segunda-feira, 5 de abril de 2010

A orgulhosa individualista que se casou

E aí que eu tenho essa enorme dificuldade de entender que o feminismo não é individualista e que brigar pela autonomia da mulher não significa, de maneira nenhuma, dizer que ela tem que “se bastar” em tudo. Que não pode aceitar ajuda e etc. A intransigentemente orgulhosa sou eu, não a agenda feminista. Isso tem de estar claro.

Daí que quando o marido me conheceu eu dividia uma apartamento com outras 3 meninas que eu conheci pela internet. Montamos uma república meio no susto, e a coisa até que funcionou muito bem por um tempo. Eu achava bacana, sabe? O meu lado ecológico sabe que é insustentável para o planeta todo mundo ter uma geladeira tanto quanto é insustentável todo mundo usar carro todo dia (eu vou trabalhar de trem). Um ano e tanto depois, relacionamento estável entre eu e mocinho, resolvemos dividir o teto.

E, puxa, o meu lado orgulhoso tem sofrido pra entender isso. Porque eu não tinha dinheiro para pagar o aluguel do apartamento na república sozinha, mas se alguém saísse, era só fazer uma seleção e colocar outra pessoa no lugar (sim, passamos por isso, e interessadas não faltavam). Mas aqui eu não dou conta do aluguel sozinha e às vezes me incomodo. Com o agravante de que o marido daria conta do aluguel sozinho, se fosse o caso. Ele nem ganha assim taaaanto mais do que eu. Mas é a diferença entre fechar a conta e não fechar.

E lógico que ele não me cobra isso, tão loucas? Nem faria sentido. E, racionalmente, eu sei que ele não me sustenta. Que a gente tá nessa juntos. Que se uma hora der errado, eu não pago o aluguel desse, mas pago o de outro, ué? Mas tem o demônio do orgulho. Semanas atrás, numa crise, cheguei a cogitar procurar um lugar mais barato só pra me sentir mais em paz, mas racionalmente falando, seria ridículo. Teríamos que mudar de bairro, de repente ir pra mais longe, ter menos conforto. Mais fácil eu deixar de ser cabeça dura e entender que, poxa, casamento também é isso.

Daí tem outra coisa engraçada. Por sugestão do marido (ele adora créditos, então estou dando), abrimos uma conta conjunta, que funciona assim: cada um deposita lá parte do salário, pra nossas despesas de casal, e mantém separado o seu dinheiro de “caixa 2”. Então a gente não fica fazendo contas: são os dois que pagam por tudo. Mas, puxa, até isso me incomoda. Primeiro que, centralista que sou, tenho a maior dificuldade de compartilhar organização com alguém. E maridinho é organizadíssimo pra tudo nessa vida, menos pra dinheiro. E eu sou o inverso. Na república, eu é quem pagava todas as contas, e depois cobrava das meninas. Mas aqui resolvi relaxar um pouco. Entro em casa hoje e encontro aviso de cobrança da Net. Valor em aberto. Ligo pro marido: “mas não tá no débito automático?”. Não tá, marido. Tá escrito lá: pagamento com boleto. E ele já esqueceu outra vez, e já recebemos outra cartinha (mas foi só uma, nas outras ele pagou na data). Pra piorar, a conta é conjunta, mas só mandam um cartão de senhas pra operações pela internet. E eu quero resolver logo isso, mas o cartão está com quem? Com o marido. E ele está onde? Na faculdade. Isso, respira, control freak. Vai surtar por tão pouco?

Agora, humilhação mór, é que na conta conjunta ele é o “titular 1”, e eu o “titular 2”. Felizmente não usam o termo “dependente”. Mas um dia precisei checar informações por telefone e me pediram o CPF e o RG dele. E eu argumentava que eu era titular também, caráleo. Não. Uns são mais titulares que outros. Ah, e o cartão de crédito é dele, o meu é “adicional”. E a primeira vez que fui lá transferir dinheiro pra nossa conta, acessei a função “para contas do mesmo CPF”. Não funciona. O CPF titular da conta é o dele.

Moral da história: eu sou cabeça duríssima. Apesar de racionalmente entender que eu não sou dependente de ninguém, que somos duas pessoas que colaboram uma com a outra para a felicidade mútua, o subconsciente orgulhoso ainda tem muitas dificuldades de assimilar. Mas, ó, falando sério: o sistema bancário também não colabora.

14 comentários:

  1. Nossa, que complicação heim? Mas quem usa mais a conta? Quem organiza mais as contas? Vc deveria trocar no banco e se tornar a titular. Que coisa, aqui na França temos uma conta conjunta (pra provar pra imigração que somos um casal de verdade, hunf!) e temos poderes iguais! Bom, se bem que aqui nem existe cpf, hehehe!

    Eu tbm me irrito muito com esses detalhes que nos minimizam diante de certas situações. Mas se aqui na França temos certas vantagens, uma das grandes desvantagens é o nome que aparece no envelope: Madame sobrenome do marido, mesmo se a madame não pegou o sobrenome dele. Grrrr!

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  2. Então, Amanda, eu nem pensei no lance de quem usa mais. Quando abrimos a conta, eu pensava nesse titular 1 e 2 simplesmente como uma sequência, não como hierarquia. O lance é que eu não queria monopolizar o controle justamente porque confiar faz parte do processo (no caso, do processo de estar casada). Achei bom relaxar e saber que alguém pode fazer também, não por uma questão de gênero (marido paga as contas) mas por uma questão pessoal de aprender que eu não sou a única pessoa no mundo que pode fazer as coisas (acredite: às vezes eu acho que sou). Só que aí, e também por conta do status de "menos titular" eu fui largando geral na mão do marido, e agora tô me sentindo alienada demais. Mas tô revendo isso, porque é preciso.

    O lance dos sobrenomes na França é foda mesmo. Minha amiga casada que vive aí adotou o nome do marido numa boa, mas não sei se pra mim rolaria. Eu lembro de uma brasileira que disse uma vez na comunidade do Orkut que simplesmente jogava fora as correspondência destinada a Madame "nome do marido". Ela dizia que aquela pessoa não existia. Pior, se existisse, se sentiria violando a correspondência dela. Achei engraçado, mas a gente sabe que na França corre o risco de jogar coisas importantes fora se adotar esse princípio. Tipo a correpondência do banco mesmo.

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  3. post bem em tempo!

    pois semana passada eu me demiti. vivia numa situacao tao parecida com a tua que chega a ser engracado! eu poderia me sustentar. jamais pagar o aluguel sozinha, mas dava minha contribuicao e ficava tranquila. mas sempre achei um saco cada saida da gente pra comer fora, por exemplo. a gente fazia isso porque ele podia bancar, eu nao. eu ganhava 1/4 do que ele ganhava, mas tudo bem, tambem tentava nao ser neurotica. mas agora me demiti pra arrumar algo melhor. soh faz uma semana e meia, mas ja tou com os nervos a flor da pele. eh horrivel. mas horrivel mesmo foi uma discussao que tivemos quando casamos. tipo assim, tres dias depois. achei que o casamento fosse terminar ali e a briga foi imbecil, por questao de grana. eu disse que nao me importaria de dividir tudo, afinal, eramos casados. e ele nao pareceu confortavel com isso. aih pronto, minha dignidade de femea feminista foi afetada e eu rodei a baiana e disse que se nao fosse pra juntar tudo numa coisa soh, a gente teria que carimbar cada eletrodomestico com o nome do sujeito que comprou. aih ele ficou mal com minha reacao. viu que nao tinha sentido, mas eu acabei querendo, no fim das contas, uma conta separada. eh mais ou menos como tu dissesse: cada um tem a sua onde o salario eh enviado. e os dois juntos tem uma poupanca com as sobras dos salarios... mais ou menos justo, pro meu descanso...

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  4. Super me vi nesse post. Eu sou tão controladora, individualista, orgulhosa que fico pensando: "caralho, no dia que eu casar tô lascada, ninguém vai me aguentar". Eu sou daquela pessoas que vê ZERO em problema de pagar cinema, jantar, pizzar, o que for pra amigo curto de grana (ou namorado) mas que tem sérias dificuldades em aceitar namorado que faz isso (ok, sejamos sinceras, tenho dificuldades de aceitar até presentes, tipo um livro caro que eu queria muito. Paro nos cds).

    Eu sei que isso não tem nada de feminismo e tem tudo de orgulho, mas o povo sempre confunde e acha que é feminismo...rs

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  5. ÁHÁ!!!!! NÃO SOU A ÚNICA PESSOA LOUCA DESTE MUNDO!!!!!!!!! Me senti tão bem recebida por esse bando de malucas (tanto no post, como nos comments), que já to seguindo.

    Pq nos deixamos levar taaaaanto pelo emocional, hein???

    Odeio quando me permito surtar por simples orgulho!! Mas... quem sou eu pra mudar isso, né??? ahahahah

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  6. ahahaha Iara não pude deixar de rir. Cara, entendo seu incomodo, mas acho que qdo a gente vive junto, tem certas "organizações" que são necessárias. E a gente tem q escolher o que é mais útil, prático e etc. Nada a ver com autonomia, não mesmo. Seria até simples, se fosse só isso. O buraco da autonomia é bem mais embaixo. bjobjo

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  7. Luci,

    Entendo total seu caso, viu? É um desafio mesmo a gente equilibrar isso. Mas acho que a gente tem que abstrair um pouco a grana da jogada, não tem outro jeito. Porque não é você quem quer ser sustentada, é ele quer quer você ao lado dele e por isso, nestas circunstâncias, tem que pagar a conta do restaurante. Porque se ele te ama, teria menos graça ir lá sem você, com certeza. E outra, como disse um amigo meu, status finaceiros muda tanto. Um dia é o cara que ganha mais, no outro pode ser você. E aí? Vão brincar de cabo de guerra emocional?

    Daniela,

    Quando eu contei do surto pra uma amiga ela mandou na lata: "não é feminismo radical?". E difícil explicar não, não é o feminismo, é a Iara mesmo. Mas olha, eu tô aprendendo a ser diferente, e recomendo essa mudança a você, independentemente de estar com alguém. A gente não pode só doar, gata. É preciso entender que, se a gente é gente boa, é normal que as pessoas queiram nos agradar tanto quanto nós estamos disposta a agradá-las.

    Caro,

    Eu surto muito. Tenho dó do marido, às vezes. Combinamos que na próxima vez que eu estiver surtada, ele sai pra tomar uma cerveja e me deixa falando sozinha. A gente deixa a DR pra quando o surto passar e eu tiver feito a análise racional depois.

    Haline,

    Pois é. Não dá pra ficar numas de "estamos-juntos-mas-eu-sou-uma-pessoa-independente" o tempo todo. Só pra provar pra mim mesma? Ou pra dar "testemunho", como dizem os evangélicos? Não, né? E como você disse se autonomia fosse simplesmente isso, tava fácil. Mas é um exercício. Menos de um ano vivendo debaixo do mesmo teto. Eu aprendo a equilibrar isso melhor.

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  8. Eu sou super diferente nesse sentido. Quando fui morar junto com o maridão a gente até tentou separar uma "caixinha" para contas, mas durou um mês.
    Agora a gente se organiza na base é tudo dos dois: o dinheiro, as coisas, as contas. Então eu uso o cartão dele e ele usa o meu. Nos 9 anos em que estamos juntos já houve épocas em que ganhei mais, muito mais, menos e muito menos que ele (autônoma tem dessas coisas) e acredito que esse arranjo fez com que ninguém se sentisse diminuído ou sustentado pelo salário do outro.
    Mesmo assim já aconteceram coisas que me tiraram do sério. Ano passado compramos um pacote para viajar e eu acabei tomando conta de tudo, negociei com a agente da empresa, paguei com o cartão no meu nome, e dei o nome dele como acompanhante. E mesmo com sobrenomes diferentes, quando chegamos lá percebemos que todas as reservas foram feitas no nome dele, fiquei passada...
    Enfim, divago, adoro seu blog, desculpe o comentário gigante.
    Aninha

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  9. Imagina Aninha! Gigante nada! Eu também não sei escrever pouco.

    Olha só, organização é muito pessoal mesmo. E quanto ao dinheiro, um colega de trabalho que não entende nada de feminismo me disse uma vez que um casal nunca pode atentar a isso de "quem ganha mais". Porque isso é tão dinâmica, vai enlouquecr cada vez que as coisas mudarem? Mas meu relacionamento é bem mais recente do que o seu, eu chego lá!

    Agora sobre a viagem, é de matar de desgosto. Nas últimas férias, tivemos um problema num restaurante, nenhum cartão passava, a gente tava sem grana, tive que passar o meu, corporativo. E na hora de trazer o canhoto pra assinar, o garçom não estendeu automaticamente pro meu marido? Ele me viu turando o cartão da minha carteira, com o meu nome. O que o marido teria a ver com isso? Fiquei uma fera. Imagino você.

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  10. ô Iara, desculpa invadir este espaço feminino. Mas é uma visão do outro lado.

    Eu estou casado sem papel ('juntado') há 18 anos, com uns três-quatro meses de namoro antes, no máximo. Pois a partir da primeira semana de namoro, nossas contas e salários simplesmente se fundiram. Paga quem tem dinheiro na hora, o dinheiro que entra é de todos, ninguém faz qualquer conta de quem pagou mais ou não.

    Confesso que não saberia conviver com minha parceira de outro jeito.

    abs e adorei o blog. posso seguir?

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  11. Hei, Duda!

    Esse não é um espaço feminino, no sentido exclusivo da palavra. Só no sentido de inclusão mesmo. E se eu uso vocativos femininos é porque imagino, pelos comentários e seguidores, que tem mais mulheres por aqui. E vai ser uma honra ganhar mais um seguidor.

    Então, eu acho que você tá muito certo com isso de uniu, e é tudo de todos. Mas, pra ser honesta, não sei se eu conseguiria. Marido talvez mais, mas eu não sei. Porque eu sou muito mais pão dura e marido mão aberta que só. E eu não quero desgastar a relação me preocupando com grana. Parecer mesquinha, sabe? Então, apesar do "nosso" dinheiro ser a maior parte do orçamento, pra nós tem funcionado cada um ter o "seu" dinheiro. Mas nada fechado, né? Pouco tempo de relacionamento ainda. Sou super aberta a mudar a coisa no futuro se não estiver funcionando.

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  12. Eu tenho uma sugestão para tentar unir as duas coisas: juntar o dinheiro dos dois e ao mesmo tempo cada um ter o seu dinheiro pra gastar como quiser. Seria assim: o dinheiro que cada um recebe é dos dois, junta tudo, vai tudo para uma conta conjunta. Dessa conta saem os pagamentos das coisas em comum: aluguel, contas, saídas a restarurantes, etc. Além disso, cada um tem a sua conta. O dinheiro da conta conjunta é transferido para as contas individuais sempre na mesma quantidade. Ou seja, se for transferido 100 da conta conjunta para uma das contas individuais, deve-se no mesmo instante transferir 100 para a outra conta individual. Assim ao mesmo tempo que as contas estão unidas, cada um tem o seu dinheiro para economizar ou gastar como quiser (inclusive para dar um presente pra outra pessoa!), sem precisar dar satisfação pro outro. E na conta conjunta também pode ser feita a economia do casal. O importante é que a questão financeira não atrapalhe a relação. E diferença de salário não deveria incomodar um casal que escolheu viver a vida juntos porque acham isso melhor do que viverem sozinhos.

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  13. Ah, o sistema bancário não colabora mesmo. Esse negócio da conta conjunto ter um titular mais titular que o outro é muito chato.

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  14. Oi Valdson,

    Que bom que você gostou do blog. E melhor ainda que comentou. Eu vou tentar achar todos os seus comentários em posts antigos pra responder, tá?

    Olha só, eu não sei se eu entendi bem o esquema que você sugeriu, mas a gente tem é isso mesmo: uma conjunta e uma separada pra cada. Depositamos uma quantia proporcional ao salário de cada lá, e mantemos na outra o separado. E funciona. A encheção de saco era só com conjunta mesmo.

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