domingo, 28 de março de 2010

Admirável mundo novo e sua face sórdida

Eu sou uma pessoa que não pode fazer nada de errado nessa vida. Nada. Eu nem sou suuuuper popular, mas vivo reencontrando pessoas em contextos diferentes. Conhecendo gente que conhece gente que eu conheço e tal. Ok, eu sei, acontece com todo mundo. Mas comigo é demais, juro. E não é o mundo que é pequeno, né? É a renda que é muito mal distribuída e as pessoas de classe média e média-alta, universitárias, que trabalham ou trabalharam algum dia em multinacionais são poucas, no fim das contas (um dos motivos, aliás, pelos quais nem minha foto nem meu sobrenome aparecem aqui). São Paulo é a maior cidade do interior do Brasil.
Daí que eu tô fazendo uma pós de conteúdo nada corporativo (não é um MBA nem nada), mas ainda assim uma das minhas colegas trabalhou numa multinacional em que eu trabalhei, mas antes dela. Tipo, em fiquei de 2001 a 2003, ela entrou em 2003 e saiu em 2005, parece. E é toda uma história essa empresa. Ela tem uma cultura de arrogância tão forte, que eu sai de lá traumatizada. Achava que nunca mais na vida ia trabalhar em algo parecido. Porque as pessoas tinham certeza de que eram as melhores do mundo e todo o resto era merda. O percurso d@s executiv@s lá era o seguinte: entrava-se como estagiári@ trabalhando meio período e ganhando uma graninha que não era excelente, mas não era ruim, mais um pacote interessante de benefícios. Daí a pessoa desenvolvia um projeto nesses seis meses. E, se fosse aprovad@ era efetivad@ como supervisor e ganhando algo que hoje deve equivaler, no mínimo, uns 5 mil reais.
Nem tô aqui pra discutir a capacidade gerencial dessa galera. No geral tinham estudado nas melhores escolas, tinham muita capacidade mesmo e trabalhavam duro. Mas o fato é que tinha gente lá que, como nunca tinha comido merda (leia-se trabalhar feito burro de carga pra ganhar salário medíocre), tinha certeza absoluta de que era o máximo. Darwinismo social mesmo. Li “Admirável Mundo Novo” muito depois disso, mas é inevitável associá-los aos alphas. Gente como eu, que fazia um serviço mais secundário (eu era assistente de equipe, uma secretária de toda a galera), seria no máximo, sei lá, alpha menos ou beta mais.
Entre os bons benefícios que essa empresa oferecia, estava a possibilidade de uma licença maternidade extendida. A mulher poderia voltar ao trabalho por meio período, ganhando metade do salário, mas mantendo os outros benefícios integralmente, até o bebê completar 1 ano. Além disso, vi uma mulher ser promovida à diretoria durante sua licença maternidade. E diretora de logística, uma área considerada “masculina”. Então, várias colegas grávidas, porque nunca vi ninguém lá ser demitida por isso. Vários casais felizes entre os empregados, porque não rolava aquela baixaria de, descoberto que fulana e sicrano namoram, fulana é demitida. E aí você pensa que é o paraíso da igualdade de gênero, uma ilha de paz para as cidadãs alphas que passaram no processo de seleção. Parece, né?

Mas, conversando com a colega de pós, quis confirmar com ela os detalhes de uma história sórdida que aconteceu depois que eu saí de lá e fiquei sabendo por terceiros – foi parar na comunidade da empresa no Orkut. De virar o estômago.

Um grupinho de colegas alpha passava seu tempo entre trabalhar muito, ir à academia, e de lá pra balada. Recebiam promoção atrás de promoção porque eram talentosos mesmo, e se sentiam mais arrogantes e mais superiores à humanidade a cada dia. E parece que eles apostavam entre si quem ia “pegar” cada estagiária nova. Um desses caras, que saía com uma dessas estagiárias, um dia cheirou até não mais poder e deu uma surra na menina. Coisa muito feia mesmo, ela foi parar no hospital. O pai dela era um diretor de empresa bam-bam-bam também (por sinal, de um lugar onde meu marido trabalhou, olha o mundo pequeno de novo). Ele telefonou pro RH da nossa ex-empregadora, contou o que tinha acontecido, disse que estava abrindo um processo, e exigiu uma posição oficial.
Sabem o que aconteceu? O agressor recebeu, do dia para noite, uma promoção pra ocupar um cargo no exterior. Legal, né? Tiraram o cara do Brasil pra ele não responder processo. Não foram indiferentes: tomaram claramente o partido do agressor. Segundo minha colega, quando a vítima voltou (acho que ela não ficou trabalhando lá, mas tinha que aparecer nem que fosse pra acertar sua saída), colocaram ela sozinha numa sala e a intimidaram. Disseram que ela não tinha o direito de atrapalhar a carreira dele, senão a carreira dela é que acabaria. Sem testemunhas na sala. Ela foi pega de surpresa e não teve como tentar gravar. E esse detalhe eu soube ontem, porque minha atual colega era muito amiga dessa moça. E minha colaga terminou contando que, pouco tempo depois dessa história, pediu demissão, porque não teve estômago pra continuar. O agressor é um dos próximos na linha de sucessão pra diretoria. Antes do ocorrido, que eu me lembre, era um dos queridinhos da tal diretora que foi promovida durante a licença maternidade. Não me surpreenderia se soubesse que continou sendo, até porque, se ainda era ela a diretoria, não consiguiriam realocá-lo sem sua aprovação.
Ficou longo o post. Mas, puxa, eu tinha que contar. Eu já era feminista antes deste episódio, mas ele sem dúvida me indignou mais. Formou caráter mesmo, e relendo o que eu mesma escrevi, percebo que me revolta muito ainda. E tem gente que realmente acredita em ilha da fantasia, que mulheres “bem educadas”, que estudaram nas "melhores faculdades" e ricas, vivem nesse mundo a parte, conhecem igualdade gênero, não sofrem com o machismo e tal. Lógico, nem todo lugar é tão baixo. Mas a baixaria tá aí, disseminada. Entre os alphas, inclusive.

4 comentários:

  1. pera, que historia sebosa eh essa?! tipo, nao dah nem pra acreditar que coisas dessas possam existir. sao aquelas historias que dariam filme, mas se nao se dissesse que foi baseada em fatos reais, ninguem acreditaria de tao absurda, mas infelizmente, eh verdade!

    o cara cheira, espanca uma mulher, eh promovido, vai pro exterior e isso tudo concedido por uma mulher?

    massa.

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  2. Pois é meninas. A realidade, quando é resolve ser feia, capricha. E eu mesma acho tudo isso surrealmente cruel.

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