quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Sou fã da Elisângela

O caso é o seguinte: hospedada na casa dos meus sogros, fomos domingo à padaria comprar pão-presunto-queijo pro café da manhã. Mal-humoradíssima e sonolenta, preferi ficar sentadinha no carro, de olhos fechados. Nem o cinto de segurança eu tirei. Só que marido estacionou ao lado de um orelhão (pausa: há quantos milhões de anos não escrevo a palavra “orelhão”?). E a fila dos frios demorou horrores, tipo uns 10 ou 15 minutos. Daí fiquei quietinha, ouvindo a conversa de um sujeito com a família no nordeste. E é impressionante como, ouvindo só um dos lados do papo, deu pra inferir todo um modo de vida, e todo um conflito familiar. Vai ficar longo, mas juro que é legal:

“- Gilson, quantos sacos de milho... já deu a parte dela? Divide a parte dela! Fala pra sua mãe que não quero mais ela trabalhando no roçado, porque ela já trabalha demais em casa.”

Pelo sotaque, é nordeste, mas não sei exatamente onde. Há uma pequena lavoura na propriedade da família, talvez mais alguém trabalhe lá pra receber sua parte em milho, mas o marido quer poupar a esposa.

“- Deixa eu falar com sua mãe... Oi minha flor! Tudo bom... melhor se eu tivesse com você... mas chega logo, né?”


Deve voltar pra terra no Natal. Como o sotaque é bem suave, não acho improvável que o pai-de-família esteja há muitos anos no sudeste.

O papo volta para o Gilson que, imagino, seja o filho mais velho. Daí a coisa começa a ficar boa:

“- ... num vai, num vai pra forró coisa nenhuma. Que coisa é essa, que história é essa? Num tem que dar a chave pra ela... deixa eu falar com sua mãe de novo! Que história é essa de Elisângela ir pra forró. Num tem que dar a chave pra ela não. Só se for uma precisão. Quem manda sou eu. Na minha ausência, quem manda é você. Eu me enfio em forró aí? E você vai pra forró? Num tem que ir pra forró!”.

Ó, com todo respeito à palavra do moço, mas dado o visual caprichado (manjam meio rústico, meio macho-alfa?), duvido que ele não pegue um forrózinho no final de semana. Fica sem sexo o ano inteiro? Du-vi-do. E possível que vá procurar companhia num rasta-pé. Mas essa não foi uma suposição assim, baseada em coisas muito precisas, só um palpite mesmo. Pode ser desconsiderada sem prejuízo pro resto da história.

Enfim, mais alguns minutos dessa lenga-lenga “num vai pra forró”.

“- Ela tá indo pra 15 anos de idade e nunca me viu em forró. Quando ela casar, tiver a vida dela, ela vai pra forró, se quiser. Enquanto estiver na minha casa, quem manda sou eu. Eu batalho aqui pra fazer as vontades dela, ela tem de tudo, tem que fazer as minha vontades também.”

Como veremos, Elisângela não é de se deixar dominar, apesar da pouquíssima idade.

“- Como é que ela tá com a moto? Tá andando direito com a moto... oi? Certeza? Num quero que ela te derrube... Então, dia 15 ela é que te leva na comadre Nena ou na comadre Maria, porque eu vou falar com ela. Qualquer uma das duas”.

Bom, ouvi a conversa dia 1º. O que me fez concluir que essas conversas telefônica acontecem a cada 15 dias, na casa de uma comadre, porque a família não tem telefone. Gilson coloca a mãe na garupa da moto, geralmente. Mas, se da próxima vez quem vai é Elisângela, o fato dela ser menor de idade e tecnicamente não poder dirigir não é a questão: o problema é o forró mesmo.


“- Outra coisa que eu queria te falar flor. Fala pra Gilson ver que celular pega melhor em casa, se Tim, se Oi, e eu mando dinheiro pra comprar
um celular. Daí não tem que amolar os outros, ficar nessa precisão de ir na casa de comadre.”

Boa! É a modernidade chegando na roça.

“- Como é que é?!?! Elisângela tem celular? Quem foi que deu celular pra Elisângela?!?!”


Muito viva essa garota!

“- Mas desde quando minha moto é táxi?!”

Tive que me segurar muito pra não rir nessa hora e denunciar minha indiscrição. Elisângela, 15 anos, lá na roça, decidiu que a moto do pai é um ativo pra gerar renda. Faz corridas de moto táxi pelas redondezas e tira uma grana. Conseguiu comprar um celular, e garante um troco pro forró (ou pra se enfeitar pro forró, que eu tô ligada que mulher deve entrar de graça). O irmão mais velho e a mãe não têm autoridade o suficiente pra segurá-la em casa, pra desespero do pai machista e conservador que mora há centenas de quilômetros de distância.

Tem como não amar a Elisângela?

2 comentários:

  1. Não, não tem como.

    Eu era 'pior' que Elisângela...
    Sou ainda.

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  2. Jura, Vanessa? Eu nunca fui do tipo "bocó", "sonsinha", mas nunca fui transgressora. Sou mais conciliadora, sabe? Então, com 15 anos, estudava num colégio técnico do outro lado da cidade, pegava ônibus e metrô, era mais esperta e independente do que normalmente se é nessa idade. Mas dava um boi pra não brigar com os meus pais, não me indispor com eles. Nem era medo, era falta de energia pra briga, sabe?

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