sobre a misoginia nas novelas aqui e aqui. E acho que quem quer entender o país precisa pelo menos passar os olhos nelas, porque são o produto de ficção mais consumido pela população. Claro, não têm a mesma importância que tinham há 20 anos, mas para parte expressiva da população o passatempo principal é esse, ver televisão. Como eu já contei também, não tenho saco de ficar lá assistindo. Dou uma olhada nos sites, vejo alguns vídeos, e leio resumos. Daí esbarrei com isso hoje: http://finaestampa.globo.com/Vem-por-ai/noticia/2011/11/danielle-fraser-se-entrega-para-enzo.html

Olhem só, eu acredito mesmo que relações às vezes são mais complicadas do que discursos explícitos. E meu relacionamento só começou porque meu marido insistiu. Mas insistiu uma vez, com muito cuidado, dizendo, em outras palavras “tem certeza de que esse não é não?”. E bom, eu mudei de ideia. O primeiro “não” era só “não sei”. E ele me disse que se rolasse um segundo “não” ela ia embora. E ok, gente. Mas veja bem, a mulher dispensar o cara uma vez, ele ir atrás no trabalho dela, ela dispensá-lo de novo, e ele ainda assim agarrá-la, não é legal. Nunca, jamais, em tempo algum. Porque o que fica claro é que a palavra dela não é importante. Ele decidiu que ela precisa de homem. E é exatamente essa a lógica do estuprador. Ou do homem que “insiste” com a ex para voltar e passa a persegui-la no trabalho, na faculdade, na porta da casa da mãe. Ele ignora a opinião dela. Toda mulher quer ter um homem atrás dela – então porque não ele?

Eu sei, as pessoas dizem que isso não é importante. Que enquanto estou falando de novela tem gente morrendo por aí. Mas acho que cenas assim são emblemáticas de quanto o nosso discurso é menosprezado. Nosso “não” não é levado a sério, já que somos incapazes de dizer com clareza quando estamos afim de sexo de verdade. O sexo é algo que o homem extrai à nossa revelia, uma concessão, boas moças não dizem com todas as letras que querem transar. Cabe aos homens baterem com o tacape na cabeça e arrastá-las pra caverna. Se ele for bonitão, filhota, tirou a sorte grande. Reclama não, você tava mesmo precisada.

domingo, 20 de novembro de 2011

Da (in)visibilidade

Sou graduada por uma universidade pública em um curso não necessariamente elitista (porque voltado para a formação de professores) e noturno. Ainda assim, tive pouquíssimos colegas negros. Em meu primeiro dia aula na pós-graduação, em um curso lato sensu numa universidade privada, me chamou a atenção ter cerca 5 ou 6 alunos negros numa turma de 35 pessoas. Estava sendo exposta a uma diversidade que nunca havia encontrado nem na escola nem em nenhum ambiente de trabalho. E achei bem bacana.

Mas foi uma sensação que durou pouco tempo. Nada de errado com a pós, tudo de errado com todo o resto. Se ter 20% de colegas negros na turma era um fato excepcional o suficiente para me chamar a atenção, estava ali, na minha frente, a prova da segregação social. Não que eu não soubesse disso. Não que eu não estranhasse essa ausência. Mas a gente tende a normatizar a barbárie como parte da civilização.

Quem tem o mínimo de boa vontade pode até reconhecer que esta é uma sociedade racista, que os negros estão excluídos, que nas classes privilegiadas são minoria da minoria da minoria. Mas, ao mesmo tempo, a homogeneidade pode passar pouco notada quando a gente se acostuma a ela como regra. A gente não estranha mais. Daí a minha profunda tristeza é assumir que classifiquei positivamente uma situação que na verdade era só menos injusta. E eu acho o Dia da Consciência Negra importante por isso, pra gente não se esquecer de que há um problema sério, e esse problema não é dos negros. É um problema da nossa sociedade, cruel, doente, que naturaliza a segregação.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Preguiça

Não só de atualizar o blog – preguiça de gente. Não de todas, mas daquelas que vem com as ideiazinhas e com os preconceitos bem prontinhos e não estão afim de debater nada. Gente que acredita no roteirinho da Veja e do Jornal Nacional todinho, sem tirar nem pôr. Gente que acredita que - empresto a ideia de algum post que li nos últimos dias - o mundo é feito em programação binária, 1 e 0. Nada no meio. Nenhuma possibilidade intermediária.

Tem uma propaganda da Coca-Cola que me irrita um tanto. Já tinha pensado em fazer um post sobre ela e tal e não fiz, mas agora cabe evocá-la. A história de “os bons são maioria”. Ela diz que para cada x corruptos há xxxx doadores de sangue – veja você, os bons são maioria. Não, nunca, jamais, em tempo algum, um corrupto doou sangue. E nenhum doador de sangue subornou o guarda na blitz da lei seca.

Que discurso publicitário seja simplista assim até entendo. Mas que as pessoas comprem isso e levem pra vida, não dá. Então, é ridículo demais gente falando em “fica fumando maconha enquanto deveria estudar”, porque essas coisas não são excludentes. É perfeitamente possível ser consumidor eventual de maconha e ser um estudante dedicado, tanto quanto é possível ser um excelente pai de família tomando seu whisky depois do trabalho ou uma excelente mãe de família que toma rivotril pra dormir (ou ser uma pessoa excelente que não tem família, mas deixa quieto). Porque ninguém é uma coisa só nessa vida.

E este é só um dos temas irritantes. Tem outros tantos. Como a crítica raivosa ao auxilio reclusão pra família de detento, que é exclusivo, vejam vocês, de quem foi preso e tinha carteira de trabalho assinada (ou contribuía pro INSS como autônomo). Porque a dicotomia bandido x trabalhador também é falsa. Mesmo pessoas que acordam cedinho pra trabalhar cometem crimes. Aliás, grandes criminosos costumam ser ocupadíssimos. Isso pra nem entrar no mérito de quanta gente é presa injustamente. Enfim, milhões de possibilidades para se estar preso, milhões de combinações entre caráter x trabalho x crime. Tem pais dedicados, filhos atenciosos, que enchem a cara e atropelam e matam alguém. Tem mães dedicadas que abortam justamente para serem dedicadas só com os filhos que já tem. Tem médico que salva vidas todo dia, mas desvia dinheiro público. E todo esse pessoal pode não ser preso, mas o ladrão de galinha ser condenado. Então, só posso ter preguiça de gente que repete que bandido bom é bandido morto.

Mas continuo. Porque eu votei na Dilma nas últimas eleições. E O HORROR, O HORROR. E PT O PARTIDO MAIS CORRUPTO DO BRASIL! E olhem só, tem gente corrupta no PT, apesar dos caras terem durante anos terem reivindicado pra si o monopólio da virtude. E não, votar no PT não significa que eu ache essa questão irrelevante. A questão é: ser corrompido não é privilégio deste ou daquele partido. Acontece com integrantes de todos os partidos que estiveram no poder - com todos os partidos mas não com todos os integrantes, claro. Inclusive com o partido do seu candidato. Porque a corrupção é sistêmica, ela é mais grave do que isolar esse ou aquele safado/ladrão/bandido/_____ (preencha aqui o adjetivo negatico de sua preferência). E pouquíssimas vezes nessa discussão se menciona que, para que haja corrupto, tem que haver corruptor. E que se você já subornou guarda, inventou recibo falso pra ter desconto no imposto de renda ou tem carteirinha de estudante falsa pra ter meia entrada, você não tem lá muita moral pra botar dedo na cara de corrupto. Então repito, não endosso corrupção. E quando voto no PT (nem sempre) não significa que eu seja petista (o que não acho demérito, mas não é o caso) ou endosse tudo o que fazem. Significa só que, entre os projetos disponíveis, achei aquele o melhor (ou menos pior, mais provável). E sim, por vezes passo tanta raiva quanto você que não votou neles (principalmente quando Aldo Rebelo é promovido a ministro). Mas considerando que você sabe que política não é uma ciência exata, que nela as coisas são muito dinâmicas, que alianças são feitas e desfeitas, partidos criados, e que opositores hoje podem dar as mãos amanhã (você sabe de tudo isso, né? ah bom), pare de repetir que quem vota no PT é ignorante ou compactua com a corrupção. Fazer isso é desconsiderar a possibilidade perfeitamente possível de outra pessoa ser honesta, inteligente, mas ainda assim ter uma visão de mundo diferente da sua. E sabe como é, intolerância não traz nada de bom para o mundo.

Mas todo esse discurso não significa que eu relativize tudo. Não significa que eu não tenha meus valores inquestionáveis. Mas eles podem não ser os seus, e a gente conseguir conviver bem apesar disso, sempre e quando eles não se chocarem - e, eventualmente, até quando eles se choquem. E podem ser até que nossos valores sejam os mesmos, mas que as soluções encontradas para conciliá-los com um mundo imperfeito não sejam as mesmas. Várias possibilidades aí. Mas a boa convivência só vai ser possível se a gente tentar ouvir o que o outro tem a dizer antes de colar na testa o rótulo de “maconheiro”, “vagabundo”, “ignorante”, “vadia”. Então, pensa um pouquinho antes de ficar reproduzindo preconceitos por aí, tá? Por favor.

UPDATE: O diacho da propaganda da Coca me irrita tanto que eu já tinha falado dela. Aqui: http://foifeitopraisso.blogspot.com/2011/06/da-necessidade-de-ter-opiniao-pra-tudo.html