sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Mea culpa, ou sobre a incoerência cotidiana

A coisa mais comum do mundo é encontrar gente se comportando de maneira oposta ao seu discurso. A gente chama isso de incoerência. Quando a gente indetifica, costuma apontar lá o dedão no incoerente. Eu acho que às vezes até é bem válido, quando o incoerente usa o seu discurso para julgar nossas ações, mas se dá ao direito de ter seus próprios critérios. Porque além de incoerente, a pessoa vira uma hipócrita. Mas o ser humano é cheio de incoerências, né?

A família lá da França tinha um discurso politicamente correto e tal, mas não separava o lixo reciclável. E um dia minha “patroa” contou que, numa conversa com os colegas do trabalho, todo mundo deu uma desculpa para não separá-lo, ainda que achasse reciclagem uma idéia fantástica. Uma vez, almoçando com ex-colegas de trabalho, comentou-se o absurdo da quantidade de veículos em São Paulo circulando ocupados por somente uma pessoa. Daí Fulano lembrou que era vizinho do Sicrano, e do Beltrano. E todo mundo se deu conta de que tinha um colega de trabalho morando em seu bairro. Mas apesar disso, concluiram que dar carona não funcionaria porque “tolheria a nossa liberdade de ir e vir nos horários mais convenientes”.

O blog 7 x 7 da Época tem umas coisas muita machistas e retrógradas às vezes, como o post sobre a Dilma, mas a mesma Ruth de Aquino, capaz daquele discurso reaça de carteirinha, fez um post que me comoveu bastante. Fala de um documentário sobre mulheres de diferentes idades e classes sociais que contraíram Aids de seus maridos. E aí eu percebi uma enorme incoerência minha, e me incomodei muito. Com todos ex-namorados, ficantes, one-night-stand e etc, sempre usei camisinha. Conheci o namorido há dois anos, quando eu e ele já tinhamos “aproveitado bastante a vida”. Quando começamos a sair, usávamos camisinha, mas um dia deixamos de usar. Conversamos sobre o assunto, mas pra ser honesta, não consigo me lembrar de todos os termos. Não fizemos exame antes. Deixo muito claro que também não foi uma imposição machista dele: só deixamos a camisinha porque eu concordei sem nenhuma resistência. Como sou doadora de sangue, ele ainda tinha essa garantia de que, muito provavelmente, eu estava “bem”. Eu, nem isso. Há um acordo de que, se um dia (ou quando, pra ser mais realista) transarmos com outras pessoas ainda estando juntos, vamos ter o cuidado de usá-la.

Mas, putz, e daí, né? Quer dizer, o namorido pode ficar chateado ao ler isso (mas acho que não), mas quem me garantiu que ele não tinha HIV quando a gente se conheceu? A palavra dele, que talvez nem soubesse também? E quem o garantiu que eu não fosse HIV positiva? A última doação de sangue que eu fiz 6 meses antes de conhecê-lo? Não, né. A gente fica romântico, e fica burro. Honestamente, não acho que “isso nunca vai acontecer comigo”. Sei, muito conscientemente, dos riscos que corremos, eu e ele, até porque “mulher contrair HIV do marido” não é uma ficção, há um caso assim no nosso círculo de relações. Porque se comportar assim, então? Não sei responder.

E me sinto ainda pior porque eu não aponto o dedo na cara, mas muitas vezes julgo a falta de cuidado do outro, sabe? Apesar de ser pró-aborto, tendo a, no meu íntimo, acreditar que a pessoa que engravidou sem ter se planejado não fez o suficiente para evitar a gravidez, porque eu sempre usei pílula E camisinha. Não uso agora porque um filho não planejado neste momento seria bem vindo. Mas contrair uma doença venérea não seria bacana em momento algum, óbvio, e isso eu não estou evitando. E este post é um mea culpa: não posso julgar. Nunca, jamais em tempo algum, porque eu também sou humana.

Não sou insensível a ponto de dizer “bem-feito!”. Nem pra quem se descuidou engravidou sem se planejar, nem para a mulher que aceitou voltar para o marido violento e apanhou de novo e, nem pra quem contraiu câncer de pele de tanto torrar no branzeamento artificial. Tenho a delicadeza de me solidarizar com os dramas do outro mesmo sendo decorrentes de atitudes que não combinam com o meu discurso, porque o respeito a alteridade, ao direito do outro de ser outro, é fundamental pra mim. Só demorei a me dar conta de que o outro do meu discurso, às vezes, é a minha ação.

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