domingo, 28 de março de 2010

Admirável mundo novo e sua face sórdida

Eu sou uma pessoa que não pode fazer nada de errado nessa vida. Nada. Eu nem sou suuuuper popular, mas vivo reencontrando pessoas em contextos diferentes. Conhecendo gente que conhece gente que eu conheço e tal. Ok, eu sei, acontece com todo mundo. Mas comigo é demais, juro. E não é o mundo que é pequeno, né? É a renda que é muito mal distribuída e as pessoas de classe média e média-alta, universitárias, que trabalham ou trabalharam algum dia em multinacionais são poucas, no fim das contas (um dos motivos, aliás, pelos quais nem minha foto nem meu sobrenome aparecem aqui). São Paulo é a maior cidade do interior do Brasil.
Daí que eu tô fazendo uma pós de conteúdo nada corporativo (não é um MBA nem nada), mas ainda assim uma das minhas colegas trabalhou numa multinacional em que eu trabalhei, mas antes dela. Tipo, em fiquei de 2001 a 2003, ela entrou em 2003 e saiu em 2005, parece. E é toda uma história essa empresa. Ela tem uma cultura de arrogância tão forte, que eu sai de lá traumatizada. Achava que nunca mais na vida ia trabalhar em algo parecido. Porque as pessoas tinham certeza de que eram as melhores do mundo e todo o resto era merda. O percurso d@s executiv@s lá era o seguinte: entrava-se como estagiári@ trabalhando meio período e ganhando uma graninha que não era excelente, mas não era ruim, mais um pacote interessante de benefícios. Daí a pessoa desenvolvia um projeto nesses seis meses. E, se fosse aprovad@ era efetivad@ como supervisor e ganhando algo que hoje deve equivaler, no mínimo, uns 5 mil reais.
Nem tô aqui pra discutir a capacidade gerencial dessa galera. No geral tinham estudado nas melhores escolas, tinham muita capacidade mesmo e trabalhavam duro. Mas o fato é que tinha gente lá que, como nunca tinha comido merda (leia-se trabalhar feito burro de carga pra ganhar salário medíocre), tinha certeza absoluta de que era o máximo. Darwinismo social mesmo. Li “Admirável Mundo Novo” muito depois disso, mas é inevitável associá-los aos alphas. Gente como eu, que fazia um serviço mais secundário (eu era assistente de equipe, uma secretária de toda a galera), seria no máximo, sei lá, alpha menos ou beta mais.
Entre os bons benefícios que essa empresa oferecia, estava a possibilidade de uma licença maternidade extendida. A mulher poderia voltar ao trabalho por meio período, ganhando metade do salário, mas mantendo os outros benefícios integralmente, até o bebê completar 1 ano. Além disso, vi uma mulher ser promovida à diretoria durante sua licença maternidade. E diretora de logística, uma área considerada “masculina”. Então, várias colegas grávidas, porque nunca vi ninguém lá ser demitida por isso. Vários casais felizes entre os empregados, porque não rolava aquela baixaria de, descoberto que fulana e sicrano namoram, fulana é demitida. E aí você pensa que é o paraíso da igualdade de gênero, uma ilha de paz para as cidadãs alphas que passaram no processo de seleção. Parece, né?

Mas, conversando com a colega de pós, quis confirmar com ela os detalhes de uma história sórdida que aconteceu depois que eu saí de lá e fiquei sabendo por terceiros – foi parar na comunidade da empresa no Orkut. De virar o estômago.

Um grupinho de colegas alpha passava seu tempo entre trabalhar muito, ir à academia, e de lá pra balada. Recebiam promoção atrás de promoção porque eram talentosos mesmo, e se sentiam mais arrogantes e mais superiores à humanidade a cada dia. E parece que eles apostavam entre si quem ia “pegar” cada estagiária nova. Um desses caras, que saía com uma dessas estagiárias, um dia cheirou até não mais poder e deu uma surra na menina. Coisa muito feia mesmo, ela foi parar no hospital. O pai dela era um diretor de empresa bam-bam-bam também (por sinal, de um lugar onde meu marido trabalhou, olha o mundo pequeno de novo). Ele telefonou pro RH da nossa ex-empregadora, contou o que tinha acontecido, disse que estava abrindo um processo, e exigiu uma posição oficial.
Sabem o que aconteceu? O agressor recebeu, do dia para noite, uma promoção pra ocupar um cargo no exterior. Legal, né? Tiraram o cara do Brasil pra ele não responder processo. Não foram indiferentes: tomaram claramente o partido do agressor. Segundo minha colega, quando a vítima voltou (acho que ela não ficou trabalhando lá, mas tinha que aparecer nem que fosse pra acertar sua saída), colocaram ela sozinha numa sala e a intimidaram. Disseram que ela não tinha o direito de atrapalhar a carreira dele, senão a carreira dela é que acabaria. Sem testemunhas na sala. Ela foi pega de surpresa e não teve como tentar gravar. E esse detalhe eu soube ontem, porque minha atual colega era muito amiga dessa moça. E minha colaga terminou contando que, pouco tempo depois dessa história, pediu demissão, porque não teve estômago pra continuar. O agressor é um dos próximos na linha de sucessão pra diretoria. Antes do ocorrido, que eu me lembre, era um dos queridinhos da tal diretora que foi promovida durante a licença maternidade. Não me surpreenderia se soubesse que continou sendo, até porque, se ainda era ela a diretoria, não consiguiriam realocá-lo sem sua aprovação.
Ficou longo o post. Mas, puxa, eu tinha que contar. Eu já era feminista antes deste episódio, mas ele sem dúvida me indignou mais. Formou caráter mesmo, e relendo o que eu mesma escrevi, percebo que me revolta muito ainda. E tem gente que realmente acredita em ilha da fantasia, que mulheres “bem educadas”, que estudaram nas "melhores faculdades" e ricas, vivem nesse mundo a parte, conhecem igualdade gênero, não sofrem com o machismo e tal. Lógico, nem todo lugar é tão baixo. Mas a baixaria tá aí, disseminada. Entre os alphas, inclusive.

quarta-feira, 24 de março de 2010

A História da diferença. Sempre ela.

Marido mandou este link. Sobre a história de que homens e mulheres são diferentes, e tendo a possibilidade de escolher, mulheres, em geral, preferem ter mais tempo livre (principalmente se tiverem filhos) e homens preferem ter mais dinheiro. E puxa, é difícil comentar uma pesquisa que a gente não conhece, baseada só num recorte. Porque se a pesquisa em si já é um recorte da realidade, feito a partir de um ponto de vista xyz, a matéria sempre vai ser o recorte do recorte. Mas incomoda como as coisas podem ser interpretadas de um jeito tão enviesado, só pra reforçar certos preconceitos.

Eu acho que, no geral, todo mundo gostaria de trabalhar menos. Mas do que isso, todo mundo deveria trabalhar menos. No meu mundo ideal, as crianças ficariam mais tempo na escola, os pais menos tempo no trabalho, e a conta fechava. E, lógico, quem não tivesse filhos preencheria aí sua vida com outras coisas bacanas. Mas segundo a matéria, a pesquisa chegou a conclusão de que os homens não querem isso. Eles querem trabalhar muito mesmo pra ter mais grana. E as mulheres, mesmo que não tenham crianças, acham que há outras coisas importantes em suas vidas além do trabalho. Por isso os salários mais baixos, porque o trabalho não é importante para nós como é para eles.

Se você é homem aprendeu, desde pequenininho, que o cara bem sucedido é o que tem grana. Mesmo que sua família tenha te dado uma educação mais humanista, a sociedade vai repetir essa mensagem. (Quase) ninguém acha que sucesso é ter tempo para os filhos. Ou até acha, mas só se a a Mercedes estiver garantida na garagem. Tempo virou um luxo – e luxo é só pra quem pode. Então, qual o espanto se, ao ser peguntado se prefere trabalhar menos, o cara disser que honestamente e “do fundo do coração”, quer continuar ralando mais horas lá, pra ganhar mais grana? Pode ser que nem seja fruto de uma ambição desmedida. Ele muitas vezes acredita que ganhar mais grana é o melhor que ele pode fazer para sua família.

Pra mulher a coisa funciona de uma maneira diferente. Sim, bacana que você tenha um trabalho. Aliás, sensacional, você fica independente e pode comprar quantos sapatos quiser sem pedir dinheiro pro marido. Puxa, o máximo. Mas, ó, as crianças são tão mais felizes com a mãe por perto. Você quer ser uma mulher completa, não quer? Tipo, dar conta de tudo, né? Afinal, você é homenageada no dia 8 de março por isso, porque você dá conta. Então, continuar trabalhando, mas ter uma jornada menor (no escritório, que fique bem claro) e ter mais tempo para os filhos é realmente o ideal.

Ah, sobre o comentário lá do cara de Harvard. Pode ser sim que boa parte das mulheres não goste tanto de exatas. Mas entre gostar e não ser lá muito apto, vai uma enorme diferença. Olha só, eu também sou da turma das Humanas. Até hoje não entendo Física direito (embora meu raciocínio lógico matemático seja bem competente). E isso prova o quê? Só que aquilo não era essencial pra mim. Se fosse, eu dava conta, pode ter certeza. Como muita gente por aí dá conta das coisas mais improváveis. Então, o fato das mulheres terem se estabelecido primordialmente em profissões em que são bem aceitas, e mais, o fato de se sentirem à vontade assim, não significa em absoluto que é “natural” do ponto de vista biológico e não exista um condicionamento social. E a princípio tudo bem agir de acordo com o este condicionamento, contanto que: a) a gente não remunere mal uma categoria por ser formada essencialmente de mulheres e b) que a gente não olhe com desconfiança uma mulher que queira fazer algo completamente fora desse espectro. O problema nem é o condicionamento em si, mas a consequente discriminação, tanto pra quem o segue, quanto pra quem escolhe outro caminho.

E, bom, se fala lá que isso é estatístico, mas lógico, as experiências individuais podem ser diferentes. Sempre há pontos fora da curva e tal. Mas não vejo “naonde” isso pode ser biológico. A matéria fala de sentimentos. Que as pessoas realmente “se sentem assim”. Olha só, eu também tenho um ponto de vista crítico sobre o sexismo e isso não me impede de me sentir culpada nas situações mais improváveis, né? Eu não vivo nas leituras feministas. Eu vivo neste mundo machista e consumista, e é neste mundo que eu faço minhas escolhas, que tento equilibrar a realidade e as minha expectativas pra ser feliz. Eu e todo mundo que foi entrevistado pela pesquisa.

E lógico, a matéria (e talvez a pesquisa) não dá conta do óbvio: porque mulheres que têm a mesma profissão que os homens e se dedicam da mesma maneira, em geral, tem salários mais baixos? Marido contou outro dia que rolou uma equiparação salarial na empresa onde ele trabalha. Por conta de uma discussão que não deveria ser aberta, mas a rádio-peão tomou conta, galera ficou sabendo que a única colega engenheira numa área cheia de homens ganhava menos que os seus colegas com a mesma experiência. Ah, ela é solteira, e sem filhos. Não tô lá com eles, mas até onde eu sei, não trabalha menos que ninguém.

domingo, 14 de março de 2010

A nossa (falta) de noção de justiça

Taí uma coisa que me incomoda na sociedade brasileira até mais do que o machismo: essa igorância sobre a justiça, ou sobre o que deveria ser justiça, a que se propõe, etc. Sabe essa história de achar que Direitos Humanos são invenção de ONG's que tem pena de “bandido”? (a propósito, eu odeio a palavra “bandido”, acho “criminoso” um termo mais preciso, com menos julgamento moral, mas pode ser só impressão minha).

E eu tô pensando nisso agora por três motivos especificamente:

1) O destaque da mídia sobre o Arruda na cadeia. Pra mim, a condição do cara na cadeia, se tem mais ou menos mordomia, não deveria ser notícia. Qual é a preocupação de o Arruda tá numa masmorra ou se tem TV na cela? A não ser que a discussão seja, especificamente, sobre os privilégios que os poderosos tem na cadeia. Pra esse caso de corrupção só deveria interessar se o cara não está mais no poder, se a justiça está agindo, etc. Mas o cara tem que virar bode expiatório e sofrer, vira um vilão. E, putz, a que leva esse revanchismo? O esquema tem que ser investigado, o cargos cassados, etc. Mas o Arruda queimar no fogo do inferno não me interessa como cidadã. E se, legalmente, ele tiver direito a um habeas corpus, isso não significa necessariamente que no país reina a impunidade.

1b) Ok, eram três. Mas esse lance do habeas corpus merece um anexo. Porque ninguém entende que o cara responder o processo em liberdade é um direito constitucional. O problema é que a justiça é muito lenta, então, realmente, dá essa impressão de quem não está preso agora, não será preso nunca. Mas aí é um problema da lentidão da justiça, não do direito constitucional, poxa.

2) Daqui a alguns dias é o julgamento do casal Nardoni. E eu lembro que, quando o crime aconteceu, trabalhava num lugar onde as pessoas eram menos esclarecidas do que meus atuais colegas. E o papo era que advogado de “bandido” é tudo “bandido” também, porque imagina, defender quem faz uma barbaridade dessas. E daí eu tentei explicar que olha, julgamento justo é direito de todo mundo. Ok, tem que ter estômago, concordo. Mas não há julgamento justo sem direto à defesa. E garantir isso é o mínimo que se espera de um Estado que se pretende democrático. E, bom, as colegas de lá ficaram bem “mimimi” com meus argumentos, meio que engoliram a contragosto mesmo.

3) Marido leu uma matéria chamando o rapaz que provavelmente atirou no Glauco de “o assassino do cartunista”. Sim, deve ter sido o cara mesmo, né? Mas ele não foi julgado ainda. E nem foi pego em flagrante. Presunção de inocência é direito também. Em outra chamada “O Globo” fez certinho, chamou o cara de “o principal suspeito de”, o que faz mas sentido. Enquanto o cara sequer for ouvido, mesmo que haja testemunhas, a imprensa não deveria de maneira nenhuma, incriminá-lo assim. Não é responsável, e colabora para essse sentimento de “pega pra capar” que toma conta do cidadão médio nessas ocasiões.

Enfim, me incomoda essa percepção de que um grupo merece a civilização, e o outro barbárie. E não é possível isso. A Mary W fez um post (excelente, como sempre) sobre isso, falando sobre o Estatudo da Criança e do Adolescente, tão demonizado quando a imprensa noticia crimes cometidos por menores. Civilização é garantir o acesso à Justiça por todos os cidadãos, inclusive àqueles que se portaram de maneira pouco civilizada. Eu não tenho a menor piedade cristã por assassinos. Mas sou contra a pena de morte porque, na minha concepção de Estado, há que se admitir a falibilidade da Justiça. Simples assim. E tem gente que não entende que pena de morte não é linchamento nem execução sumária. Que em lugares que se pretendem minimamente civilizados, como os Estados Unidos, há um processo criminal, um julgamento, um advogado. E ainda assim, muitos erros, todos os dias. Se há problemas com a civilização, imaginem com a bárbarie?

É, eu sei. Eu não deveria perder meu tempo lendo os comentários das notícias do “O Globo”. Faz mal e a gente se obriga a escrever um post inteiro só pra desopilar...

UPDATE em 24 de março: Li que o advogado dos Nardoni foi agredido hoje na entrada do fórum. Puxa. Questão de civilidade respeitar o trabalho do cara. Ok, ele tá ganhando dinheiro pra defender assassinos, mas se não fosse ele ia ser outro. É direito deles. É parte do processo civilizatório. Fico passada que as pessoas não entendam.

terça-feira, 9 de março de 2010

E na ressaca do "nosso" dia...

Pois é, toda essa história do DEMóstenes Torres, DEMétrio Magnoli, os DEMos todos. Que você pode acompanhar no Azenha, (a Mary W colocou os links diretos para as reportagens). O cara fala que foram negros também os caras que venderam outros negros. E não tem nem o que discordar dessa parte. Mas aqui, no Brasil, foram os brancos que exploraram essa mão-de-obra. Sim, houve (poucos) casos de negros alforriados que tinham lá seus escravos. Mas é na estrutura que a gente tem que pensar, e estruturalmente falando eram brancos explorando negros aqui no Brasil. Qual a dúvida?

E essa gente que diz que ok, foi lamentável mesmo, mas que passou. Lembro da escola, a professora falando que depois da abolição vieram os imigrantes, pra suprir a necessidade de mão-de-obra. E eu juro que já pensava nessa época “mas, ué, os negros continuaram lá, só deixaram de ser escravos”. Sei lá porque não perguntei. Será que a professora ia mandar a real, que ninguém queria pagar salário pra negro? E a mocinha da classe média paulista que diz: “pô, meo, mas o meu avô veio no navio suuuuper pobre e batalhou muito pra comprar a casa dele lá Móoca”? Será que ela não entende que, por mais modesto que fosse, o Nonno ganhava o seu trocado? Era um operário explorado, claro, longe de mim dizer que o Nonno não passou perrengue na vida. Mas os negros nem como operários eram aceitos. E não dá pra se inserir na sociedade sem ocupação. Sei lá, não sou socióloga, mas acho que é inviável, né? Se você só pode comer pelas beiradas, a marginalização é inevitável. Pode ser superada, claro, mas só a muito custo.

Mas nem era disso que eu ia falar. Era do relacionamento entre negros e brancas “consentido, ainda que sob dominação”. E aí eu lembro a história da Trip, da Luisa, lembram? Do cara que escreveu a suposta ficção sobre o menino que “convence” a empregada a “dar pra ele”, e achou que ia ser engraçadinho. E de como a gente precisa ainda desenhar o que é estupro. Que não é só arma na cabeça. Que não precisa nem ameaçar: qualquer mulher que some dois mais dois sabe que se não der pro patrão, pode ser demitida. Imagina a escrava? Consentimento sob dominação é quase uma impossibilidade semântica pra mim.

E aí eu fico imaginando seu “Dem” batendo na porta do quarto da empregada. A moça abrindo, sorriso amarelo no rosto. E como ela sorri e corresponde ao beijo, ainda que sem muito entusiasmo, o patrão crê que é sexo consentido. E ele todo pimpão, se achando o macho alfa, termina a noite pensando assim: “essas mulatas são mesmo quentes”. E acha linda a história da miscigenação do povo brasileiro!

Os caras oferecem flores, mas sequer entederam o conceito de estupro. Preguiça, viu.

segunda-feira, 8 de março de 2010

Presentinho no Dia Internacional da Mulher? Eu passo.

Olha, se você quiser ler algo muito bom que reflete em parte minha opinião, é só clicar aqui.

Mas se você quiser saber só meu ponto de vista, não tão bem elaborado, é só continuar por aqui mesmo.

A Marjorie fala lá sobre a rosa e tal. Mas eu me incomodo muito com a história do presentinho, sabem? De promoção d'O Boticário e similares pelo Dia Internacional da Mulher.

Olha só, O Dia Internacional da Mulher é uma data quem tem 100 anos, segundo a gente pode ler aqui, numa explicação curtinha mas bem interessante. Foi um dia criado para lutarmos contra a opressão de gênero que sofremos contidianamente, umas mais, outras talvez menos. Desde que foi criado, conquistamos muitas coisas, claro. A gente vota (ainda que não tenhamos muitas representantes do nosso gênero sendo eleitas), tem direito a realização profissional (ainda que, em média nosso salário seja mais baixo do que o dos homens) e até pode ter uma vida sexual fora do casamento (mas ainda muito mais cerceadas pelos limites do julgamento moral alheio do que o dos homens). Olha quanto “mas”, né? Para as mulheres que de fato desfrutam dessas conquistas muito legítimas, e elas infelizmente ainda são minoria, as coisas são cheias de “mas”.

E o discurso que acompanha o presente é o pior. É o reconhecimento que a gente trabalha muito e faz alguém feliz, enfeita o mundo, é mãe e esposa. E aí, danou-se.

E se eu for feia, ou pelo menos não estiver interessada e empregar meus esforços em ser atraente?

E se eu não quiser ser mãe?

E se eu não quiser fazer nenhum homem feliz sexual e afetivamente porque sou homosexual?

E se eu preferir que o marido divida todos os afazeres domésticos ao invés de reconhecer o meu trabalho duro?

E se tudo o que eu quero na vida é não aceitar certas obrigações ou limitações como inerentes ao meu gênero? E se eu quero ser olhada por homens estranhos com o mesmo respeito que ele dedicam a outros homens, e não com uma simpatia cínica e supostamente carinhosa?

Porque é essa data se propõe a isso, originalmente: pensar em porque somos cidadãs de segunda classe, e não nos dar um pirulito, digo, um batom de consolação por aceitarmos essa opressão sem reclamar muito. Eu reclamo, então não mereço presente, ok? De presentes eu gosto, que fique claro. Mas prefiro recebê-los em outras circunstâncias, sem esse pseudo reconhecimento por um fardo que eu, decididamente, não escolhi carregar.

Pra ilustrar um pouco mais o cerne da questão, alguém aí já pensou em dar um presentinho pro seu amigo negro no dia 20 de novembro? Acho que não, né? Ah bom.

quinta-feira, 4 de março de 2010

La femme de trente ans

Pois é, chegou o dia. Trinta anos. E, ó, nem doeu, viu? (Post programado, mas se tiver doído eu volto aqui pra contar, prometo).

E a gente imagina, quando é adolescente, que com essa idade será adulto, a vida vai estar resolvida, etc, etc. E putz, a minha está em muita coisa, mas não está em outras e isso não chega a ser um problema. Mas daí, pra me divertir, eu resolvi fazer um balanço, que acaba servindo também como um about me:

Carreira

Não tenho uma carreira, é essa a verdade. E tudo bem. O fato é que ainda não descobri o que eu quero ser quando crescer, mas consegui ter uma ocupação razoável, com um salário honesto. Pra ajudar o ambiente em que trabalho é bom. Tipo, nada resolvido, mas paz, sabem? Saquei logo que pouca gente nessa vida se realiza profissionalmente. Isso significa que eu me conformei em não me realizar? Não, de jeito nenhum. Só me dei conta de que, enquanto eu não acho o caminho pra essa realização (e eu tô tentando) tenho que pagar as contas o melhor possível e ser feliz, porque ser feliz é a única coisa urgente nessa vida.

Auto-imagem

Pô, eu ainda quero emagrecer, embora a ansiedade e a cara-de-pau tenham colocado a reeducação alimentar pra escanteio. Mas tem duas coisas muito importantes a serem ditas. Primeiro: eu gosto da minha imagem. Tô há muitos quilômetros de distância de ser a Gisele Bündchen, sou meio fora dos padrões mesmo, e talvez uma quantidade considerável de gente me acharia feia. Mas eu curto o espelho. Segundo, eu tenho feito enormes esforços em descolar meu “eu” da minha imagem, tal qual a Ludmila faz tão bem e como eu já tinha explicado aqui antes mesmo de conhecê-la. Então, independente do número do manequim, eu me acho muito gostosa, sem falsa modéstia. Tenho essa fome de gente, de vida e de experiências que torna as pessoas interessantes. Enquanto eu mantiver isso, tô viva pro mundo. O resto é bobagem.

Amigos

Passei a adolescência e o começo da idade adulta me sentindo meio loser porque eu nunca fui popular. Nunca tive “a galera” que liga no sábado à noite. Sempre tive alguns poucos e excelentes amigos. Depois do ano na França, vi o número aumentar um tanto, mantendo a qualidade e a diversidade. Meus amigos são muito diferentes, minha relação com cada um deles é diferente, mas são todos queridíssimos, e boa parte há mais de uma década. Se eu quero novos amigos? Claro! Mas só se forem amizades construídas com calma, e nessa certeza de que eu não tenho que agradar a todo mundo, mas posso ter uma relação muito bacana mesmo com gente muito diferente de mim. Meus amigos são o maior tesouro construído nestes 30 anos.

Dinheiro

Não tenho carro (usamos um de leasing, sabem? tipo aluguel). Não tenho apartamento. Tenho uma poupancinha só pro caso de dar uma merda, que não seria o suficiente pra dar um entrada num imóvel. E tenho guardado um quase nada de dinheiro nos últimos tempos. Também não tenho nenhuma dívida, e isso é bom. Sou desapegada sem ser irresponsável: gasto porque tenho, se não tiver, mudo pra mais longe pra pagar um aluguel mais barato. Acho bacana poder ir a um show caro, ir a um restaurante legal e viajar nas férias. Dinheiro foi feito pra me fazer feliz. Mas tenho plena consciência de que isso não vai acontecer se eu viver só em função dele.

Vida afetiva

Não encontrei o príncipe encantado. Há pouco tempo atrás, quando achei que atingiria a maturidade numa vibe Sex and the City, porque há anos eu não tinha um relacionamento estável, encontrei um cara cheio de qualidades e cheio de defeitos, assim como eu. Logo percebi que ele era a melhor companhia do mundo. E o melhor companheiro do mundo pra mim. E um dia disse: “você ainda não sabe, porque é segredo, mas vai se casar comigo.” Tinha 3 meses que estávamos juntos e eu nem tinha dito “eu te amo” ainda. Não tinha definido dentro de mim meu sentimento por ele, mas sabia que era ele. Não foi amor à primeira vista como nos filmes, mas uma construção, tijolo por tijolo. Obras em andamento ainda, claro, e sempre. E eu não quero nunca banalizar isso, nem deixar a lei do mínimo esforço tomar conta. Vai ser lindo enquanto os dois quiserem que seja. Por enquanto os dois querem, muito.

Experiências diversas

Aos 30 anos, eu achei que daria pra ter aprendido alemão também, ou pelo menos italiano, que não é tão difícil. Mas me comunico razoavelmente bem em inglês, espanhol e francês, além do português. Sou semianalfabeta nas 4, como boa corintiana, mas tá valendo. Pra quem ainda é monolíngue, recomendo: falar um idioma estrangeiro é uma das coisas que mais abrem horizontes nessa vida, em todos os campos. Li muitíssimo menos do que gostaria e deveria. Dei pelo menos uma passadinha rápida em mais de metade dos estados brasileiros e em sete países. Ainda quero viajar muito, mas se não rolar muita chance mais, essa frustração já não vou ter. Gostaria de ter tido mais relacionamentos de média duração, mas já “experimentei” um bocadinho. E já beijei uma mocinha na boca (lembram da Kate Perry? “I kissed a girl and I like it”).

Sobre o futuro

Talvez a realização profissional? Talvez mais uma(s) língua(s) (alemão e árabe – quero alguma coisa bem difícil agora). Talvez, em alguns anos, um lugar para chamar de nosso? Talvez mais viagens? Talvez filhos? Talvez nada disso?

É bom não saber o que vai acontecer com a gente (né, Mari?). Que venham os próximos 30.

terça-feira, 2 de março de 2010

Inferno astral é assim

Imagina que no domingo, você deixa na rodoviária alguém amado que está num momento muito difícil da vida. Imagina o vazio e a sensação de impotência de não poder ajudar essa pessoa como gostaria.

Imagina que, depois disso, você tem sua maior crise de ansiedade dos últimos anos e chora sem parar por mais de meia hora, achando que não vai dar conta do resto da semana. E sente medo do marido se assustar e resolver pular fora porque ele nunca te viu desse jeito.

Imagina que na segunda-feira você tem avaliação de desempenho no trabalho, e precisa dar conta de expressar toda a sua insatisfação. Imagina que sua chefe concorda com o seu ponto de vista, que acha que você merece muito, mas que, dado o momento da empresa, ela não pode prometer nada. E o pior é que você sabe que ela não está enrolando e que corre o risco de não ver nada mudar nos próximos meses.

Chato, né?

Agora imagina que no Natal o marido fez uma listinha de coisas que ele poderia gostar de ganhar, das mais varidas faixas de preço, pra você ter opção. E você olha lá ingressos pra um show bacana. E como ele te deu um show bacana de presente, você quer retribuir porque apesar de shows bacanas custarem os “zóidacara” pra quem não é estudante (e pra quem é também, ainda que seja metade do “zóidacara” do preço da inteira), o 13º taí, não há crianças a serem sustentadas e bom, o marido merece.

Agora imagina você esperar meses pelo show, torcer pra não chover, São Pedro colaborar, você se empolgar pensando que vai ser muito legal, saber que galera pretende cantar parabéns pro vocalista que faz aniversário só 2 dias antes de você e, quando o show começa, você descobrir que contrataram o pior engenheiro de som do universo.

Pausa aqui. O vizinho do apartamento enfrente ao nosso é surdo e ouve a novela no talo. Dá pra ouvir da nossa sala.

Ouço a novela do vizinho com maior qualidade de som do que ouvi o show que paguei “zóidacara” e foi presente de Natal pro marido. Saímos na metade, quando nos demos conta de que nem no bis os som ia ser arrumado, depois de passar muita raiva com as tentativas de equalização.

Outra pausa. Acabo de receber um sms de uma amiga que estava lá, mas na pista vip (daí é “zóidacara” meeeesmo, “dicumforça”). Segundo ela, lá se ouvia perfeitamente.

Ó, se isso não é inferno astral, eu não sei o que é. Sério, tô boa não.



(Chris Martin, pisciano querido, juro que as vaias não eram pra você, tá?)