quinta-feira, 8 de abril de 2010

Manoel Carlos, o misógino

Este é um assunto que estava entalado. Assim, de muito tempo. Que talvez nem pareça importante, porque afinal, é só novela. Mas as pessoas assistem novelas, desde pequenas. No Brasil, elas são referência de moda e de comportamento. E acho que moldam mais opiniões que o Jornal Nacional. Pior, a gente ainda as exporta, e elas fazem sucesso lá fora.

Então eu não assisto novela quase nunca porque não tenho muito saco de ficar uma hora ali parada. Mas desde que a Globo começou a colocar na internet os resumos de capítulos, eu passei a acompanhar os da novela das 9. Não de todas, mas da maioria. E tem gente que nem se liga, mas eu conheço os autores, o estilo e tal. E sei que adoro o Silvio de Abreu (perdi “Belíssima” porque passou quando eu estava na França), amo de paixão o cinismo do Gilberto Braga e seus vilões super charmosos e canalhas (a última novela que eu acompanhei mesmo na televisão foi “Celebridade”), acho que a Glória Perez completamente surreal (mas gostava da história de “Caminho das Índias”) e não tenho estômago pro reacionário de carteirinha que é o Aguinaldo Silva.

Mas o Manoel Carlos é especial. Porque eu tenho aversão mesmo. E a Globo o vende como o sujeito que ama as mulheres, com suas Helenas sempre chatíssimas como modelo de força e tal. Mas na verdade ele odeia mulheres. Ou só ama as que se comportam direitinho. Em todas as novelas do Manoel Carlos há uma mulher apanhando por conta de sua conduta sexual. T-O-D-A-S. E não é levar um tapa na cara da rival que a pegou com o marido. É surra pesada, e normalmente com o pretexto de educá-la. Quer dizer, não é briga, é "corretivo". Houve uma delas, a “Mulheres Apaixonadas” que tratou da violência doméstica. A personagem era uma professora paulistana que tinha fugido para o Rio por conta de um ex-marido violento, e o cara a encontrava e espancava ela mais um pouco. Mas aí o merchandising social, tava claro: marido não pode bater na mulher. O marido não, mas o resto...

Pra não ficar mais longo, vou pegar só 3 casos, das mais recentes, com direito a links para os vídeos para ilustrar.

Mulheres Apaixonadas, 2003

Dóris é adulta, porque já não está na escola. Pelas minhas contas, deve ter aí 19 ou 20 anos. E é mimada e prepotente. Destrata os avós. Quer que os pais os internem num asilo pra não ter que dividir o quarto com o irmão. Enfim, gente boa ela não é. Só que no último capítulo, o pai vai buscá-la num hotel em que está com um cara, pagando de rica, e dá uma surra nela e a expõe para os hóspedes na recepção. Veja bem, o pai passa a novela inteira sem se manifestar quando a víbora está destratando velhinhos, e resolve puni-la quando ela está dando. Minha revolta foi enorme quando assisti. Se eu vejo alguém fazendo algo parecido, chamo a polícia. Mas pelos comentários no youtube, vocês entendem o perigo da coisa: todo mundo ali parece que achou bonito.

Páginas da Vida, 2006

Sandra vive na casa dos patrões dos pais como “agregada”. Manja o lance do favor, dos pobres que orbitavam os ricos no século XIX? Igualzinho. Daí ela acha que tem direito à mesma boa vida. Ô, audácia. Não enxerga o seu lugar. E ela iniciou o filho do patrão sexualmente, e parece que se apaixonou por ele ou viu nele seu caminho para a ascensão social - talvez as duas coisas. Ah! Como o autor é coerente em criar suas vilãs, ficamos sabendo que essa já fez um aborto de um filho do patrão. Coisa horrorosa. Ele só não explica porque cargas d'água uma arrivista não teria esse filho que lhe daria acesso a tudo que sempre sonhou, mas tudo bem. Rejeitada, porque não é mulher pra casar, passa a “causar” nos jantares cada vez que o mocinho leva uma moça de família pra ser apresentada à casa grande. Enfim, um dia uma das patroinhas se irrita e coloca ela no tronco. E pra completar a cereja no bolo, no final da novela, o patrãozinho se casa com a irmã da “piriguete”, que virgem e santa, se manteve na senzala e de pernas fechadas até subir ao altar. Lindo, né?

Viver a vida, 2010

A menina mimada Isabel, feita de puro sarcasmo e atrevimento, já levou um esculacho da mãe, saindo do banho, porque negligenciou um vídeo enviado do exterior pela irmã mais bonita e modelo por puro despeito. No mundo em que eu vivo, bastaria cortar o cartão de crédito pra patricinha se alinhar. Mas não, tem que apanhar. E nua. É fetiche ou não é, minha gente?

Mas eu falei de conduta sexual, e este não foi o caso da Isabel (pelo menos ainda). Além da sexualidade, outro fator a ser punido nas mulheres é sua ambição. Querer ascender à elite do Leblon quando são no máximo, de classe média. E daí vem a novidade, o motivador deste post. Ou tava achando que era só prato requentado?

Capítulo de hoje: Soraia é a filha do caseiro. Bonitinha, novinha, gostosinha. Tá “afins” de descolar um trouxa pra pagar suas contas. Daí ela vai a um coquetel cheio de grã-finos, enche a cara de vodca, faz beicinho, trança as pernas, e sai falando bobagem. Nada demais, né? Vexamezinho básico. Mas o Manoel Carlos acha que ela merece uma surra. Ele até pinta o pai da moça como um ogro intolerante, pra tentar tirar a culpa das suas costas, mas não me convence, não. Personagem não tem vontade, "seu" autor. Eu sei que quem curte ver mulher apanhando é você.

Maneco, querido: galerinha da Uniban manda aquele abraço!

Update: A novela com merchandising contra violência doméstica era "Mulheres Apaixonadas" e não "Páginas da Vida". A Anna me corrigiu nos comentários (obrigada, Anna!), e eu acabei de corrigir no texto. Sabem como é: Leblon, Helena, José Mayer "pegando" geral, mulher apanhando. Mesmo quem é fã do gênero como eu se confunde. :)

17 comentários:

  1. Menina você leu meu pensamento... Há um tempo já tinha lido uma menina comentar no orkut que em toda novela do Manoel Carlos uma mulher adulta toma uma surra de cinto do pai pra "endireitar", mas na época nem dei bola... Não acompanho a novela, mas hoje não tive a aula à noite e assisti exatamente essa cena. Foi nogenta... Me lembrei das outras "surras corretivas" e pelo jeito o "Maneco" é favorável à prática. Lembro que na novela da Dóris foi assim como você falou e depois da surra, milagrosamente ela aparece toda angelical beijando os avós... Curiosamente machinho mal educado não apanha do papai (o que também seria errado) só moça "saidinha". Agora imagina a mensagem que esse cara com cabeça do século XV passa pra esse tanto de gente que em relação a novela faz o que seu mestre mandar...
    Absurdo...

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  2. Excelente post!! Muito bem escrito e super sarcastico, ahahaha! Adorei e nem preciso dizer que concordo com tudo! Eh triste saber que minha avo, diante de uma cena dessas, diz "isso mesmo! Ela mereceu! Bem feito!". Pior é que não sao so as avos que pensam isso...

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  3. A novela da professora paulistana que foge pro Rio pq apanhava do marido é Mulheres Apaixonadas! :)

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  4. Laurinha,

    Pois é. Homem não leva corretivo. Mas a mulher tem que ser enquadrada. E mulheres adultas! Isso é tão sério.

    Amanda,

    A culpa não é nem da sua avó, nem do povo. Ele constrói as personagens pra que sejam antipáticas. A gente não simpatiza com elas mesmo. Mas elas tão ali representando algo, né? Representando a "Eva", essa mulher perigosa que ferrou com a humanidade. Daí a surra é uma catarse para o público. Joga pedra na Geni!

    Anna,

    Valeu! Corrigi lá.

    Johnny

    Recalcado eu não sei. Mas moralista e retrógrado ele é, e muito. Obrigada pelo elogio!

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  5. Concordei bastante com o post! Mas, nunca tinha parado pra pensar na surra da Doris (sim, naquela época eu assistia a novela). Outra coisa, que me passou a mente na leitura do post, foi sobre a série Presença de Anita. Lembra? Se não me engano, Anita era menor. Mas pra a maioria dos telespectadores, isso não importava. José Mayer era apenas uma vítima que era seduzida pela garota. Em nenhum momento ele foi julgado como pedófilo, tarado, etc. A MULHER que era problemática.

    Ah sim, gostei muito daqui! E li uns posts antigos...posso comentar um? É aquele da Thaís Araujo e dos cabelos crespos: pois bem, tenho cabelo crespo, grande, um pouco (mas não mto) parecido com o da personagem da novela. E desde então, um certo povo da minha sala da faculdade começou a fazer uma associação entre mim e ela. Sabe aquela coisa chata? Das pessoas no fundo (não admitirem) fazerem essa associação porque acham que todos os negros são iguais? Porque né, alguém pode imitar o cabelo da protagonista branca X. E a pessoa que imitar o tal cabelo, em nenhum momento é chamada de X. Por quê né? É como se pra ter um visual de cabelo crespo, eu (o que não aconteceu) tivesse obrigatoriamente me inspirado em Thaís Araujo.

    Beijo =*

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  6. Isso é terrivelmente irritante.

    Mas a surra mais terrível pra mim, até agora, foi em A Favorita. Quando a Dedina apanha do marido porque ela o trai, sendo bem fogosa e tal. Tudo bem, ela traía e era errado. Mas NADA justifica aquela surra, aquela ameaça (se tivesse uma arma, eu te dava um tiro na cara), a reação positiva das pessoas.

    Eu acho que nunca fiquei tão chocada na minha vida, por ter algo tão violento, machista na TV e as pessoas apoiando.

    Eu não lembro muito de Mulheres Apaixonadas e Páginas da Vida. Até acompanhei, mas não ficou na cabeça. E em relação à Viver a Vida, depois da surra que Isabel levou da mãe, eu fiquei a favor dela. Com uma educação com uma mulher daquelas, que bate na filha adulta por causa de um vídeo, é lógico que a menina não ia sair uma beleza de pessoa, né.

    Sem contar que ela simplesmente direciona toda sua maldade pra machucar, porque com isso se destaca - afinal a mãe e o pai sempre fizeram distinção entre a querida, maravilhosa, bela e perfeita Luciana, a doce Mia e a malvada da Isabel. Se os pais não diferenciassem tanto, Isabel seria simplesmente uma menina com falta de tato. Mas... claro, eu nunca vi Marcos apanhar e ele é o que mais merecia de toda aquela corja de machistas.

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  7. Melina,

    Obrigada pelo elogio! Você tem toda a razão. A Anita é um clássico exemplo da Eva, a mulher tentação. Porque só há três modelos possíveis: a Maria, a Madalena e a Eva. Anita e as outras que apanham, pra mim, são Evas, pecadoras. As virgens são Marias. As Helenas se dividem entre as Marias e as Madalenas, porque podem atpe ser menos passivas, terem um "passado", mas são feitas de arrependimentos e boas intenções.

    Eu entendo você não ter se ligado no lance da Dóris. Porque ela foi criada pra gente não ter a menor empatia por ela mesmo.

    Quanto ao cabelo, te entendo perfeitamente. E acho que isso tá muito ligado ao lance do pouco espaço que os negros tem na mídia. Então qualquer menina negra ou vai ser Thaís, ou vai ser Camila. Porque essas seriam as únicas possibilidades. É pobre? Claro que é. Mas já é melhor do que não ser representada nunca, acredito eu.


    Luna,

    Muito obrigada por lembrar deste caso de "A Favorita". Porque foi uma das novelas que eu meio que ignorei. E tô pensando já em escrever o próximo post sobre isso. Em todas as novelas há mulheres apanhando, só muda a motivação. Então, se reproduz a idéia de que há situações em que é compreensível que uma mulher apanhe. Horrível.

    Quanto à Isabel, tenho a mesma impressão que você. Que ela é uma imcompreendida. Procurando o vídeo no youtube pra postar, achei um outro em que ela reclama da mãe em relação à atenção dada a Luciana, e a mãe a humilha na frente de amigas. Diz que ela deve ter sido trocada na maternidade, porque não consegue entender como pariu alguém tão insensível. Achei tão cruel. Quer dizer, a maldade dela é muito bem alimentada. Não dá pra esperar que ela seja mais sensível mesmo.

    E, claro, os garanhões não vão apanhar nunca. No máximo um tapinha na cara da mulher ofendida. Mas tapa na cara e surra de cinta são muito diferentes, né?

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  8. Ótimo post, vou linkar no orkut.

    Ah, e mais um comentário: eu abri o vídeo da surra da Dóris (não pra assistir, só pra ver os comentários) e a coisa mais sensata que eu vi ali (não estou elogiando, como vou explicar, mas foi falta de coisa melhor) foi alguém dizendo que a personagem não teria sido criada direito pela mãe, e daí saiu aquilo.

    Ou seja, até quando a filha sai "torta" a culpa é todinha da mãe, né?! O pai mosca-morta que nunca fez nada, que deixava os avós serem maltratados sem dar um pio, q mimava a menina e que só achou a filha uma pessoa imprestável quando viu q ela transava... ah, ele não tem nada a ver.

    E justamente pela personagem ter sido construída pra todo mundo odiar é que eu entendo as pessoas vibrando com a cena dela apanhando. Quer dizer, ela era má e todo mundo queria um castigo, o complicado foi o motivo e a forma...

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  9. Outro dia eu comentava a novela com uma amiga (comecei a acompanhar recentemente por causa do romance do médico com a cadeirante e só) e ela dizia que ele era progressista ao insinuar que um cara rico, bonito, de "boa família" pudesse casar e tals, ter filhos com uma garota de programa, numa versão "felizes para sempre moderna".

    Eu eu fiquei pensando que eu não consigo ver NADA de progressista nessa novela. É machista, conservadora, retrógrada. Pra ficar só em dois pequenos exemplos, que eu ainda tenho o post de cima pra ler: famílias com 500 empregados (negros) e casinhos de empregadinha gostosas com patrões mulherengos.

    Essa minha amiga mora na Europa e disse: nossa, é tão gritante isso...não me lembro de nenhum filme europeu onde as famílias tenham empregados.

    Pois é.

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  10. Esse e' o retrato do povo brasileiro! Gosta de ver mulher apanhando, acha certo. Por isso que porrada tambem eh aplicada a crianca mal educada... faz sentido, afinal, se educar nao funciona, forca fisica ha de funcionar! Olha que isso daria uma boa tese de mestrado! Alias, em Cidadao Kane, mostra bem o povo brasileiro ali, grudadinho a tv, assistindo novela. Novela no Brasil e' formadora de opiniao!

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  11. Desculpem a invasão mas assunto de novela me interessa hahaha
    Se estnao cansadas desse folhetim barato entrem no www.carlasmanoelas.blogspot.com e leiam a nossa versão.
    O Leblon nunca mais sera o mesmo.
    beijos

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  12. Irmfried,


    Concordo com você. Na hora de se criticar a educação, sobra sempre pra mãe. Como se o pai só tivesse mesmo obrigação de levar o pão pra casa. E claro que a Dóris precisava de um limite. O problema é que a novela nos vende que a surra é a única maneira de fazer isso.


    Daniela,

    Teve até uma novela do MC que a personagem, acho que era Capitu, deixava de ser garota de programa e se casava com o moço de boa família. Não vejo progresso nisso. O machismo religioso prevê esse lugar para a Madalena, como eu disse no comentário acima. Contanto que se arrependa e passe a se portar bem, há lugar pra todos no paraíso, né? Agora eu faço uma ressalava à questão das empregadas. Porque ter empregada doméstica é uma realidade da nossa elite, então acho que cabe serem retratadas. O problema é COMO são retratadas, ao meu ver.

    Alice,

    Pois é. Eu fico bem triste, mas tem muito a ver com o fato de que estamos muito atrasados no processo civilizatório. A bárbarie ainda impera. Mas há que se fazer esforços para a mudança, e a televisão já deixou claro que não está disposta a colaborar.

    Pat,

    Invasão nada! E eu curti o blog, viu? Curto demais uma subversão! Subverter é preciso, aliás.

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  13. Me incomoda demais esse argumento de "retratar a realidade" Iara, pq metade da população desse país é preta e nas novelas eles não são metade NEM de longe. E qdo aparecem são como empregados.

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  14. Só pra esclarecer, eu concordo que a Dóris precisava de um limite, mas não concordo com a surra e muito menos com o contexto onde ela aconteceu (e o motivo, que foi o sexo casual).

    Eu só quis dizer que o público acaba sendo receptivo a esse tipo de corretivo porque mistura tudo no mesmo balaio ("ela é insuportável, bem feito pra ela que alguma coisa foi feita"). Só que como vc bem disse, infelizmente a única coisa feita é a surra mesmo.

    Abraços

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  15. Daniela,

    Agora você quebrou minhas pernas. Tem toda a razão e não há argumentos que justifiquem essa ausência. Aliás, retifico, dependendo do roteiro, dá pra não aparecer empregada doméstica. Não aparecer negro nunca não dá mesmo.

    Irmfried,

    Eu entendi, viu? Claro, o que merece ser punida é a atitude em relação aos avós, não o sexo.E pra flha adulta a solução era bem simples: "não tá satisfeita? faz a mala e vai embora. quer continuar? então trate as pessoas com respeito." Mas é sintomático que a personagem apanhe quando vai transar, né?

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  16. Aí... não disse que em alguma coisa com certeza a gente ia concordar? Ele é misógino sim. A maioria das mulheres das suas novelas é histérica, maluca, negativa de alguma forma. Ou tão, tão, tão boazinha que dá raiva.

    Beijos,
    Bárbara (amiga da Rê)

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