segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

O coletor menstrual – ou pequenos desastres



Até uns dois meses atrás eu nunca tinha sequer ouvido falar em coletor menstrual. Não tinha a menor ideia do que era. Você não tem? Então a parte objetiva da explicação será um oferecimento de Wikipedia.

Leu lá no link? Beleza. Eu descobri a existência dos coletores fuçando em links de blogs feministas (mas não vou lembrar onde exatamente pra dar o crédito, desculpem). Fiquei enlouquecida. Como assim eu não tinha ouvido falar daquilo? Como assim não precisar mais comprar absorvente? Como assim é seguro, a gente não sente que está lá, e é ecológico. Etc, etc. Fucei mais links, li bastante coisa, e resolvi experimentar.

Antes de contar minha experiência, um comentário importante: o fato de não ser descartável te causa nojo? Ok, você não está sozinha. Mas vamos explorar isso. Nosso corpo não é sujo. O sangue menstrual só tem aquele cheiro ruim depois de começar a se decompor, já no absorvente, por conta do contato com o ar. Ora, o coletor, pra funcionar corretamente, impede o sangue de ter contato com o ar, porque forma uma barreira. Ele deve ser sempre manipulado com as mãos limpas, lavado quando for esvaziado e fervido ao início e final de cada ciclo menstrual num recipiente exclusivo. Também é desnecessário dizer que é feito de um material inerte, ou seja, que não colabora para a proliferação de bactérias. Pessoalmente, não sei como isso pode ainda ser nojento, mas eu sei que a noção de repulsa varia muito de pessoa pra pessoa. Só convido quem passar por aqui a questionar certos preconceitos e não julgar quem pensa diferente, beleza? Você pode achar nojento pra você, mas eu não acho e continuo sendo uma pessoa bem limpinha.

Enfim, comprei o meu aqui. Carinho (R$70,00), mas chegou numa boa. O alto custo de aquisição deve ser encarado como um investimento inicial, pois dada a durabilidade do coletor, o que você economiza em absorventes compensa e muito (claro, isso se você não for nó cega como eu, mas eu explico depois). Tava super empolgada. Comecei a usar e pensava escrever sobre ele aqui assim que terminasse o meu ciclo menstrual. Como tinha lido bastante sobre, já sabia que existe um pequeno desconforto ao tirar até a gente se adaptar, que ele não deve ser colocado muito no fundo como a gente faz com absorvente interno, enfim, tinha algum contato com os macetes. E os primeiros dias não poderiam ter sido melhores. Nenhum problema pra colocar, nenhum vazamento, não o sentia dentro de mim e adeus cheiro desagradável de absorvente usado no lixo do banheiro. A felicidade existe.

Hoje era o teste de fogo. Isso porque eu tenho um ciclo meio esquisito. Parece que 70% do fluxo desce num intervalo de algumas horas no meio do ciclo, e antes de depois é bem pouco. Daí que o momento da enxurrada foi a manhã de hoje. O coletor tem capacidade para 40ml* e li por aí que, como o volume de fluxo por ciclo menstrual é de 80 ml dividido por todos os dias, é possível ficar com o coletor entre 8 e 12 horas sem trocar. Pois bem, eu me troquei às 7:30 da manhã e as 11:00 ele estava quase cheio. Joguei o sangue na privada e fui lavar o coletor com a ajuda da ducha higiênica que temos em um dos reservados do banheiro. O jato estava fortíssimo, o coletor escorregou da minha mão e sequer o vi na privada: com a força do jato foi pra fossa direto. Como eu estava toda empolgada com minha nova aquisição, sequer tinha absorventes na bolsa: tive que fazer aquele bolinho de papel higiênico e correr na farmácia mas próxima (caríssima) e comprar um pacote de emergência. Setenta reais fossa abaixo que eu praticamente não usufruí e a imensa frustração de estar usando moddess de novo. :\

Apesar da minha primeira experiência atrapalhada, recomendo muito. Tô muito puta com o dinheiro que foi pela privada, mas assim que passar o bode e o medo de fazer burrada de novo, vou voltar a comprá-lo (tô toda trabalhada no 13º, mas eu sou pãodura e a raiva de gastar com isso de novo vai me impedir de resolver isso hoje). O coletor é prático e mais confortável que o absorvente interno, e muitíssimo mais barato (uma caixa de tampax custa uns 10 reais, né?) a longo prazo. Se como eu você ficou curiosa, leia, pesquise, pergunte. Desconfie sempre do senso comum, até nas coisas pequenas. É muito interessante pra indústria que a gente ache que higiene = descarte. Fico pensando que os coletores poderiam ser muito mais baratos se a escala de produção fosse maior, e em quanto a indústria farmacêutica perderia com isso. Penso também no tabu que é pra muitas mulheres manipular a região genital, em quanto a gente perde não conhecendo o próprio corpo. Não tô afim de me aprofundar nisso agora, nem teria conhecimento suficiente pra dar conta, mas toda essa relação da associação do sangue menstrual à sujeira e o tabu em relação a penetração de qualquer coisa em nossas vaginas que não seja o pênis do sacrossanto marido me fazem pensar na questão do corpo feminino como objeto de disputas políticas. Toda a construção cultural sobre como a gente deve lidar com um processo natural como a menstruação é uma questão antropológica importante, ao meu ver.

(E este final inspiradinho foi só pra eu fingir pra mim mesmo que sou uma mulher inteligente, não uma anta que deixa 70 pilas iram com a descarga. Ô, raiva!)

*Update: no site que vende o Meluna eu vi que a capacidade do coletor médio, o que eu tinha, é só de 15ml (logo, eu não tenho uma semi-hemorragia, só um ciclo forte - que bom). Mas na internet vi comparações com outras marcas e parece que o Meluna é o menorzinho deles, que o grande do Meluna é do tamanho do pequeno de outras marcas. O meu próximo com certeza será maior, pra ter um pouco mais de tranquilidade.

**Update 2: Trocando informações sobre o assunto num fórum feminista, fiquei sabendo que dá pra comprar muito mais barato pelo eBay. Segue um link pra um modelo por 18 dólares: aqui.

(Obrigada, Vanessa! =D

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Sobre ferros de passar - entre outras coisas



Lembram de mim? Pois é, esse blog está abandonado não por falta de assunto, nem por conta do trabalho da pós – que aliás, eu escrevi só mais 2 páginas além do que tinha feito no semestre passado e entreguei. Bateu foi um cansaço enorme de um ano corrido e sem férias (licença de 10 dias pra fazer uma cirurgia e ficar de molho não é exatamente férias, né?), e o saco cheio de um trabalho que não chega ser ruim, mas também tá longe de ser animador. Ok, eu sobrevivo, e pra compensar, senta que o assunto é longo.

Segunda fui ao shopping, antes dele virar um inferno, comprar os presentes de Natal. Tenho duas sobrinhas (do marido, na verdade, mas já adotei, né?), com menos de 1 ano de diferença entre elas. São primas, bem diferentes tanto fisicamente quanto na personalidade, mas tem em comum a fofurice extrema – ok, corujice mode off. E eu acho uma dificuldade comprar presentes pra elas no shopping. A imensa maioria dos brinquedos é muito sexista. Nas lojas, tirando os brinquedos para bebezinhos, os outros são separados por gênero. E, puxa, vou chover no molhado aqui, mas como isso é carregado de ideologia. Aos 3 anos de idade essas crianças são doutrinadas pra ocupar seu lugar no mundo. E isso acontece não só com as meninas, claro. Com os meninos é a mesma coisa. Porque tantos carrinhos, gente? Quando crescerem, já vão ter internalizados que carro = pernas. Ou, em muitos casos, carro = pau. Mas voltando às meninas. A vendedora nos ofereceu um joguinho cujo nome deveria ser algo do tipo “beauty make-up”, algo pra ensiná-las a se maquiarem desde cedo. E também um conjunto de ferro + tábua de passar. Pausa aqui. Nada contra a ideia de brincar de panelinha, por exemplo. Comidas são lúdicas, claro, e emular tarefas de adulto não é necessariamente ruim. Mas duvideodó que alguém desse um jogo de ferro + tábua pra um menino, né?

Daí, sou obrigada a contar da minha experiência na França. A menina que eu cuidava lá era bem mimada, ganhava muitos brinquedos. Pilhas deles na verdade, e além disso acho que tinha mais livros aos 6 anos do que eu do que eu tenho aos 30. Mas uma coisa eu achava o máximo: ela era estimulada a brincar de tudo. Nada era proibido. Ela tinha algumas bonecas, tinha panelinhas, mas tinha também um castelo medieval Playmobil. E tinha um joguinho de ferramentas mecânicas de plástico para montar carrinhos. No Natal que eu passei lá, ela disse que queria, entre outros presentes, uma fantasia de princesa. E a mãe levou-a a loja pra escolher a fantasia mais bonita. Mas ela viu do rei Arthur, que vinha com espada e escudo, e gostou mais. Nada de “isso é de menino, não pode” nem de “mas vestido de princesa é machista e fútil!”. Liberdade pra descobrir o mundo, sabem como é? Lembrei dela na segunda-feira porque a mãe me contou uma história engraçada uma vez. A professora tinha achado curioso porque a Lola viu um ferro de passar num livro e não conhecia, apesar de ser uma menina tão viva e inteligente. A mãe explicou pra professora que era natural, porque a área de serviço era no porão, a Lola tinha medo de ir lá, então não tinha contato com o ato de passar roupas mesmo. Daí a professora retrucou: “ué, mas ela não tem um ferro de passar de brinquedo?”.

Bom, neste ponto eu mudo um pouco o assunto. Eu não sei passar roupa. Sou péssima, mesmo. Então compro roupas que não amassam, coloco pra secarem esticadinhas no cabide, e vamos vivendo. Marido não precisa trabalhar de camisa social, então apesar de termos uma tábua em casa, ela é pouco utilizada. Ah, sim, temos uma faxineira trabalhando pra gente a cada 15 dias. Não vou me aprofundar aqui na questão social do trabalhador doméstico, mas cabe dizer que apesar de ser muito crítica do modelo de desigualdade social brasileiro que permite às pessoas terem semi escravos, não me sinto culpada por ter alguém trabalhando aqui em casa. E um dos motivos, entre outras coisas, é porque não peço a ela pra fazer nada do que eu mesma não faria. Ela não é mão de obra desqualificada fazendo coisas que eu sou muito nobre para fazer. Então, se passar roupa não é importante a ponto de eu não fazer isso quando não posso pagar alguém pra fazê-lo, ela também não faz. Questão de coerência, pra mim.

Mas olhem só, eu penso assim porque minha agenda tem algumas prioridades. A gente vai amadurecendo e vai dando valor a algumas coisas, deixando outras de lado, e tentando conciliar tudo neste mundo pouco razoável. E na minha agenda pessoal, o feminismo e justiça social não podem se chocar, por exemplo. Se a condição pra que eu seja feminista é ter uma semi escrava em casa, não funciona. Então, essas duas coisas estão acima do meu relacionamento com meu marido, até. Se ele achasse 1) que eu sou obrigada a fazer tudo sozinha, porque eu sou mulher ou 2) serviço domésticos são trabalhos inferiores a serem desempenhados por pessoas inferiores, ele não seria meu marido. Bem, só depois disso tudo vem a qualidade das tarefas domésticas. Logo, quando por qualquer motivo estes valores não podem ser conciliados, a casa fica uma zona. Sem a menor culpa porque apesar de no dia 8 de março louvarmos A Mulher, este ser multitarefa que dá conta de tudo, eu sou uma só e vim ao mundo pra ser feliz.

Eu não sou a fodona desencanada. Esta tranquilidade não é inerente. Eu achava sim as casas na Europa muito porcas, até entender que lá custa caro pagar alguém pra limpar, porque não há essa cultura escravista daqui, então o padrão de exigência passa a ser outro. Ok, as pessoas podem viver numa casa com janelas empoeiradas, qual o drama afinal? Logo quando virei dona-de-casa, no sentido de alguém que não pode delegar a outrem a manutenção do espaço em que vive, estava falando com minha mãe ao telefone e reclamei de cansaço de trabalhar o dia inteiro e ainda ter coisas pra me preocupar quando chego em casa. Ela me disse que, se eu tava cansada, “não precisava limpar casa todo dia, né?”. E eu explique a ela que além da grande limpeza quinzenal, essa casa só vê um aspirador de pó eventualmente, quando um de nós se incomoda muito com a sujeira, que o cansaço era por estas coisas que não podem ser adiadas, tipo fazer supermercado e cozinhar. Achei a conversa engraçada na hora, mas ela é ilustrativa de como a dominação funciona. Meu marido não precisa me cobrar nada. A cultura , representada pela minha mãe, me cobra. Se a gente for receber uma visita em casa, serei eu a me preocupar o que vão pensar se encontrarem tudo uma zona, porque todas as propagandas de material de limpeza tem uma mulher como protagonista.

Enfim, desencanar desta imposição dá muito trabalho, mas é preciso. E fica muito mais difícil se dar conta de que não é obrigatório passar roupas sempre, se aos 3 anos de idade alguém te oferece um ferro e uma tábua como presentes. Desta vez compramos presentes iguais pras duas: uma maletinha de médico, com estetoscópio, seringa, termômetro e mais umas coisinhas. Marido se derreteu imaginando uma destas pequenas médicas. Queremos muito que elas cresçam num mundo de possibilidades, em que passar roupa seja uma tarefa chata, não um destino inevitável.

* a imagem que ilustra este post veio daqui, e o link eu recebi via twitter do Alex Castro (@alexcatrolll)