terça-feira, 22 de junho de 2010

Introdução

Esse é mais um ensaio, pra organizar as idéias. Mas é que no post em que eu divide com vocês as minha dúvidas as contribuições foram tão boas, que nada mais justo (e útil, claro), que continuar dividindo.
Como eu tinha contado, eu só preciso apresentar um projeto de pesquisa agora, nada muito extenso, factível de ser feito até dia 3 de julho considerando o que já venho amadurecendo na cabeça. Acabei não contando no último post sobre leituras que um dos livros que estava na minha lista, e agora já está pelo menos começado, é o Desenvolvimento como Liberdade, do Amartya Sen, Nobel de Economia. E eu tô gostando muito porque ele basicamente defende que o foco do desenvolvimento deveria ser a expansão da liberdade. Segundo ele, não existiria país desenvolvido sem democracia plena, por exemplo. Então, o milagre econômico da época da ditadura passa a ser uma falácia. Da mesma maneira que não é possível pensar em desenvolvimento no patriarcado, já que metade da população é relegada à uma condição de segunda classe. Bom, meu pai leu o livro inteiro e, subversivo que só, acho o autor “muito comprmetido com o capitalismo”. Eu não li tudo, mas confesso que isso não me incomoda tanto. Sou muito pragmática e acredito que, se o mundo que temos é esse, é preciso que as pessoas vivam melhor nele. Se uma revolução derrubar toda a forma de opressão, fantástico, mas senão, o Bolsa Família e a Lei Maria da Penha são, sem dúvida, melhores do que nada.
Enfim, e eu pensei em trabalhar com transporte porque eu acho que pega no cerne dessa questão. Não adianta você ter dinheiro pra comprar carro do ano, se vai ficar preso no congestionamento e chegar em casa tarde demais pra usufruir da companhia do seus filhos. Na linha “tem coisas que o dinheiro não compra” mesmo.

Mas a Ingrid lá nos comentários me sugeriu tratar da questão das restrições à mobilidade. E eu adorei. Confesso que já tinha pensado a respeito, mas como o Manoel Carlos fez merchandising social para este tema e, vocês sabem, eu odeio o Manoel Carlos, fiquei com medo de parecer que olha, escolhi o tema da moda por conta da novela. É, eu sou bem bestinha às vezes.
O tema do trabalho, por enquanto, ficou sendo políticas públicas de inclusão de pessoas com restrição à mobilidade. Mandei um e-mail para o coordenador do curso, que achou interessante, mas não tem a menor idéia de que bibliografia me indicar. Então comecei, de novo, com o básico do básico, coleção Primeiros Passos, O que é deficiência?, da Débora Diniz.
Nossa, eu preciso dizer que eu tô muito empolgada. Primeiro porque é realmente um tema pouco estudado. O livro é de 2007, pra vocês terem uma idéia do quanto é pertinente. E lá no lattes descobri que Débora Diniz é estudiosa de questões de gênero. Como entusiasta deste tema, fiquei muito curiosa pra ver qual seria o ponto de intersecção.
No livro ela conta sobre a elaboração a teoria social da deficiência, que se contrapõe ao ponto de vista médico. E tudo faz um tremendo sentido, porque a teoria social diz que o deficiente tem uma lesão que pode limitá-lo, mas se não pode ser incluído não é culpa da lesão, mas da sociedade que é excludente. E que os teóricos desenvolveram essa teoria usando como base o feminismo, já que a mulher é discriminada por ter uma realidade física diferente do homem que, sozinha, não a desqualifica. Gente, eu tô sendo muuuuito simplista, tá? A coisa é muito mais complexa, claro, e o próprio livro diz que a pontos a serem refutados nessa teoria, até porque, para um tetraplégico, por exemplo, não há acessibilidade que supere todas as suas limitações, há a necessidade de uma pessoa ajudando em muitos momentos. Mas o cerne é questionar uma sociedade que isola as pessoas e trata suas dificuldades do ponto de vista do liberalismo individualista da “tragédia pessoal” - não por acaso a teoria social é orientada pelo materialismo histórico. E eu jamais olharia a questão sob esse prisma não fosse este trabalho. Então, pra mim, já valeu o curso.
Então, meu trabalho vai ser, basicamente, analizar o que é feito hoje no Brasil, mas mais especificamente de São Paulo, para incluir as pessoas do ponto de vista de suas limitações físicas. Não vou abordar uma deficiência em especial porque a teoria social diz que separar as coisas desse jeito é “dividir para conquistar”. Mas vou focar em um aspecto, o da mobilidade, tentando relacionar com outro, o do trabalho. Não sei se todo mundo sabe, mas São Paulo tem um orgão público chamado Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida, criada em 2005 pelo Serra. E, pelo o que eu pude ler, o trabalho deles tem sido muito bem feito: quando a secretaria foi criada, em 2005, só 300 ônibus de toda a frota paulistana eram acessíveis. A partir de 2009, todo ônibus novo comprado pela prefeitura de São Paulo é acessível. Uma vitória importante, sem dúvida (ó, eu nem gosto de Serra, Kassab e afins, mas trabalho bom a gente tem que reconhecer).
Mas, enfim, os idealizadores da teoria social eram, eu sua imensa maioria, deficientes. Muitos enfrentaram a descofiança da própria família em relação às suas reais capacidades. E, principalmente, reinvindicavam o direito à voz. A fala do deficiente, não sobre o deficiente. Substitua “deficiente” por “mulher” e “teoria social” por “feminismo” nas duas últimas frases neste começo de parágrafo e veja se não tem associação. Meu trabalho não é antropológico nem literário e não pretende abordar o discurso do deficiente propriamente, só talvez suas reivindicações políticas mais imediatas. Ainda assim, tem me feito pensar sobre a necessidade de buscar diferentes pontos de vista para se entender uma realidade, principalmente quando tratamos da alteridade, em conhecer o outro. E hoje, por coincidência, assisti aos vídeos que a Daniela colocou neste post, em que a escritora nigeriana Chimamanda Nzogi Adichie fala sobre os perigos de basearmos toda nossa visão de mundo em um único relato (recomendo fortemente, viu? a lucidez dela é encantadora). Porque, no fundo, a gente percebe que a filosofia por trás do machismo, do racismo, da homofobia é a mesma da insensibilidade às questões dos deficientes: a de que só há um modo de vida legítimo, e que todo o mais deve ser destruído, ignorado ou, no mínimo, privado de poder.

8 comentários:

  1. Adorei a sua idéia. Pena que está aí em Sampa. Aqui em Brasília esse trabalho ia ser bom demais. Hoje é o segundo dia da greve geral dos ônibus. Diferente da determinação do governo não tem nenhum ônibus da frota circulando. Meu marido teve que ir pra UnB à pé pq nenhum ser humano foi capaz de lhe oferecer uma carona. O pessoal que mora no Plano não está nem um pouco preocupado. Sem os ônibus na rua, os carros aqui dentro circulam tranquilamente...

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  2. Oi, Iara. Estou numa correria tão maluca que mal tenho tido tempo de blogar, estou há dias para dar uma olhada nesse post da Dani. E é uma coincidência incrível ler seu post agora, poucas horas depois de ter dito a uma amiga que estou convencida de que um dos maiores problemas sociais que precisamos enfrentar com coragem é o preconceito, de qualquer natureza. Falávamos de uma doença, mas cabe pra tudo. Só procê saber que estamos em sintonia. Fina. Bj!
    Rita

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  3. "Não adianta você ter dinheiro pra comprar carro do ano, se vai ficar preso no congestionamento e chegar em casa tarde demais pra usufruir da companhia do seus filhos"

    nao entendi qual a saida que tu pensou pra isso. mais pontes e ruas ou menos carros?

    ::

    sabe, outro dia eu tava empurrando o carrinho do bebe e me deparei com uma calçada sem rampa. achei o cumulo, fiquei puta, demorei pra descer a calçada. depois achei engracado:

    1. eu ja tinha notado a grande quantidade de rampas nas calcadas de lyon, mas somente agora que eu trabalho empurrando carrinho de bebe pra cima e pra baixo eh que me dei conta do quanto isso eh importante, o quanto pode dignificar a vida de alguem que vive 24h em cima de uma cadeira de rodas.

    2. no brasil eu teria ficado puta todo dia, se fosse baba com carrinho de bebe. a gente soh descruza os bracos quando afeta a gente. eu poderia passar mil vezes por uma rua sem rampa que nunca teria me importado com isso. porque, voce sabe, eu posso andar...

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  4. Drixz,

    Sábado eu comprimentei uma vizinha no elevador, ela puxou assunto, perguntou aonde eu ia, e resolveu me dar carona. Assim, do nada. Nunca a tinha visto na vida. Detalhe que eu moro no segundo andar, então não houve tempo para um longo bate-papo. Eu fiquei tão bem impressionada. Isso é cada vez mais raro nas grandes cidades, né? Em compensação, quando morava com os meus pais a vizinha da casa do lado, que me viu crescer, era professora na escola onde eu faiza curso de inglês sábado de manhã, sabia que eu ia de ônibus e nunca me oferecer carona. Me concontrava pelos corredores, mas nunca se interessou, sabe? Me assusta esse individualismo todo.

    Rita,

    Quando tiver um tempo dê uma olhada lá, não deixe passar batido, que vale muito a pena. E eu também acho que é por aí, sabe? Essa intolerância toda nos faz tanto mal.

    Luci,

    Na verdade, nesse trecho que você citou, eu nem tava pensando em soluções, embora acho que eu tenha sugerido algumas no post anterior. A questão era só de pensar que seja você capitalista ou socialista, trotskista ou facista, o trânsito te fode do mesmo jeito, então como a gente chegou a este ponto de aceitar a coisa e não tomar uma medida radical a respeito. Tô pensando, neste caso, muito especificamente de SP. Aqui a coisa tá insustentável e não consigo enetender como ninguém se dá conta de que mais vias não vão resolver o problema.
    Carrinhos de bebê! Tinha esquecido deles! Com os de feira eu já pastei um tanto, mas quando morava em república e usava mais.
    O grande interesse do meu trabalho, pra mim, é esse: exercitar meu olhar e minha sensibilidade para uma situação que não me é familiar.

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  5. hoje camilo me disse que um amigo que mora na grande paris disse que as empresas de transporte pediram pra que nao se construisse mais na cidade em que ele mora porque ninguem tem mais condicoes de aumentar as vias de transporte. chegou a esse ponto, hein!

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  6. Achei interssante a ideia da pesquisa e principalmente da sociedade excludente. Trabalho com a inclusão de pessoas com deficiência e sei que a principal barreira é como a sociedade enxerga a deficiência. Antropologicamente, a deficiência é considerada um defeito e não uma condição, o que remete a um pensamento assistencialista. Um paradgima interessante é que quando são definidos direitos da pcd, tais como acessibilidade ou direito ao trabalho, a sociedade considera isso como um privilégio e não como um direito. Você ja viu quantas pessoas desrespeitam a vaga reservada a deficientes físicos? Acredito que isto acontece pq a sociedade não aceita que mundo seja para todos.

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  7. Luci,

    É uma medida polêmica,sabe? Porque em alguns lugares a especulação pode aumentar demais o preço dos imóveis, e os cidadãos mais pobres, justamente aqueles que não tem carro, serem "expulsos" pra regiões mais distantes. Claro que na França o transporte público é muito mais eficiente e isso pode não ser um problema grave. Mas aqui seria.

    Andrea,


    Você trabalha onde? Mas você tem razão, falta as pessoas a noção de que os diferentes devem ser tratados de maneira diferente para terem igualdade de condições. E isso não implica em privilégios, mas em garantia de direito de oportunidade de inclusão. Me incomoda muito essa história de pararem nas vagas reservadas. Nossa, meu lado mal me faz ter vontade de sair riscando esses carros todos. Pena que os estacionamentos costumam ter câmeras...

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  8. Andrea,

    Cliquei no seu nome, e entrei no link. Vou dar uma olhada com calma.

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