segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Sobre liberdade, livre arbítrio, escolhas...

Ainda sobre o Haiti. Apesar de ter ficado irritada com o Azenha por conta disso, ainda gosto muito do “Vi o mundo”. A cobertura que vem fazendo sobre a tragédia é a mais completa e humana que tenho visto por aí. Além de problematizar a miséria do país, questiona a cobertura da mídia tradicional. Porque não faz sentido, por exemplo, falar de saqueadores num país em que todos estão passando fome. Fazer isso é ter mais apreço pela ordem do que pelos dramas humanos, atitude coerente com a criminalização dos movimentos sociais que se faz cotidianamente por aqui, e insensível até dizer chega.

Daí que a gente sabe que os Estados Unidos tem a sua parcela de responsabilidade pela miséria haitiana, e ela é enorme. Mas agora eles estão lá pra fazer ajuda humanitária. E só quem gosta mais de ideologia do que de gente vai achar que eles não deveriam estar lá. Os haitianos precisam de toda a ajuda possível, não estão em condições de escolher. E isso é devastador, porque no final das contas, essa ajuda vai ter um preço, e o preço é a sua autonomia entregue. Mas, existe liberdade na fome? Essa é a grande questão, a gente não pode perder isso de vista nunca. Sem essa ajuda, não há como sair do lugar, não há esperança possível, e só se poderá falar no futuro quando o presente estiver minimamente organizado: mortos enterrados, sobreviventes tratados, os habitantes minimamente alimentados.

Por isso me incomoda muita essa defesa inconteste do capitalismo feita por algumas pessoas. É lógico que a liberdade do capitalismo é bacana. Mas é bacana pra quem tá incluído. Não se pode falar de escolha quando o que se apresenta como possibilidade é cortar cana ou morrer de fome. Ou, falando em feminismo, se as opções são aguentar surras de um marido violento ou não ter como sustentar os filhos. Tive uma conversa com uma amiga minha uma vez sobre aquele lance do que é melhor, dar o peixe ou ensinar a pescar. Quem tem fome tem pressa, e não dá pra pegar o barquinho e se lançar ao mar de estômago vazio. É preciso dar o peixe e ensinar a pescar, não há outra possibilidade.

Lembrando do meu último post, eu já fui uma pessoa crente. Mas me incomodava o discurso de que tinhamos sido criados para louvar a Deus, com livre arbítrio para escolher fazê-lo. Só que a punição para quem exercicia o seu direito de escolha e não louvava o todo poderoso era o inferno. Oi? Cadê a liberdade aí? Quer dizer, eu sou livre, contanto que siga a cartilha direitinho, senão, sofrimento por toda a eternidade. Então Deus me criou pra ser escrava da sua vaidade? Mesmo quem é religioso há de concordar que esse papinho tem a perna quebrada...

Mas, voltando, o Haiti não pode, nesse momento, dar uma banana para os colonizadores externos como fez com os franceses há mais de duzentos anos. Torço porém para que consigam fazer isso quando se reorganizarem. Desta vez, com mais sucesso.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

O Haiti - ou porque sou cética

Um dos livros que eu mais gostei de ler na faculdade foi "El Reino de Este Mundo", de Alejo Carpentier, que fala do processo de independência do Haiti. Ao contrário da maior parte dos países latino americanos, cuja independência foi um processo conduzido pela elite, ou, no caso do Brasil, o corte de cordão umbilical de pai pra filho (nossa história não é ridícula às vezes?), os haitianos conheceram uma revolução popular, liderado por escravos.

O Haiti é um país miserável, o mais pobre das Américas. Quando alguém te falar que o socialismo é uma droga, "é só olhar Cuba", a resposta perfeita é dar o Haiti como exemplo de como o capitalismo pode ser cruel também. Ou até pior, já que, ao que parece, em Cuba há escassez de recursos mas não há fome (ó, não tô defendendo Cuba nem o Fidel, mas é diferente ser pobre e não ter o que comer - e tem gente que não se atenta a isso). No Haiti o que impera e a fome e a desesperança. Daí vem um terremoto e arrasa com tudo que já é super precário, termina de jogar na miséria a meia dúzia que estava acima da linha de pobreza.

Desculpem o post baixo astral, mas nessas horas fica claro pra mim que não existe Deus, pelo menos não essse ser supremo que decide pela vida das pessoas. Porque seria uma sacanagem sem tamanho determinar que um sujeito vai nascer na Dinamarca e o outro no Haiti. E não quero ouvir que Deus tem lá seus propósitos. Tem que ser muito insensível pra achar alguma explicação plausível que justifique condenar alguém a vir ao mundo para uma vida de tragédias e miséria.

Mas, se sou descrente em Deus, acredito muito em todos os sentimentos humanos e na sua força de transformação, para o bem e para o mal. Por isso vou deixar o link para o post do Alex Castro em que ele agradece as pessoas que o ajudaram depois da passagem do Katrina, que me comoveu muito: http://www.interney.net/blogs/lll/2009/11/25/dia_de_acao_de_gracas/

Triste é saber que os cidadãos haitianos tem muito menos recursos para ajudarem uns aos outros numa situação de tragédia do que os americanos ou mesmo os brasileiros.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Subjetividades

Não tem nada de errado acontecendo na minha vida, porém ando numa irritação sem precedentes. Melhor dizendo, estou completamente instável emocionalmente – porque de vez em quando me empolgo demais também. Tipo bipolar mesmo, ou um “Poltergeist” se apoderando do meu corpo. No final de semana fui procurar o meu cd do Cranberries e não achei. Tenho poucos cds, sei lá, só uns 30, acho. E além desse do Cranberries, já perdi o da Elza Soares, o acústico do Ira, um da Marisa Monte. Notem, não é o do colega de trabalho que tinha uma banda, nem aquele "ao vivo" do Djavan que já deu no saco, nem o meio esotérico que eu ganhei de brinde quando fiz massagem. Esses aí tão guardadinhos. Não é nada engraçado, porque eu nunca encontrei um cd perdido por aí, então não sei onde eles vão parar. Provavelmente na quarta dimensão, junto com as sobrinhas e os pés de meia solitários. Tô putíssima da vida com isso até agora.

Mas, enfim. Fiquei desproporcionalmente irritada (tenho gostado muito do verbo “to overreact”, acho perfeito). Ontem eu tinha uma consulta, queria ir de ônibus pra andar menos, o maldito não passava. Desisti, fui pra estação pegar o trem, ele também atrasou, e quando veio, tava super lotado. E eu lá, bufando como doida, e resmungando “que inferno! que inferno!”. E o sapato machucando no pé. Hoje tive outra consulta na hora do almoço. Engoli alguma coisa e chegando lá, a recepcionista me avisou que o médico estava atrasado “mas só tem uma pessoa na sua frente”. Como é uma clínica grande, a gente não sabe se as pessoas na sala de espera estão lá pra ver o mesmo cara. Depois de assitir ao médico chamar a terceira paciente (oi? é, eu não era a próxima...), após 45 minutos de espera, fui reclamar com a recepcionista, que se comprometeu a “dar o recado”. Não agüentei nem mais 5 minutos. Voltei pro trabalho semi-histérica, se eu entrasse na consulta daquele jeito não ia prestar mesmo. No caminho, ao passar por um corredor no centro comercial onde trabalho, um infeliz, vendo a minha cara de brava, resolveu sacanear e se plantar no meu caminho pra fazer uma gracinha. Não consigo mais lembrar com precisão, acho que mandei ele se fuder, aos gritos e tremendo. Tive que tomar um fitoterápito pra me acalmar e conseguir trabalhar (pouco) o resto da tarde.

E, puxa, motivo nenhum, eu sei. Boas perspectivas para o ano. Mas viajando total, me peguei pensando no quanto pode ser violenta o julgamento das pessoas sobre a nossa subjetividade. Uma amiga minha, que tem o blog mais fofo e cor-de-rosa da lista ali da lista ao lado, disse que um troll maníaco tem mandado ela procurar o que fazer, só porque ela fala de decoração e não, sei lá, da fome no mundo. Alguém pode achar que, por gostar de maquiagem e cozinha, sou uma ingênua cooptada pelo patriarcado, que não se dá conta de que cozinhar pro marido e ficar cheirosa são desempenhar um papel de objeto do prazer alheio sem nenhum senso crítico: “e ainda se diz feminista, pobrezinha!”

Eu perfiro acreditar que não há objetividade alheia que dê conta da gente, sabe? E não tem nada mais irritante do que imaginar alguém lendo isso e pensando: “olha a mimada, queria ver se tivesse perdido a casa/a família/a vida com a chuva”. Todo o respeito e solidariedade às tragédias alheias, e nem de longe imagino os meus problemas minimamente comparáveis. Mas os meus calos, por menores que sejam, doem. E atire a primeira pedra quem nunca teve uma “overreaction”.