domingo, 11 de abril de 2010

Mas mulher apanhando dá audiência, né?

Eu falei da misoginia do Manoel Carlos porque talvez seja a que me salta mais aos olhos, num primeiro momento. Primeiro, porque nos seus enredos nunca há um vilão (ou vilã) terrível que faz mil estripulias, mata, foge da polícia e tal. Os dramas são mais prosaicos: traições, acidentes, doenças. E por isso as mulheres que apanham, ao meu ver, só se comportaram mal do ponto de vista do autor, sem sequer serem dignas do título de vilãs odiosas. Além disso, há outras coisas machistas igualmente irritantes sempre presentes em suas tramas, como a biscate que engravida do mocinho justo quando ele ia se entender com a mocinha (lógico que o coitado é vítima na história) e a virgindade das mocinhas pobres como uma commodity a ser preservada para aumentar seu valor no mercado dos casamentos – o que mais uma moça pobre pode oferecer a um mocinho rico se não for bonita e “honesta”?

Mas como a Luna lembrou nos comentários abaixo, em “A Favorita”(2008) houve um caso de uma mulher que apanhou em público do marido quando este descobriu que estava sendo traído. E eu já tava mesmo com vontade de tratar disso: sempre há uma mulher apanhando. Mudam os autores, os enredos, as motivações, mas a surra é certa. De novo, vou tentar ficar só com exemplos recentes, dos autores das novelas das 9. Olhem só:

Sílvio de Abreu

O autor foi duramente criticado em 1995 por organizações de defesa da mulher porque e vilã Isabela Ferreto, ao ser pega em flagrante de adultério pelo seu marido (que antes era seu amante e o ex-noivo os pegou no flagra no dia do casamento) é esfaqueada no rosto. E a gente sabe o significado que tem essa coisa da cicatriz, né? Do marcar o rosto, “destruir” a beleza, já que ela está ligada a sexualidade. Depois dessa prensa, supõe-se que deveria se conscientizar e pegar mais leve. Como eu contei, eu não vi “Belíssima” (2005/2006), mas parece que a mãe traída deu uns tapas na filha pouco confiável que se meteu na cama com seu marido.

Gilberto Braga

Em “Celebridade” (2004), Maria Clara Diniz, a mocinha, deu o troco na vilã Laura, que tinha acabado com sua carreira e reputação, dando-lhe uma surra. Em Paraíso Tropical (2007) Eloísa, companheira do ourives que era explorado por Taís, também desconta sua raiva com uma surra.

Glória Perez

Em “América” (2005), a dissimulada Creusa, apanhou da sogra quando esta decobriu que ela não era exatamente uma esposa fiel. Em “Caminho das Índias” (2009) Yvone apanha de Melissa quando a perua descobre que a vilã está seduzindo seu marido.

Aguinaldo Siva

Como eu também contei antes, é o que eu menos acompanho, porque acho chatíssimas suas pretensões épicas reacionárias. Mas sei que em “Senhora do Destino” (2004/2005) a vilã Nazaré Tedesco apanhou da heroína Maria do Carmo. “Duas Caras” (2007/2008) eu não vi mesmo. Mas olhem como é fácil descobrir: entrei no Wikipedia, joguei o nome da novela lá, vi a relação de personagens. Daí lembrei que a personagem da Aline Moraes é que era a vilã. Joguei lá “Sílvia apanha em Duas Caras” no google. Batata! Apanhou da mocinha.

Nessas novelas, homens apanhando não são vendidos como espetáculo, por pior que tenham se portado. Pode ter lá uma briga e uns sopapos, mas não há essa conotação moral. A surra na vilã é atração da semana, às vezes um dos pontos altos da trama. Dá capa em revista semanal e pico de audiência. Os pecados dessas mulheres variam muito: umas foram adúlteras, outras só foram sensuais; umas são estelionatárias, outras assassinas. Então não interessa se é um crime que pode ser apurado e punido por lei, se é uma fraqueza de caráter ou um simples desvio de conduta de acordo com a moral estabelecida. A pena prevista é uma só: surra.

Como eu disse no post anterior, eu realmente acredito que as novelas são referência para sua audiência. E este público fica lá, torcendo para o momento em que a vilã será punida. É catártico isso. Então, uma emissora de televisão, que deveria estar minimamente comprometida com a qualidade da sua programação porque é uma concessão pública, dissemina a idéia de que há situações em que é aceitável que mulheres apanhem. Pior: há situações em que agredi-las é esperado e desejável.

Não adianta fazer marketing social e passar Globo Repórter sobre a Lei Maria da Penha. Para violência contra mulheres diminuir, é preciso parar de celebrar a surra a como maneira de solucionar conflitos em que estejam envolvidas.

9 comentários:

  1. eu nao costumo acompanhar novelas, mas eu sei muito bem dessa tradicao maravilhosa que as novelas tem de surrar as suas mulheres "malvadas", as "bandidas" da trama. da forma que vai, como eh que as pessoas podem esperar que a violencia feminina seja uma coisa inaceitavel, se a televisao banaliza tanto o ato?

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  2. Iara, eu li seu outro post e achei bem legal pq eu vi esse capitulo e fiquei com isso da Doris na cabeça. A principio não tinha relacionado, dai li o q escreveu e fiquei até com vontade de fazer um post e tals.

    Eu acho diferentes as situações que colocou nesse novo post. Apesar de concordar que há muita violência na hora de punir o "mal", não concordo que seja sexista. Acho q tem esse lance de separar bem e mal, através de porrada muitas vezes, com todos os personagens. É maniqueista mesmo. E sou radicamente contra. Um dos autores q citou, o Gilberto Braga, costuma sair desse lugar-comum e eu acho isso legal. Papo pra outro post as novelas dele.

    Especificamente no caso da Helena Ranaldi que leva uma surra em público, nossa, aquilo foi detestável e super sexista. Pq ele não é punido, vira um coitado e ela fica louca, ainda por cima precisando da ajuda dele. Não desceu isso pra mim. E o amante fica puto tambem nossa. Dei conta dessa história não.

    Eu não sou daquelas que é contra retratar algo. Mas tem q estar claro o objetivo. O caso do marido da Lilia Cabral, não lembro o nome da novela. Acho que é da favorita tb. Mas ela era filha do Tarcisio Meira, é um desses. Ele espancava ela e ela aceitava calada. Dai vira o jogo, um outro carinha gosta dela, é um fofo e nem dá certo. Super real. Tá tudo errado ali. Mostra o que acontece, mas no tom certo, tá errado. Todo mundo entende q tá errado e etc.

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  3. Eu sou a favor da surra na novela sim! Ja levei surra e ja dei surra na escola! Não adianta conversar.... Isso é coisa para os fracos!
    Aconctece que vc nunca viveu a vida. Vc é adorada por todos. Nunca foi minoria.

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  4. Oh céus em que séculos estamos mesmo? me perdi no tempo ou ainda nem saimos da época em que apedrejavamos as mulheres, Madalena querida por onde anda sua história? Claro que histórinhas de morais divinas não servem tão bem quando é pra assumirmos nossos próprios erros e tentarmos mudar algo que ainda faz parte da política do pão e circo, aliás tão presente em nosso país.
    Que alguem seja a favor dessa hipocrisia sexista,não tenho a menor dúvida, do contrário não dava ibope.
    Mas o que esperar de uma emissora que precisa ser processada para servir de meio de informação para a população, após ter prestado uma (uma não, várias) desinformações protagonizadas pelo famoso ganhador do BBB?
    Acho mesmo que esse tipo de discussão deve chegar a emissora para que possa ser repensada essa postura... mesmo achando eu que não é algo nada ingênuo ou impensado

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  5. Luci,

    É isso. Como ter aversão a algo que é vendido como natural? Daí que acabei de fazer uma ponte no caminho inverso: como as pessoas não vão ser homofóbicas, se a televisão nunca mostra um beijo gay? As pessoas se chocam menos com violência e mais com sexo. É assim no mundo inteiro, né? Triste.

    Haline,

    Entendo quando você fala do maniqueísmo. É por aí mesmo, os personagens são tristemente planos. Lembro que uma novela das 7, "Cobras e Lagartos", tinha um anti-herói, praticamente um Macunaíma. E parece que houve alguma reação do movimento negro, algumas vozes que se levantaram pra dizer que, quando o negro aparecia, era reprsentado dessa maneira. E eu não me sinto no direito de julgar essas queixas, mas entranhei porque era um personagem muito rico, do ponto de vista dos conflitos, e o Lázaro Ramos fez um trabalho bacana na interpretação. Mas, no geral, a gente tem bandid@ e mocinh@s. E concordo que porrada come solta. Mas discordo de que não seja sexista. Quem apanha mais, e de maneira mais "espetacularizada" são as mulheres. Os vilões levam tiro, fogem da polícia, se matam, enfim.

    Sobre o caso que você mencionou, da personagem da Lília Cabral, eu concordo muito. Lógico que pode mostrar. Deve, porque é a realidade. Mas ninguém em sã consciência achava "certo" que ela apanhasse porque ela foi construída como "santa". É a boa esposa coitadinha. Então, na mesma obra, o autor nos mostra que há um "tipo" de mulher que merece apanhar, e outro que não. Marca bem quem é santa e quem é puta. Pra mim o saldo é negativo, porque legitimiza o julgamento moral.

    Anônimo,

    Seria você o meu primeiro troll? Quanto emoção! Como você foi educado, respondo: eu nunca fui "adorada" por todos. Sempre fui a "loser" do colégio. Ainda assim sou contra porrada. E acho que sua lógica tá invertida, viu? Normalmente que é contra porrada é justamente quem é ponto fora da curva, porque rola um medo de que sejamos os próximos. Sei lá, eu tenho medo de apanhar.


    Blábláblá

    Eu acho também que é tudo muito calculado mesmo, sabe? Que não é sem querer. Não que alguém esfregue as mãozinhas tipo o Gargamel pensando: "hum... quem vai apanhar hoje para mantermos o status quo?", mas não é coincidência, é sistemático. Ainda que os autores não reflitam seus valores pessoais, mas tentem agradar a audiência, eles não se arriscama contrariar expectativas que eles e seus colegas criaram. E estabelece-se o círculo vicioso, infelizmente...

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  6. Alo, eu nao acompanho novelas, nunca o fiz mas sou do interior e sei bem que a novela eh a diversao da minha cidade. Na verdade eh minha mae que sempre pontua isso para mim. Eu simplesmente desprezo o Manoel Carlos com todas as forcas do meu coracao. E aquela fixacao dele no Jose Mayer posando de gala com a Helenas chatas pra caramba novinhas? Tem coisa mais cliche? Acho que o Ze Mayer eh o alter ego do autor...O cara faz de um tudo para nao dar o braco para a velhice e poe um protagonismo velho de garanhao. Eternamente.

    E essa galera que diz que ta tudo bem, que eh soh uma novela, ficcao me cansa e parece que eles nunca perceberam ou ouviram falar da midia e inconsciente coletivo. Nao eh soh uma novela assim como o ultimo BBB nao foi soh um BBB. Explica-se horrores de uma sociedade atraves desses programas de tv com tanta audiencia.

    Belo post.

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  7. Mari,

    Eu também sou da turma que despreza o Manoel Carlos, como você deve ter percebido no post anterior.
    E eu também não engulo essa de que "é só novela/BBB/ficção/whatever". Nada é inocente. Qualquer produção cultural, e as de massa especialmente, partem de algum lugar e esperam despertar alguma reação.

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  8. Acho de um machismo pior as mocinhas serem verdadeiras nécias, boa parte das vezes. E terem de ser virgens, castas e quse super-heroínas com tentáculos.

    Quanto a violência (e por favor, usem de toda a crítica por ser um homem falando) acho que o problema não é tanto a violência enquantio denúncia. Mesmo no Manuel Carlos, que é péssimo, extia na historia da raquete, ua condenação, uma tentativa (ruim) de denúncia.

    O problema é quando isso vira piada ou . A mulher que apanha e é "engraçado", a vilã que leva uma surra "merecida". Essas cenas, desprovidas de qualquer senso crítico, são péssimas.

    E, não nos esqueçamos, temos aqueles intervalos com mulheres sendo tratadas como cerveja e vice-versa.

    Outra coisa bem ruim são propagandas com mulheres apenas cuidando dos filhos. Ainda é realidade, bem sabemos, na imensa maioria dos lares, mas não mais absoluta, e parece haver uma resistência no meio publicitário a apontar homens cuidando de filhos e da casa sem ser uma piada (ou na epoca do dia dos pais).

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  9. Iara, o que me entristece é o número de formadores de opinião, pessoas inteligentes e a princípio sensatas, que defendem as surras de mulher em novela com unhas e dentes. Não sei se é porque moro nos EUA há bastante tempo, mas todo ano volto pro Brasil e vejo o estado dos nossos programas de TV, só falta chorar. Qualquer pessoa que reclame dos preconceitos - racismo, machismo, homofobia, ataque a pessoas com problemas de desenvolvimento - é taxada de chata ou "politicamente correta" ou inibidora da "liberdade de expressão". Não param para refletir nas consequências que a reprodução desses preconceitos e piadas sem graça pode ter na formação da nossa sociedade. E os números de violência doméstica, racista e homofóbica estão aí, o bullying e intolerância contra é diferente também. No mínimo, os criadores de conteúdo na TV brasileira deviam se esforçar mais para usarem sua inteligência e criatividade sem ter que pisar nos mais fracos, para variar.

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