quarta-feira, 24 de março de 2010

A História da diferença. Sempre ela.

Marido mandou este link. Sobre a história de que homens e mulheres são diferentes, e tendo a possibilidade de escolher, mulheres, em geral, preferem ter mais tempo livre (principalmente se tiverem filhos) e homens preferem ter mais dinheiro. E puxa, é difícil comentar uma pesquisa que a gente não conhece, baseada só num recorte. Porque se a pesquisa em si já é um recorte da realidade, feito a partir de um ponto de vista xyz, a matéria sempre vai ser o recorte do recorte. Mas incomoda como as coisas podem ser interpretadas de um jeito tão enviesado, só pra reforçar certos preconceitos.

Eu acho que, no geral, todo mundo gostaria de trabalhar menos. Mas do que isso, todo mundo deveria trabalhar menos. No meu mundo ideal, as crianças ficariam mais tempo na escola, os pais menos tempo no trabalho, e a conta fechava. E, lógico, quem não tivesse filhos preencheria aí sua vida com outras coisas bacanas. Mas segundo a matéria, a pesquisa chegou a conclusão de que os homens não querem isso. Eles querem trabalhar muito mesmo pra ter mais grana. E as mulheres, mesmo que não tenham crianças, acham que há outras coisas importantes em suas vidas além do trabalho. Por isso os salários mais baixos, porque o trabalho não é importante para nós como é para eles.

Se você é homem aprendeu, desde pequenininho, que o cara bem sucedido é o que tem grana. Mesmo que sua família tenha te dado uma educação mais humanista, a sociedade vai repetir essa mensagem. (Quase) ninguém acha que sucesso é ter tempo para os filhos. Ou até acha, mas só se a a Mercedes estiver garantida na garagem. Tempo virou um luxo – e luxo é só pra quem pode. Então, qual o espanto se, ao ser peguntado se prefere trabalhar menos, o cara disser que honestamente e “do fundo do coração”, quer continuar ralando mais horas lá, pra ganhar mais grana? Pode ser que nem seja fruto de uma ambição desmedida. Ele muitas vezes acredita que ganhar mais grana é o melhor que ele pode fazer para sua família.

Pra mulher a coisa funciona de uma maneira diferente. Sim, bacana que você tenha um trabalho. Aliás, sensacional, você fica independente e pode comprar quantos sapatos quiser sem pedir dinheiro pro marido. Puxa, o máximo. Mas, ó, as crianças são tão mais felizes com a mãe por perto. Você quer ser uma mulher completa, não quer? Tipo, dar conta de tudo, né? Afinal, você é homenageada no dia 8 de março por isso, porque você dá conta. Então, continuar trabalhando, mas ter uma jornada menor (no escritório, que fique bem claro) e ter mais tempo para os filhos é realmente o ideal.

Ah, sobre o comentário lá do cara de Harvard. Pode ser sim que boa parte das mulheres não goste tanto de exatas. Mas entre gostar e não ser lá muito apto, vai uma enorme diferença. Olha só, eu também sou da turma das Humanas. Até hoje não entendo Física direito (embora meu raciocínio lógico matemático seja bem competente). E isso prova o quê? Só que aquilo não era essencial pra mim. Se fosse, eu dava conta, pode ter certeza. Como muita gente por aí dá conta das coisas mais improváveis. Então, o fato das mulheres terem se estabelecido primordialmente em profissões em que são bem aceitas, e mais, o fato de se sentirem à vontade assim, não significa em absoluto que é “natural” do ponto de vista biológico e não exista um condicionamento social. E a princípio tudo bem agir de acordo com o este condicionamento, contanto que: a) a gente não remunere mal uma categoria por ser formada essencialmente de mulheres e b) que a gente não olhe com desconfiança uma mulher que queira fazer algo completamente fora desse espectro. O problema nem é o condicionamento em si, mas a consequente discriminação, tanto pra quem o segue, quanto pra quem escolhe outro caminho.

E, bom, se fala lá que isso é estatístico, mas lógico, as experiências individuais podem ser diferentes. Sempre há pontos fora da curva e tal. Mas não vejo “naonde” isso pode ser biológico. A matéria fala de sentimentos. Que as pessoas realmente “se sentem assim”. Olha só, eu também tenho um ponto de vista crítico sobre o sexismo e isso não me impede de me sentir culpada nas situações mais improváveis, né? Eu não vivo nas leituras feministas. Eu vivo neste mundo machista e consumista, e é neste mundo que eu faço minhas escolhas, que tento equilibrar a realidade e as minha expectativas pra ser feliz. Eu e todo mundo que foi entrevistado pela pesquisa.

E lógico, a matéria (e talvez a pesquisa) não dá conta do óbvio: porque mulheres que têm a mesma profissão que os homens e se dedicam da mesma maneira, em geral, tem salários mais baixos? Marido contou outro dia que rolou uma equiparação salarial na empresa onde ele trabalha. Por conta de uma discussão que não deveria ser aberta, mas a rádio-peão tomou conta, galera ficou sabendo que a única colega engenheira numa área cheia de homens ganhava menos que os seus colegas com a mesma experiência. Ah, ela é solteira, e sem filhos. Não tô lá com eles, mas até onde eu sei, não trabalha menos que ninguém.

4 comentários:

  1. Na minha opinião essa preferência masculina pelas exatas também tem a ver com cultura...
    Quantas crianças e adolescentes a gente conhece que gosta ou tem facilidade nessa área? Poucos né? Aliás, mesmo na faculdade, é a área em que ocorrem mais reprovações, desistências, as pessoas demoram mais pra se formar, enfim...
    Só que essa área é melhor remunerada, o cara recebe a mensagem desde novo que dinheiro e status é o mais importante e embarca nessa mais facilmente...
    Se as Humanas fossem mais remuneradas que as Exatas, desconfio que a maior parte dos homens estaria nela...

    Abração

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  2. Oi, Iara.

    Eu acho que é muito bom parar tudo e ler Foucault. Um ponto: cuidado com o óbvio. E disso você tratou aqui: é um saco essa mania de ver tudo como 'natural', 'inerente' à condição feminina. Blargh. Como se não vivêssemos enterrados, todos, até o pescoço, em contextos culturais que delimitam, sim, nossa visão de mundo e alteram, sim, nossas 'decisões'. Claro, não vamos ao fim do espectro e bater o martelo dizendo que ninguém sabe o que faz. Não é pra tanto, temos nossas individualidades, ainda. Mas sair explicando nossas relações sociais baseando-se em diferenças supostamente naturais é forçar demais. Meninos são ensinados a lutar e se impor. A prover. Meninas são ensinadas a andar na moda e ajudar ao próximo. Querem o quê? Né não?

    Beijinho!
    Rita

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  3. Laurinha,

    Eu concordo com você. Não tem só o lance do gostar, tem a história da carreira que ode te remunerar melhor, e de novo a preocupaçao masculina com grana. Mas acho que, mesmo que fosse mera questão de gosto, não provaria nada, né?


    Rita,

    Você tem toda razão. O óbvio é uma armadilha. E a matéria dá no saco pq dá a entender que o discurso feminista é que é opressor, é que julga as mulheres por "não serem como os homens". Tremenda inversão, que ódio. Ninguém quer problematizar nada e entender porque funciona assim. Fora a preguiça, né? Com todo o respeito aos profissionais da área, mas dizer que a diferença é genética e um jeitinho bem autoritário de encerrar a discussão...

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  4. Oi Iara
    Li com bastante atenção suas três últimas postagens e concordo com suas idéias. Também penso assim como você e tenho gostado muito que a blogosfera está movimentando esse assunto que nos interessa muito, afinal somos mulheres e vivemos num mundo que nos discrimina veladamente e em muitos casos, ostensivamente. Essa história de ganhar menos (as mulheres) porque trabalham menos, é uma falácia, uma molecagem. Todos sabemos que as mulheres trabalham tanto ou mais que os homens e, ganham menos. Concorremos em disparidade de condições e para ganhar mais, temos que ser, no mínimo duas vezes melhor. Essa é a realidade, não adianta enfeitar. A esse respeito, eu já expus meu pensamento em outros comentários que fiz em outros blogs. Agora trago um pouquinho, algumas palavras pra ver se você concorda comigo. Transcrevo-as, no ponto que interessa:

    "... Não acho que a mulher esteja se masculinizando, o mundo em que estamos vivendo é masculino. Nós mulheres estamos na luta, e estamos justamente em época de travessia, pois não conquistamos ainda nossos direitos aos olhos da sociedade como um todo. É certo que existem leis que nos colocam lado a lado com os homens, e isso é, sem dúvida, um grande caminho andado, mas não é tudo, precisamos ainda de mecanismos ágeis para fazer cumprir essas leis. Por outro lado, penso que a mulher necessita entrar no jogo masculino para conhecer as regras e estudar os meios de modificá-las para que possam servir aos dois gêneros, aos homens e às mulheres, senão, é malhar em ferro frio. Se ela sofre? Mas é claro, sofre física, psíquica e socialmente, mas no presente momento é o preço que estamos pagado pelas nossas conquistas. E digo mais, temos pela frente a mais árdua luta de todos os tempos: a conquista de um salário digno, compatível com as funções que exercemos. E aqui o bicho pega. Sem dinheiro, nada feito. O resto é perfumaria. Mulheres nos postos de comando, são exceções, porque será hein?..."

    Iara, já postei algumas coisas a respeito. Se quiser pode dar uma espiadinha nesse link:
    (http://marliborges.blogspot.com/2009/12/livre-para-pensar-e-escrever.html)

    A propósito, até pretendo repetir esse post, porque na época da postagem, meu blog era pouco conhecido e o assunto não foi explorado como poderia.
    Beijo grande amiga. Adorei teu blog.

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