sexta-feira, 23 de abril de 2010

Nota breve sobre o racismo

A notícia é velha, mas como fala de futebol e o jogo de volta foi na quarta-feira, eu fiquei matutando. Porque na semana passada, no jogo Palmeiras e Atlética Paranaense, um jogador atleticano deu uma cabeçada num palmeirense, os dois se enfezaram, e o último cuspiu no primeiro e o chamou de “macaco”. Findo o jogo, o ofendido foi prestar queixa na delegacia e abriu-se um processo por injúria de teor racista, que é diferente de racismo. Racismo é exercer seu poder pra excluir o outro diretamente (numa entrevista de emprego ou num elevador, por exemplo), diferente deste caso, em que houve ofensa verbal.
Uma vez eu li, no contexto da discussão sobre a legitimidade das cotas, algo bem interessante. Que essa historinha de que “não dá pra saber quem é negro no Brasil” é uma tremenda balela. É só o cara bater no seu carro. Aí você vai lá e chama de “criolo filho da puta”. E eu achei a definição muito precisa e ilustra bem este caso do jogo. O cara não deveria ter dado a cabeçada. Mas deu. E qual é a primeira coisa que o agredido lembra? Que o cara é negro. É foda, por que não existe xingamento politicamente correto, né? Mas se eu chamo alguém de “imbecil” ou “desgraçado”, é muito particular. Não tô desqualificando todo seu grupo social por tabela.
Meu caso específico, se alguém me sacanear, não consigo me imaginar sequer pensando “tinha que ser preto, judeu, japa, whatever”. Mas consigo me imaginar chamando de “filho da puta”. E, olha só, não tenho orgulho de assumir isso, porque eu me identifico aqui como feminista. No Fórum Social Mundial de 2005 assisti a um debate com profissionais do sexo que diziam o quanto o estigma do “filho da puta” era ofensivo à categoria. Só faço um aparte pra dizer que acredito que a expressão ficou tão universal que ninguém, quando a usa, deve ter em mente “você é desonrado porque sua mãe tem uma conduta sexual reprovável”, o real significado - o que não tira a legitimidade da queixa das prostituas, claro. Mas quando alguém chama um negro de “macaco”, não dá pra dizer que “abstraiu” o significado. Não acredito de jeito nenhum.
E fiquei pensando que o jogador do Palmeiras (meio que) se desculpou. Eu acho que dá pra gente se desculpar pelo que a gente faz, mas não pelo que a gente pensa. E o cara pensa, nem que seja no fundo do subconsciente, que a cabeçada cretina tem alguma coisa a ver com a cor.

Enfim. Acho triste.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Castigo vem a cavalo

Se eu fosse uma pessoa crente, não no sentido evangélico, mas no sentido geral, eu diria que só pode ser castigo. Porque olha só, eu, cansada pra caramba, queria um dia pra descansar. E bom, 21 de abril é feriado, eu ia ter um dia pra descansar e estudar um pouco de qualquer maneira. Mas eu queria um pouco mais. O ideal era ter uma boa desculpa pra trabalhar de casa. No meu trabalho todo mundo usa laptop, temos uma conta com a AT&T para acessar a rede remotamente, então é bem normal trabalhar de casa. Normal pra quase todo mundo, menos pra mim, porque eu sou a assistente-faz-tudo que mexe com papelada, despacha motoboy, recebe relatório de reembolso de despesa da galera, enfim, tenho que estar por lá. Quando eu trabalho de casa normalmente é zica – tipo 31 de dezembro que não teve expediente pra ninguém, mas eu tive que “dar uma olhadinha” no e-mail pra ver se não apareciam pedidos de última hora pra colocar no sistema. Enfim, só-me-fodo.com.
Daí, isso. Eu tava louca pra ter um leve mal-estar que justificasse ficar em casa. Da última vez que isso aconteceu, foi um resfriado bem bobo, e eu só respondi a um ou dois e-mail pra fingir que trabalhava e tudo bem. Só que essa semana eu me estrepei. Comecei a me sentir indisposta no domingo e fiz aquele papel de esposa chata que na casa da sogra fica enchendo o saco do marido clamando “eu quero ir embora!”. Talvez eu já estivesse com febre, sei lá. Segunda eu fui trabalhar bem cansada e fui sentindo a garganta fechando. Comprei umas pastilhinhas porque achei que fosse uma irritação. No final da tarde, comecei a bater os dentes (sério!). Avisei a minha chefe que ia trabalhar de casa na terça, levei o computador e peguei um táxi pra chegar rápido. Chegando, fui verificar a minha temperatura: 38, 5°C. Sabe lá desde que horas. Fui tomar um banho pra ver se baixava. Saindo do banho, 39°C. Tomei o único remédio disponível em casa pra febre. Baixou pra 38°C.
Acordei na terça e liguei o computador. Minha senha não funcionava. Tive que ligar, com voz de pato, para o helpdesk na Finlândia. Tava difícil falar, imagina falar inglês. E bom resolvida a questão, trabalho. Muito trabalho. Tem épocas que eu nem tenho muito o que fazer, mas o VP resolveu me pedir uns relatórios financeiros e eu vinha apanhando desde segunda pra conciliá-los. Pra piorar, os relatórios que eu tirei essa semana não batem com os números que eu extraí no começo do ano para um colega. Não tenho nenhuma explicação, pode ser só cagada minha mesmo, embora eu não entenda como possa ter cagado nisso. E a febre subindo, o ouvido e a garganta doendo até pra engolir saliva, um gosto horroroso no boca. E eu parava de vez em quando pra descansar. Dei uma cochilada de 40 minutos e quando voltei tinham dois e-mails do tal colega na minha caixa: um levantando uma hipótese e outro, meia hora depois, perguntando: “e aí, o que você acha?”. Acho nada, mané. Minha febre subiu pra 39°C e não tem mais remédio em casa.
Por sorte (ou azar) o marido também não estava bem e não foi direto pra faculdade. Avisei que teríamos que ir pro hospital. Chegando lá, bronca: “como assim 39°C de febre e não tomou remédio, quer ter uma convulsão, senhora?!” (digressão: gostava mais quando me chamavam de menina, mas ok). Daí espera, uma bezetacil e outra injeção na veia que nem sei pra que serve. E aquela maravilha, né? Saí de casa super agasalhada, morrendo de frio, numa noite abafada, cheguei empapada de suor, sem febre. Sério mesmo, sem ironia, adoro a medicina moderna. Vocês não?

Nossos planos pra hoje, feitos semanas atrás, eram estudar, descansar e namorar (oi? de vez em quando é bom, né?). Acordei de novo com febre e o marido super indisposto. Depois de tomar novalgina, minha temperatura despencou para 35,8°C. Sério. Não era defeito no termômetro. Agora está em 37,5°C de novo. Resistirá meu pobre cérebro a esterilização via choque térmico? Estudei um pouquinho e descansei um pouco. Ouvido e garganta doem bem menos agora. Namorar? Estou há 2 dias sem beijo na boca. Porque enfrentar trânsito de São Paulo na hora do rush estando resfriado pra levar a esposa no PS é uma coisa. Beijar uma boca com gosto de pus é outra beeem diferente. Perdeu o apetite lendo isso? Imagine eu.

sábado, 17 de abril de 2010

Sobre leituras II

Como eu já disse aqui, a lista do que deveria ter lido é gigantesca. E só aumenta. Se um dia eu escrever que estou entediada é porque não tem livro por perto, porque coisas pra ler não faltam nunca. E aí eu comecei a pós, aos sábados, o dia todo (eu deveria estar dormindo, porque amanhã acordo cedo). E o tema é meio Economia, meio Urbanismo. E, oi? Não sei nada sobre nada disso. Só lendo pra correr atrás. E mês passado foi meu aniversário. Minhas amigas que já sabiam do meu interesse pelo feminismo resolveram me presentear com livros sobre o tema (é, minhas amigas são legais). Lógico que ninguém quer que eu leia semana que vem, mas acho meio chato ganhar um livro e não voltar pra contar pra pessoa suas impressões. Então é isso. Trabalho 8 horas por dia, academia pra consertar o joelho podre (é isso ou a fisioterapia, não tenho muita escolha), pós (e sua respectiva monografia), marido, amigos (meus e dele), família (minha e dele) e livros. Claro, e Copa do Mundo pra eu passar um mês só pensando em futebol e dispersar completamente. E um blog que eu tento atualizar de vez em quando. Depois tem gente que me pergunta quando eu vou ter filhos. Humpf!

Então a lista atual das coisas que eu gostaria de ler nos próximos dois meses, mas que vou me sentir realizada se conseguir dar conta este ano ainda, está assim:

Para a pós:

- O que é cidade? Raquel Rolnik – segundo o coordenador do curso, leitura básica para os ignorantes em urbanismo;
- Formação Ecônomica do Brasil, Celso Furtado – pra entender minimamente Economia;
- Formação do Brasil Contemporâneo, Caio Prado Júnior – idem idem.

Isso fora os textos avulsos, que a gente copia, e são muitos, claro. E a bibliografia específica para o meu trabalho, que eu ainda nem fui atrás. E não, isso não é a bibliografia mínima. O mínimo do mínimo ainda incluiria a Era dos Extremos, do Hobsbawm, mas eu sei que não vai rolar agora.

Sobre feminismo:

- Le conflit – la femme et la mère, Elisabeth Badinter. Lembram do livro que a Amanda postou aqui? Foi por conta dessa discussão que eu conheci o blog dela. E mandei um link para Ma, uma amiga que além de morar na França, acabou de ser mãe. Ela achou interessante e resolveu me mandar o livro de lá, porque ela sempre me manda presentes e acha que nunca ainda não me estragou o suficiente;
- Testo Yonqui, Beatriz Preciado. Imaginem uma intelectual que resolver se auto ministrar testosterona e, ao mesmo tempo em que relata as reações do hormônio em seu corpo, faz uma análise de questões de gênero? Presente da amiga, Fe, que anunciou assim "Iarinha, trouxe uma bomba pra você de Barcelona!";
- Backlash, Susan Faludi. A Lud que colocou o link para baixar de graça lá no blog dela. Eu baixei e deixei na área de trabalho do computador. E ele fica aqui, olhando pra minha cara todo dia. Li só a introdução e tô esperando a brecha pra ler o resto.

Diversos e aleatórios:

- Disgrace, JM. Coetzee. Não li nada dele ainda e morro de curiosidade. Sei lá porque resolvi começar com esse;
- A elegância do ouriço, Muriel Barbery. Em dois dias, vi duas referências a este livro do qual eu nunca tinha falando até então. Uma no formspring da Mari, dizendo que tinha gostado (nem te falei sobre isso ontem, Mari) e uma amiga com quem conversei no msn me contou que tinha lido e se lembrou de mim. Bastou pra pulga da curiosidade picar.

Factível ler isso em 2 meses, alguém pode dizer. Eu também acho, dá 1 por semana só. O que me angustia é que eu acho que não vai ser factível pra mim de jeito nenhum. Ó, vida.

domingo, 11 de abril de 2010

Mas mulher apanhando dá audiência, né?

Eu falei da misoginia do Manoel Carlos porque talvez seja a que me salta mais aos olhos, num primeiro momento. Primeiro, porque nos seus enredos nunca há um vilão (ou vilã) terrível que faz mil estripulias, mata, foge da polícia e tal. Os dramas são mais prosaicos: traições, acidentes, doenças. E por isso as mulheres que apanham, ao meu ver, só se comportaram mal do ponto de vista do autor, sem sequer serem dignas do título de vilãs odiosas. Além disso, há outras coisas machistas igualmente irritantes sempre presentes em suas tramas, como a biscate que engravida do mocinho justo quando ele ia se entender com a mocinha (lógico que o coitado é vítima na história) e a virgindade das mocinhas pobres como uma commodity a ser preservada para aumentar seu valor no mercado dos casamentos – o que mais uma moça pobre pode oferecer a um mocinho rico se não for bonita e “honesta”?

Mas como a Luna lembrou nos comentários abaixo, em “A Favorita”(2008) houve um caso de uma mulher que apanhou em público do marido quando este descobriu que estava sendo traído. E eu já tava mesmo com vontade de tratar disso: sempre há uma mulher apanhando. Mudam os autores, os enredos, as motivações, mas a surra é certa. De novo, vou tentar ficar só com exemplos recentes, dos autores das novelas das 9. Olhem só:

Sílvio de Abreu

O autor foi duramente criticado em 1995 por organizações de defesa da mulher porque e vilã Isabela Ferreto, ao ser pega em flagrante de adultério pelo seu marido (que antes era seu amante e o ex-noivo os pegou no flagra no dia do casamento) é esfaqueada no rosto. E a gente sabe o significado que tem essa coisa da cicatriz, né? Do marcar o rosto, “destruir” a beleza, já que ela está ligada a sexualidade. Depois dessa prensa, supõe-se que deveria se conscientizar e pegar mais leve. Como eu contei, eu não vi “Belíssima” (2005/2006), mas parece que a mãe traída deu uns tapas na filha pouco confiável que se meteu na cama com seu marido.

Gilberto Braga

Em “Celebridade” (2004), Maria Clara Diniz, a mocinha, deu o troco na vilã Laura, que tinha acabado com sua carreira e reputação, dando-lhe uma surra. Em Paraíso Tropical (2007) Eloísa, companheira do ourives que era explorado por Taís, também desconta sua raiva com uma surra.

Glória Perez

Em “América” (2005), a dissimulada Creusa, apanhou da sogra quando esta decobriu que ela não era exatamente uma esposa fiel. Em “Caminho das Índias” (2009) Yvone apanha de Melissa quando a perua descobre que a vilã está seduzindo seu marido.

Aguinaldo Siva

Como eu também contei antes, é o que eu menos acompanho, porque acho chatíssimas suas pretensões épicas reacionárias. Mas sei que em “Senhora do Destino” (2004/2005) a vilã Nazaré Tedesco apanhou da heroína Maria do Carmo. “Duas Caras” (2007/2008) eu não vi mesmo. Mas olhem como é fácil descobrir: entrei no Wikipedia, joguei o nome da novela lá, vi a relação de personagens. Daí lembrei que a personagem da Aline Moraes é que era a vilã. Joguei lá “Sílvia apanha em Duas Caras” no google. Batata! Apanhou da mocinha.

Nessas novelas, homens apanhando não são vendidos como espetáculo, por pior que tenham se portado. Pode ter lá uma briga e uns sopapos, mas não há essa conotação moral. A surra na vilã é atração da semana, às vezes um dos pontos altos da trama. Dá capa em revista semanal e pico de audiência. Os pecados dessas mulheres variam muito: umas foram adúlteras, outras só foram sensuais; umas são estelionatárias, outras assassinas. Então não interessa se é um crime que pode ser apurado e punido por lei, se é uma fraqueza de caráter ou um simples desvio de conduta de acordo com a moral estabelecida. A pena prevista é uma só: surra.

Como eu disse no post anterior, eu realmente acredito que as novelas são referência para sua audiência. E este público fica lá, torcendo para o momento em que a vilã será punida. É catártico isso. Então, uma emissora de televisão, que deveria estar minimamente comprometida com a qualidade da sua programação porque é uma concessão pública, dissemina a idéia de que há situações em que é aceitável que mulheres apanhem. Pior: há situações em que agredi-las é esperado e desejável.

Não adianta fazer marketing social e passar Globo Repórter sobre a Lei Maria da Penha. Para violência contra mulheres diminuir, é preciso parar de celebrar a surra a como maneira de solucionar conflitos em que estejam envolvidas.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Manoel Carlos, o misógino

Este é um assunto que estava entalado. Assim, de muito tempo. Que talvez nem pareça importante, porque afinal, é só novela. Mas as pessoas assistem novelas, desde pequenas. No Brasil, elas são referência de moda e de comportamento. E acho que moldam mais opiniões que o Jornal Nacional. Pior, a gente ainda as exporta, e elas fazem sucesso lá fora.

Então eu não assisto novela quase nunca porque não tenho muito saco de ficar uma hora ali parada. Mas desde que a Globo começou a colocar na internet os resumos de capítulos, eu passei a acompanhar os da novela das 9. Não de todas, mas da maioria. E tem gente que nem se liga, mas eu conheço os autores, o estilo e tal. E sei que adoro o Silvio de Abreu (perdi “Belíssima” porque passou quando eu estava na França), amo de paixão o cinismo do Gilberto Braga e seus vilões super charmosos e canalhas (a última novela que eu acompanhei mesmo na televisão foi “Celebridade”), acho que a Glória Perez completamente surreal (mas gostava da história de “Caminho das Índias”) e não tenho estômago pro reacionário de carteirinha que é o Aguinaldo Silva.

Mas o Manoel Carlos é especial. Porque eu tenho aversão mesmo. E a Globo o vende como o sujeito que ama as mulheres, com suas Helenas sempre chatíssimas como modelo de força e tal. Mas na verdade ele odeia mulheres. Ou só ama as que se comportam direitinho. Em todas as novelas do Manoel Carlos há uma mulher apanhando por conta de sua conduta sexual. T-O-D-A-S. E não é levar um tapa na cara da rival que a pegou com o marido. É surra pesada, e normalmente com o pretexto de educá-la. Quer dizer, não é briga, é "corretivo". Houve uma delas, a “Mulheres Apaixonadas” que tratou da violência doméstica. A personagem era uma professora paulistana que tinha fugido para o Rio por conta de um ex-marido violento, e o cara a encontrava e espancava ela mais um pouco. Mas aí o merchandising social, tava claro: marido não pode bater na mulher. O marido não, mas o resto...

Pra não ficar mais longo, vou pegar só 3 casos, das mais recentes, com direito a links para os vídeos para ilustrar.

Mulheres Apaixonadas, 2003

Dóris é adulta, porque já não está na escola. Pelas minhas contas, deve ter aí 19 ou 20 anos. E é mimada e prepotente. Destrata os avós. Quer que os pais os internem num asilo pra não ter que dividir o quarto com o irmão. Enfim, gente boa ela não é. Só que no último capítulo, o pai vai buscá-la num hotel em que está com um cara, pagando de rica, e dá uma surra nela e a expõe para os hóspedes na recepção. Veja bem, o pai passa a novela inteira sem se manifestar quando a víbora está destratando velhinhos, e resolve puni-la quando ela está dando. Minha revolta foi enorme quando assisti. Se eu vejo alguém fazendo algo parecido, chamo a polícia. Mas pelos comentários no youtube, vocês entendem o perigo da coisa: todo mundo ali parece que achou bonito.

Páginas da Vida, 2006

Sandra vive na casa dos patrões dos pais como “agregada”. Manja o lance do favor, dos pobres que orbitavam os ricos no século XIX? Igualzinho. Daí ela acha que tem direito à mesma boa vida. Ô, audácia. Não enxerga o seu lugar. E ela iniciou o filho do patrão sexualmente, e parece que se apaixonou por ele ou viu nele seu caminho para a ascensão social - talvez as duas coisas. Ah! Como o autor é coerente em criar suas vilãs, ficamos sabendo que essa já fez um aborto de um filho do patrão. Coisa horrorosa. Ele só não explica porque cargas d'água uma arrivista não teria esse filho que lhe daria acesso a tudo que sempre sonhou, mas tudo bem. Rejeitada, porque não é mulher pra casar, passa a “causar” nos jantares cada vez que o mocinho leva uma moça de família pra ser apresentada à casa grande. Enfim, um dia uma das patroinhas se irrita e coloca ela no tronco. E pra completar a cereja no bolo, no final da novela, o patrãozinho se casa com a irmã da “piriguete”, que virgem e santa, se manteve na senzala e de pernas fechadas até subir ao altar. Lindo, né?

Viver a vida, 2010

A menina mimada Isabel, feita de puro sarcasmo e atrevimento, já levou um esculacho da mãe, saindo do banho, porque negligenciou um vídeo enviado do exterior pela irmã mais bonita e modelo por puro despeito. No mundo em que eu vivo, bastaria cortar o cartão de crédito pra patricinha se alinhar. Mas não, tem que apanhar. E nua. É fetiche ou não é, minha gente?

Mas eu falei de conduta sexual, e este não foi o caso da Isabel (pelo menos ainda). Além da sexualidade, outro fator a ser punido nas mulheres é sua ambição. Querer ascender à elite do Leblon quando são no máximo, de classe média. E daí vem a novidade, o motivador deste post. Ou tava achando que era só prato requentado?

Capítulo de hoje: Soraia é a filha do caseiro. Bonitinha, novinha, gostosinha. Tá “afins” de descolar um trouxa pra pagar suas contas. Daí ela vai a um coquetel cheio de grã-finos, enche a cara de vodca, faz beicinho, trança as pernas, e sai falando bobagem. Nada demais, né? Vexamezinho básico. Mas o Manoel Carlos acha que ela merece uma surra. Ele até pinta o pai da moça como um ogro intolerante, pra tentar tirar a culpa das suas costas, mas não me convence, não. Personagem não tem vontade, "seu" autor. Eu sei que quem curte ver mulher apanhando é você.

Maneco, querido: galerinha da Uniban manda aquele abraço!

Update: A novela com merchandising contra violência doméstica era "Mulheres Apaixonadas" e não "Páginas da Vida". A Anna me corrigiu nos comentários (obrigada, Anna!), e eu acabei de corrigir no texto. Sabem como é: Leblon, Helena, José Mayer "pegando" geral, mulher apanhando. Mesmo quem é fã do gênero como eu se confunde. :)

segunda-feira, 5 de abril de 2010

A orgulhosa individualista que se casou

E aí que eu tenho essa enorme dificuldade de entender que o feminismo não é individualista e que brigar pela autonomia da mulher não significa, de maneira nenhuma, dizer que ela tem que “se bastar” em tudo. Que não pode aceitar ajuda e etc. A intransigentemente orgulhosa sou eu, não a agenda feminista. Isso tem de estar claro.

Daí que quando o marido me conheceu eu dividia uma apartamento com outras 3 meninas que eu conheci pela internet. Montamos uma república meio no susto, e a coisa até que funcionou muito bem por um tempo. Eu achava bacana, sabe? O meu lado ecológico sabe que é insustentável para o planeta todo mundo ter uma geladeira tanto quanto é insustentável todo mundo usar carro todo dia (eu vou trabalhar de trem). Um ano e tanto depois, relacionamento estável entre eu e mocinho, resolvemos dividir o teto.

E, puxa, o meu lado orgulhoso tem sofrido pra entender isso. Porque eu não tinha dinheiro para pagar o aluguel do apartamento na república sozinha, mas se alguém saísse, era só fazer uma seleção e colocar outra pessoa no lugar (sim, passamos por isso, e interessadas não faltavam). Mas aqui eu não dou conta do aluguel sozinha e às vezes me incomodo. Com o agravante de que o marido daria conta do aluguel sozinho, se fosse o caso. Ele nem ganha assim taaaanto mais do que eu. Mas é a diferença entre fechar a conta e não fechar.

E lógico que ele não me cobra isso, tão loucas? Nem faria sentido. E, racionalmente, eu sei que ele não me sustenta. Que a gente tá nessa juntos. Que se uma hora der errado, eu não pago o aluguel desse, mas pago o de outro, ué? Mas tem o demônio do orgulho. Semanas atrás, numa crise, cheguei a cogitar procurar um lugar mais barato só pra me sentir mais em paz, mas racionalmente falando, seria ridículo. Teríamos que mudar de bairro, de repente ir pra mais longe, ter menos conforto. Mais fácil eu deixar de ser cabeça dura e entender que, poxa, casamento também é isso.

Daí tem outra coisa engraçada. Por sugestão do marido (ele adora créditos, então estou dando), abrimos uma conta conjunta, que funciona assim: cada um deposita lá parte do salário, pra nossas despesas de casal, e mantém separado o seu dinheiro de “caixa 2”. Então a gente não fica fazendo contas: são os dois que pagam por tudo. Mas, puxa, até isso me incomoda. Primeiro que, centralista que sou, tenho a maior dificuldade de compartilhar organização com alguém. E maridinho é organizadíssimo pra tudo nessa vida, menos pra dinheiro. E eu sou o inverso. Na república, eu é quem pagava todas as contas, e depois cobrava das meninas. Mas aqui resolvi relaxar um pouco. Entro em casa hoje e encontro aviso de cobrança da Net. Valor em aberto. Ligo pro marido: “mas não tá no débito automático?”. Não tá, marido. Tá escrito lá: pagamento com boleto. E ele já esqueceu outra vez, e já recebemos outra cartinha (mas foi só uma, nas outras ele pagou na data). Pra piorar, a conta é conjunta, mas só mandam um cartão de senhas pra operações pela internet. E eu quero resolver logo isso, mas o cartão está com quem? Com o marido. E ele está onde? Na faculdade. Isso, respira, control freak. Vai surtar por tão pouco?

Agora, humilhação mór, é que na conta conjunta ele é o “titular 1”, e eu o “titular 2”. Felizmente não usam o termo “dependente”. Mas um dia precisei checar informações por telefone e me pediram o CPF e o RG dele. E eu argumentava que eu era titular também, caráleo. Não. Uns são mais titulares que outros. Ah, e o cartão de crédito é dele, o meu é “adicional”. E a primeira vez que fui lá transferir dinheiro pra nossa conta, acessei a função “para contas do mesmo CPF”. Não funciona. O CPF titular da conta é o dele.

Moral da história: eu sou cabeça duríssima. Apesar de racionalmente entender que eu não sou dependente de ninguém, que somos duas pessoas que colaboram uma com a outra para a felicidade mútua, o subconsciente orgulhoso ainda tem muitas dificuldades de assimilar. Mas, ó, falando sério: o sistema bancário também não colabora.