sexta-feira, 24 de agosto de 2012

A Feira da Praça Kantuta


Domingo passado eu e Daniel almoçamos na Feira da Praça Kantuta. A feira acontece todos os domingos no Pari, exatamente enfrente ao lugar onde cursei o Ensino Médio, que hoje se chama Instituto Federal de Educação Tecnológica – mas que eu chamo carinhosamente só de “a Federal” (porque na minha época era “a escola”, não “o instituto”).

Mas na minha época não havia feira e a praça sequer tinha esse nome. E não tenho a menor ideia de como a praça se chamava. A Praça passou a chamar-se Kantuta há uns 10 anos, quando começou a feira, uns 4 ou 5 anos depois de eu deixar a escola. Katuta é a flor que empresta suas cores para a bandeira da Bolívia. Na Praça funciona um centro de apoio aos imigrantes bolivianos, que passaram a montar barracas de comidas típicas (pra serem consumidas lá ou ingredientes para prepará-las) e a coisa foi crescendo. Eu já sabia da existência dessa feira há algum tempo, pensava em conhecê-la, mas foi uma matéria no caderno de comida do Estadão (estamos recebendo o jornal de a graça em casa por um mês, aquelas promoções pra te convencerem a assinar) que me levou a finalmente visitá-la.

Quando chegamos, aquela coisa linda. Uma praça que provavelmente estaria triste e meio abandonada sendo tomada pelas pessoas, sendo vivida. Crianças correndo entre as barracas enquanto os seus pais trabalham ou se divertem. Comoveu-me especialmente por ser tomada por uma população marginalizada, como são os imigrantes bolivianos.

É claro que como futura imigrante latino-americana em terras estrangeiras sou suspeitíssima pra falar. Mas eu nunca entendi mesmo a xenofobia. Se as pessoas vêm pra cá se sujeitar a condições de trabalho terríveis é porque a economia, como funciona hoje, absorve isso. Eu me lembro dos meus pais contando como tem gente que se escandaliza com a sugestão de que funcionários da saúde pública aprendam um pouco de espanhol pra atenderem esta população. Acham um absurdo que o dinheiro público seja investido para atender imigrantes muitas vezes ilegais. Como se eles não pagasse ICMS cada vez que compra uma lata de óleo ou pegam o metrô pra ir lá se divertir na praça aos domingos. Gente que acredita piamente que o estado de bem estar social da Escandinávia é só mérito deles, não tem absolutamente nada a ver com a pobreza, sei lá, das Filipinas. Como se o mundo não fosse uma coisa só e as pessoas não tivessem o direito de tentarem se defender com alguma dignidade seja onde for.

Sou muito tímida (acreditem) pra puxar assunto com quem eu não conheço. Queria saber se as moças da barraca de comida onde comemos o majadito (uma carne desfiada com molho no arroz, servida com banana assada, ovo frito e mandioca – gostoso, mas nada demais) trabalham em fábricas de segunda a sábado, como acredito. Acho que há muita gente ali nessa situação, trabalhando de segunda a segunda, tentando conseguir no domingo algum dinheiro pra guardar ou enviar pra família, o que seria difícil demais só com o salário. Mas elas estavam muito ocupadas e eu fiquei com medo de ser invasiva.


Voltando a feira em si, fica lá uma espécie de animador com o microfone dizendo coisas em um espanhol quase incompreensível de tempos em tempos. Há barracas com milhos dos mais variados formatos. Batatas brancas e rajadas, pacotes de erva mate e cerveja Paceña, pão de milho. Nossa entrada foi uma salteña deliciosa em uma das barracas mais “ricas”: Don Carlos tem uma barraca enorme e aparece gente pra comprar caixar enormes de salteñas e levar pra casa. Pelo capricho das embalagens pra viagem, imagino que ele seja o primo próspero do lugar. Compreensível, dada a qualidade da salteña.


Uma coisa nos chamou demais a atenção: três ou quatro tendas de “peluquería”, ou seja, cabelereiros. Pela extravagância dos penteados das fotos do lado de fora, imagino que a necessidade do serviço apareceu não só pelos preços praticados aqui, mas pela dificuldade de comunicação enquanto as expectativas de resultados (eu já cortei cabelo fora do país, dá um pouco de medo mesmo).

Por fim, outra curiosidade: tendas com publicidade da Western Union. Até ir pra França eu sequer sabia o que era Western Union, porque seu principal negócio é a comissão sobre as remessas de imigrantes para seu país de origem. E o Brasil do crescimento econômico passou a receber muitos imigrantes. Vemos todos os dias notícias de estrangeiros vindo tentar a sorte aqui. Entre eles europeus super qualificados. Mas jovens brancos de classe média alta são sempre bem recebidos, né? Já os bolivianos pobres cujos traços não escondem sua etnia são vistos com desdém (racistas? nós?). 

Eu acho mesmo um alívio que eles tenham encontrado um espaço nessa cidade tão hostil, que a Praça Kantuta possa acolhê-lhos, em uma cidade que não acolhe os pobres, mesmo os nascido aqui. Transformaram a Praça Kantuta em um espaço tão rico e oferecem diversidade cultural a uma cidade tão intolerante. Plantam kantuta colorida no concreto (clichês cafonas, trabalhamos). Como não ser grata?

sábado, 4 de agosto de 2012

Efeito Borboleta ou “como você se imagina daqui a 5 anos?”


Ontem, comendo uma pizza e tomando vinho com o Daniel, tive um insight do quanto me parecia surreal a conversa que estávamos tendo. O cenário era absolutamente banal, mas o conteúdo trazia a ansiedade das mudanças que nossa vida vai sofrer mudanças. Muitas mudanças. (disclaimer: quando uma mulher como eu - cissexual, hetero, casada há um tempo e balzaquiana - diz que tem mudanças GERAL pensa que é gravidez, mas não é).

Enfim. Disse pra ele que a vida era um conjunto de dias, e fiquei tentando lembrar de todas as varíaveis envolvidas no que estamos vivendo, dia após dia. Pensei naqueles filmes que começam com os personagens em alguma situação, e voltam na história pra explicar como chegaram até ali. E acabo de lembrar que um dos meus romances preferidos na vida, o “Cem anos de solidão”, começa exatamente assim, com o pelotão de fuzilamento do Aureliano Buendía, e depois volta pra toda a história da família.

Daí pensei que, se minha vida fosse contada assim, queria começar pela crise de choro convulsivo que tive na sala de embarque no aeroporto do Galeão, no Rio, perto das 14h00 da última segunda-feira, dia 30 de julho. Nenhuma tragédia acontecendo, apenas o resultado da comoção após a leitura de um e-mail enviado por uma pessoa especial na minha vida (vejam bem, não fosse a popularização dos smartphones nos últimos anos, nem ler e-mail no aeroporto eu estaria lendo). E aí me peguei pensando em como eu estava 5 anos antes da última segunda-feira. Em como seria interessante se 5 nos atrás eu pudesse me ver naquela situação, como uma bola de cristal mesmo, sabem?

30 de julho de 2007. Pensei em tentar recuperar meus e-mail no gmail mas, oi, preguiça. Mas eu estava desempregada. Tinha voltado da França há menos de um ano. Depois de voltar, trabalhei como assistente do diretor financeiro de uma montadora francesa, emprego que eu só consegui porque falava francês fluentemente. Era um contrato temporário de 6 meses, porque estavam de mudança pro Rio. Como meu chefe adorava meu trabalho, queria que eu me mudasse pro Rio com o resto da equipe. E eu queria também, porque já não aguentava viver na casa dos meus pais. Não por eles, mas aos 27 anos, esse papel de filha, de viver numa casa que não é a minha, já tinha me cansado. Mas veio a frustração: o RH me ofereceu um salário ridículo pra me contratar (como temporária, eu era terceirizada até então), o diretor disse que não podia interferir nas políticas do RH, e eu não fui.

Isso foi em junho. Eu só encontraria outro emprego em novembro. Neste meio tempo, meu incômodo aumentou de uma maneira que tornou impossível minha convivência na casa dos meus pais. Saí de lá poucas semanas antes de conseguir outro emprego, disposta a viver das minhas economias em uma pensão enquanto o emprego bacana não aparecesse. Mas o acaso premiou minha ousadia e colocou no meu caminho um emprego que eu detestava, mas pagou as minhas contas até eu conseguir coisa melhor. E eu pude mudar pra um lugar muito bacana, mas absolutamente “pelado”: dormi a primeira noite em um saco de dormir, fiquei mais de 1 mês sem geladeira (acesso à internet? HAHAHAHAHAHA).

Pouco tempo depois conheci o Daniel em uma festa de uma ex-colega daquela montadora. E bom, conhecer o Daniel muda toda minha história. Marca todas as decisões. Concluo então que trabalhar na montadora por 6 meses me serviu para 1) criar a série de eventos que me levariam a conhecê-lo, 2) aumentar a minha frustração a ponto de finalmente virar a mesa e ir cuidar da minha vida.  Mas eu não teria ido trabalhar nessa montadora se não tivesse ido viver na França. E talvez (porque aí é só suposição mesmo) não tivesse ido viver na França se meu melhor amigo, que eu conheci no colégio técnico, não tivesse ido fazer a mesma coisa uns anos antes e me incentivado tanto ao voltar. E eu não teria saído da escola particular pra estudar na escola técnica federal se meu pai não tivesse ficado desempregado em 1994.

Enfim. Dei uma viajada agora. Mas tem mais coisa. Tem esse blog, criado em outubro de 2009 sem maiores pretensões e que mudou minha vida, porque trouxe gente incrível demais. Não haveria a crise de choro convulsivo no aeroporto se não houvesse o blog, porque a pessoa que me comoveu chegou até mim por conta dele. E, desculpem as outras todas, mas só por ela esses cento e tantos posts (nem é tanta coisa assim) já teriam valido a pena. Mas não. Tem ela, e tem mais um batalhão, uma festa de gente linda, bacana, que chegou aqui porque curtiu meu texto. Sou grata demais a mim mesma por tê-lo criado.

Em 30 de julho de 2007 eu estava muito frustrada, e ansiosa pra que minha vida se encaminhasse. Em 30 de julho de 2012 as lágrimas são ligadas a intensidade do rumo maravilhoso que as coisas tomaram. O que só me deixa curiosa para 30 de julho de 2017. Mas a vida é uma sucessão de dias, um de cada vez, e hoje é dia de comer pastel na feira. Bom sábado! =)