segunda-feira, 31 de maio de 2010

Ando devagar porque já tive pressa - ou quem entende a Mafalda?

O stress crônico parece estar sendo controlado, finalmente.

Hoje fui à academia, depois de duas semanas sem dar as caras. Nada contra exercícios, mas eu decidi que não preciso de mais pressão do que a que o mundo já exerce naturalmente sobre mim, obrigada. Então, quando não quiser, não vou. Simples assim.

O dia foi corrido e cheio de trabalho. Mas ainda assim saí de lá inteira - e no horário.

Durante o dia pensei na sopa que eu tinha plajeado fazer, nos legumes que comprei no mercado, no frango que eu tirei do congelador. Como que coroando dias mais tranquilos, minha sopa ficou um espatáculo. Na hora em que provei, antes do marido chegar da faculdade, tive certeza de que tinha ficado sensacional - uma das melhores que eu já fiz. Sabe quando você se alimenta exatamente com a única coisa que você quer naquele momento? Quando nada mais faria sentido? Pois então. Há uns 10 dias que a minha ansiedade tem me feito atacar o pote de nutella sem compaixão todas as noites. Hoje não vai ser assim, porque a minha sopinha já liberou serotonina o suficiente. Comfort food mesmo.

Sou fã da Mafalda , mas nunca pude entender sua resistência obstinada a sopas. A mãe dela devia cozinhar mal. Só isso explica.

terça-feira, 25 de maio de 2010

Várias coisas

Meu irmão teve alta hoje, portanto antes do que os médicos tinham previsto anteriormente. \o/ Agradeço mais uma vez a quem se manifestou carinhosamente aqui torcendo por ele. Valeu mesmo.

Uma grande amiga minha se casou no sábado. Daí eu passei a semana envolta em emoções tão opostas que eu tô exausta. Algumas reflexões sobre saúde pública, sobre casamento, idéias pra post. A semana tendo e amadurecendo idéias. Várias coisas mais interessantes que meus devaneios sobre minha vida. Mas quem disse que, nesse momento, depois deste rali emocional, eu sou fisicamente capaz?

Preciso de férias tipo, pra ontem. Tenho 10 dias pra tirar em julho. 7 semanas até lá. Ao contrário do ano passado, em que achei que a sanidade mental não duraria até as férias (eu emendei quase um ano no emprego anterior com o atual, tava há quase 2 anos sem férias), esse ano eu temo pelo físico mesmo. Eu tô podre.

Um caso irônico pra encerrar: eu costumo carregar meu bilhete único quando ainda tenho um pouco de crédito (tão ligadas como funciona o transporte público em São Paulo, né? Você coloca créditos num bilhete magnético e, quando passa a catraca, eles vão sendo descontados). Pelas minhas contas, tava na hora. Saquei R$100,00 pra carregar pro mês. E só depois de sacar tive a brilhante idéia de verificar o saldo da minha conta. Depois de sacar 100, fiquei com 60 negativos. Na hora de carregar, descobri que ainda tinha 16 no cartão, que não é muito, mas era o suficiente pra me locomover até sexta, quando cai o salário. Pensei, ok, meu banco é o tal dos “10 dias sem juros”. Vai rolar só uma cacaquinha de IOF, mas beleza. Nem preciso de dinheiro até sexta-feira mesmo. Daí lembrei que quinta tenho uma consulta médica no meio da manhã. E como eu tô enroladíssima no trabalho, a idéia é voltar de táxi. E o táxi não aceita bilhete único, né? E eu me sinto uma trouxa com 116 reais no cartão e devendo pro banco. E às vezes eu acho que meu mau humor não vai passar nunca...

domingo, 9 de maio de 2010

Sem querer ser piegas... mas talvez sendo

Daí que marido vai ganhar mais um sobrinho ou sobrinha (e eu também por tabela). E rola aquela pergunta de quando daremos nossa contribuição para aumentar a família, ao que respondemos que, por enquanto, não daremos, sorry.

Antes de conhecer meu moço, eu não pensava em ser mãe. Hoje esse não é um assunto decidido, mas posso dizer que boas possibilidades de acontecer no futuro, embora não me pareça essencial para justificar minha passagem pela terra.

Acho que minha relutância vem – além, claro, do feminismo que me faz acreditar que maternidade é escolha e não destino inevitável - da minha relação com minha mãe, nem sempre fácil. Reconheço nela uma generosidade do tamanho do mundo. Porque eu não sou o que ela sonhou pra mim. Minha mãe veio de uma família pobre, sem instrução e muito machista. Para nossa sorte, encontrou meu pai. Ela tinha parado de estudar quando era novinha, porque sua saúde não dava conta de trabalhar de dia e estudar a noite. Quando se casou com meu pai e foi demitida de seu emprego como operária, ele a incentivou a continuar seus estudos. Minha mãe só não fez faculdade porque não se animou: apoio do meu pai nunca faltou. E eu presenciei na infância e na adolescência uma disputa ferrenha entre as idéias arejadas do meu pai e o machismo da minha avó materna, que vivia conosco. Ele achava que minha mãe deveria estudar, ela achava que isso poderia atrapalhar o “andamento da casa”; ele insistiu pra que minha mãe dirigisse, ela tinha tremenda dificuldade em confiar na minha mãe ao volante; ele sempre se ocupou de tarefas domésticas, ela achava que minha mãe deveria se envergonhar por permitir que o marido lavasse um prato; ele só achava que estava sendo um cara razoável, minha avó achava que ele era um semi-deus por ser “bom” com a filha dela. Minha avó já faleceu e eu não quero jogar na conta dela o machismo, de jeito nenhum. Ela também foi educada assim.

Mas meu pai é diferente e os tempos são outros. E pra minha mãe era muito difícil perceber que meu pai não me reprimiria, como normalmente se espera dos pais. Apesar de ter sido adolescente nos anos 70, minha mãe não viveu a revolução sexual. Isso era coisa de moças de classe média e nível universitário. Moças pobres e vindas “da roça” tinham que se casar virgens. Assim foi com a minha ela. E assim ela esperava que tivesse sido comigo, apesar de saber que o mundo tinha mudado muito e minhas perspectivas eram outras. Eu soube por uma tia que minha mãe chorou quando se deu conta de que eu não era virgem mais. Não fui eu que contei, não presenciei a cena, mas conhecendo minha mãe, faz sentido.

Pra resumir, ela teve que aceitar tudo. Que eu não me casaria virgem, que eu não me casaria na igreja, que eu não ficaria em casa até me casar e pior: que eu sequer estaria muito interessada em casamento. Que tinha vontade de ir viver fora do país (e fui!). Que quando eu dizia que ia dormir na casa de uma amiga, talvez eu estivesse passando a noite com um cara que não era importante a ponto de ser apresentado (ela nunca foi boba, sabia bem quando eu estava mentindo). Ela sofreu muito. Sofreu muitíssimo. E eu não alivei nada pra ela me sentindo culpada. Nunca me culpei por ser livre. E ela aprendeu a aceitar.

Ela sofre até hoje. Eu não sou casada, né? Sou de fato, mas não de direito. Daí, quando eu juntei os trapos, ela dizia pras pessoas, principalmente a família machista que “a Iara está casada”. Tipo, repetia, como um mantra. Cada vez que ia lá, contava: "fulano perguntou e eu disse que você está casada". Pra dizer que eu não estava “morando com o namorado”. Nem “amigada”, nem “amaziada”. Eu sou é casada, só não tenho papel. E pra ela é importante. E não me cobra nada, aceitou meu marido, acredito que também muito diferente do genro com o qual sonhava, com um amor imenso. Ele me ama e me faz feliz, pra ela é o suficiente.

Enfim. Eu sei que não é de graça pra ela. Por mais que se diga que “filho a gente tem é pro mundo”, não deve ser nada fácil ver aquele ser nascido de você se tornar alguém muito diferente dos seus sonhos. Amar assim tão desprendidamente, sem fazer cobranças, sem chantagens emocionais, sem reclamar que eu vou mais a casa da sogra do que a dela. Ela transborda generosidade aceitando que eu escolhi meu caminho e continua me amando e repetindo que sente um enorme orgulho de mim. E eu só quero ser mãe se me sentir capaz disso.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Várias coisas sobre gênero – ou pensamentos muitos e confusos

Às vezes eu fico pensando se vale a pena fazer um post meio maluco só com associações que passam pela minha cabeça, sem trazer nada novo, não colocar nenhum questão nova, nem chegar a uma conclusão, só com referências externas e links, meio colagem mesmo. Mas, enfim, os macaquinhos tão aqui sapateando, né?

Tô pensando no livro da Beatriz Preciado, que eu ganhei e não li ainda, e na Judith Butler, que eu também não li, e a maneira como (sei de ouvir falar e ler outras coisas por aí), problematizam gênero. E, puxa, muito legal. E um nó. Eu gosto bastante. Porque se você me encontrar na rua vai ter certeza que, por mais que conteste muita coisa, por mais que não corresponda a todos os modelos de vaidade e feminilidade postos, eu sou uma mulher. Mas lembro de já ter sofrido muito por não me encaixar. Nada a ver com transexualidade, nem com homossexualismo sequer. O problema é o modelo cor-de-rosa-Barbie. A passividade. Enfim, muitas coisas. Mas pegava muito no visual mesmo. A coisa da delicadeza, porque eu não sou delicada pra nada nessa vida. Sou carinhosa e tal, mas não delicada. E é por isso que eu pirei lá na Espanha. Lógico que o Almodóvar já tinha me dado uma pista. Mas a coisa foi mais prosaica até: quando eu vi nas lojas as roupas de Flamenco para a “feria” de Málaga. Aqueles babados, aqueles brincos enormes, aquelas cores fortes. É isso, eu sou over. Eu sou pombagira. Depois de ler “Bodas de Sangre”, a noiva se justificando, dizendo que o noivo era um riozinho que não dava conta de apagar seu incêndio, eu pensei: é isso! Eu sou essa mulher.

Mas divago (e este post não é mera divagação?). Eu lembrei disso, dessa questão do problema do gênero, de definição, da dificudade, por algumas razões.

Li outro dia isso. A pessoa que conseguiu um documento escrito “sexo indefinido”. Péssimo estar na página de bizarrices do Globo porque o assunto é muito interessante. Mas me chamou a atenção esse lance de que não era possível determinar características físicas, psicológicas ou comportamentais de um dos gêneros. Físicas, ok. Mas fico pensando em como determinar caraterísticas “psicológicas ou comportamentais” de um gênero. Dá pra fazer isso sem usar lugares comuns? Quer dizer, eu aceito quando minha amiga psicóloga me diz que “não é porque algo é socialmente construído que é necessariamente ruim”. E imagino que é um conjunto de fatores que deveria determinar essa performance de gênero, mas não tiverema sucesso aí. Enfim, curioso, né?

Outra coisa: o post da Lu que fala do Irã. Quer dizer, transexual, pode. Homossexual, não. Porque tem que definir, ficar dentro do limite. Extremamente violento, claro, e me faz lembrar do argumento mais frequente entre religiosos, mesmo os locais, quando condenam o homossualismo: Deus criou o homem e a mulher, um para o outro. Sistema binário mesmo, nenhum questionamento possível.

Por fim (como se houvesse um fim), a matéria da Piuaí sobre o médico especialista em cirurgias de mudanças de sexo. Recomendo a leitura da matéria inteira. Como a coisa é complexa. Em algum momento, a especialista em direito civil consultada fala de como os transexuais são conservadores. Quer querem corresponder a um modelo de mulher bem tradicional. Mas é o ponto de vista dela, porque aparece lá os casos de homens que queriam ser mulheres lésbicas. Quer dizer, se relacionar-se sexualmente com uma mulher e ter um pênis fosse o suficiente para definir um homem, usando um ponto de vista conservador, essas pessoas não teriam conflitos.

Por fim, o que define o que é mulher, né? Se você responder que é a vagina, vai desconsiderar os transexuais, e o Buck Angel vai rir na sua cara. Se você considerar que é um conjunto de comportamentos tais e tais, pode soar bem sexista. Mas lembro de ler num blog uma vez que se a única coisa que nós, mulheres, tivermos em comum for a opressão, pára o mundo que eu quero descer. Acho que a coisa é fascinante porque é muito mais complexa do que parece. E o médico diz lá na reportagem que só dá pra dizer quem tem falo e quem não tem, mas eu não aceito ser definida por uma ausência – a que não tem falo. Só posso concordar com a Judith Butler quando diz que gênero é performance. A gente deveria poder ser o que é sem que isso implicasse em determinismo e discriminação.

sábado, 1 de maio de 2010

A prática da tortura no Brasil

Quinta-feira teve um happy hour da empresa. Na saída, dois colegas meus voltavam de trem, mais ou menos 10 da noite, quando um grupo deu uma trombada em um deles no momento em que as portas do vagão estavam se fechando em uma das estações. Levaram sua carteira. Aí começa a saga policial da qual só não foi testemunha porque não fui ao happy hour, já que o trem é meu meio de transporte também.
Enfim, saíram com a carteira. Três pessoas: duas mulheres por volta de 25 anos e um homem de 30. Fechadas as portas, quando olharam para o vagão ao lado (alguns dos trens tem uma janelinha que permite a visualização do vagão contíguo) viram que uma das mulheres estava lá. Na estação seguinte, tentaram trocar de vagão, mas a mulher saiu e, em vez de ir em direção à saída da estação, foi até a ponta da plataforma. Importante esclarecer que meus dois colegas são educadíssimos e jamais abordariam uma pessoa simplesmente desconfiando de sua responsabilidade pelo furto, por mais suspeitas que fossem suas atitudes. Mas, enfim, dali a dois minutos um senhor estava se sentando para aguardar o trem e viu que a carteira de nosso colega estava lá, intacta. Nem o dinheiro tiveram tempo de levar. Entenderam que a mulher a havia descartado quando notou que estava sendo seguida, para não ser pega em flagrante.
Bom, foram comunicar os ocorridos ao agente da estação. Contaram lá que um grupo assim e assim, com tais características, estava furtando carteiras. Dali há pouco, passaram um rádio avisando que um suspeito tinha sido detido na estação seguinte. Foram todos pra lá.
Ouvi a história no café na empresa, tá? Então não entendi bem se o que se seguiu aconteceu ainda na estação, ou parte na estação e parte numa delegacia. O rapaz detido foi reconhecido pelos meus colegas, mas não tinha nenhum produto de furto com ele. Como em um furto não há coação e nem abordagem direta, fica uma palavra contra a outra. Ok para meus colegas. Eles só estavam interessados em alertar para o risco. Mas, por conta disso, tiveram que assistir à truculência policial.
O suspeito era colombiano. A polícia passou a humilhá-lo, dizendo que o fato dele vir “de uma país de merda dominado por terroristas e traficantes” não o dá direito de roubar carteiras no Brasil. Perguntados sobre o que aconteceriam com o rapaz detido, avisaram que “dariam um corretivo” antes de soltá-lo, porque não poderiam prendê-lo em flagrante. Para comprovar sua responsabilidade seria necessário abrir um processo, acessar os registros da câmera de segurança, enfim, algo bem mais demorado. A surra e mais rápida.
Meus colegas sabem que seria inútil pensar em procurar entidades de defesa dos Direitos Humanos para defender um estrangeiro de uma surra policial às 2 da manhã (é, a coisa toda foi longe...). Reforço, conheço os dois o suficiente pra saber que ninguém achou “bem feito” que o sujeito tenha apanhado. Não procuravam punição de culpados, só queriam resolver seu problema imediato (recuperar a carteira) e depois contribuir para segurança coletiva comunicando o risco às autoridades. Mas parece que, para a polícia, não é possível que não haja punição. E o enorme constrangimento de ser reconhecido como criminoso não é punição suficiente.
Fiz a ponte, inevitável, sobre a manutenção da anistia aos torturadores, julgada pelo STF essa semana. Sou filha de torturado, e estou muito chateada que nosso país tenha ido na contramão do restante da América Latina e tenha dicidido que, ok, se meu pai foi preso, apanhou, teve a casa revirada, viu seus irmãos mais novos serem presos e humilhados também por suas idéias políticas das quais não compartilhavam (é não bastou torturar o "subversivo", tinha que impor sofrimento à família toda), isso fez parte de um contexto histórico e deve ser perdoado e esquecido.
Abomino a tortura provavelmente sofrida por este estrangeiro batedor de carteira tanto quanto abomino o sofrimento do motoboy morto covardemente pela polícia de São Paulo mês passado e os sofrimentos físicos e psicológios impostos ao meu pai e aos meus tios 36 anos atrás. Como já comentei aqui, não vejo cidadania possível fora do Estado de Direito. Se há uma lei, não deveria ser aqueles que agem em nome do Estado os primeiros a fazê-la cumprir?