sexta-feira, 23 de abril de 2010

Nota breve sobre o racismo

A notícia é velha, mas como fala de futebol e o jogo de volta foi na quarta-feira, eu fiquei matutando. Porque na semana passada, no jogo Palmeiras e Atlética Paranaense, um jogador atleticano deu uma cabeçada num palmeirense, os dois se enfezaram, e o último cuspiu no primeiro e o chamou de “macaco”. Findo o jogo, o ofendido foi prestar queixa na delegacia e abriu-se um processo por injúria de teor racista, que é diferente de racismo. Racismo é exercer seu poder pra excluir o outro diretamente (numa entrevista de emprego ou num elevador, por exemplo), diferente deste caso, em que houve ofensa verbal.
Uma vez eu li, no contexto da discussão sobre a legitimidade das cotas, algo bem interessante. Que essa historinha de que “não dá pra saber quem é negro no Brasil” é uma tremenda balela. É só o cara bater no seu carro. Aí você vai lá e chama de “criolo filho da puta”. E eu achei a definição muito precisa e ilustra bem este caso do jogo. O cara não deveria ter dado a cabeçada. Mas deu. E qual é a primeira coisa que o agredido lembra? Que o cara é negro. É foda, por que não existe xingamento politicamente correto, né? Mas se eu chamo alguém de “imbecil” ou “desgraçado”, é muito particular. Não tô desqualificando todo seu grupo social por tabela.
Meu caso específico, se alguém me sacanear, não consigo me imaginar sequer pensando “tinha que ser preto, judeu, japa, whatever”. Mas consigo me imaginar chamando de “filho da puta”. E, olha só, não tenho orgulho de assumir isso, porque eu me identifico aqui como feminista. No Fórum Social Mundial de 2005 assisti a um debate com profissionais do sexo que diziam o quanto o estigma do “filho da puta” era ofensivo à categoria. Só faço um aparte pra dizer que acredito que a expressão ficou tão universal que ninguém, quando a usa, deve ter em mente “você é desonrado porque sua mãe tem uma conduta sexual reprovável”, o real significado - o que não tira a legitimidade da queixa das prostituas, claro. Mas quando alguém chama um negro de “macaco”, não dá pra dizer que “abstraiu” o significado. Não acredito de jeito nenhum.
E fiquei pensando que o jogador do Palmeiras (meio que) se desculpou. Eu acho que dá pra gente se desculpar pelo que a gente faz, mas não pelo que a gente pensa. E o cara pensa, nem que seja no fundo do subconsciente, que a cabeçada cretina tem alguma coisa a ver com a cor.

Enfim. Acho triste.

8 comentários:

  1. Sobre esse ultimo paragrafo, eu li um comentario no blog da Lola (que depois perdi, chuif) onde uma feminista, acho que era a Beauvoir, dizia que não tinha importância o que você realmente pensa, mas o que vc expõe pra sociedade. Você não gosta de negros mas sabe que isso é racismo? Então fique na sua, fingindo que gosta, sustentando as aparências pra sociedade. Se todo mundo fizer isso, em duas gerações o racismo acaba. Ela falava sobre o preconceito contra a mulher, mas acho que cabe para o racismo tbm.

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  2. Amanda,

    Eu já li sobre isso em algum outro lugar e acho que faz muito sentido, claro. Quando a gente fala de preconceito, a gente não tá dizendo nunca da esfera privada da vida de alguém; na intimidade eu posso pensar o que quer que seja, contanto que minhas relações com outrem se estabeleçam de forma civilizada. Mas, acho mesmo que, na prática, basta a situação sair da sua esfera de controle, como com uma cabeçada ou com um carro batido, pras coisas virem à tona. E daí a desculpa "mas foi no calor de momento", soa péssima pra mim, sabe?

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  3. Me revolta é o discurso de alguns jogadores: Ahhh, mais é coisa do futebol. Foi dito no calor do jogo...

    Não, não é coisa do futebol. È coisa de gente pequena e mal educada.

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  4. Mas é muito triste mesmo. Porque pelo menos pra mim, o tal jogador que ofendeu só falou o que ele sempre pensou, mas nunca teve coragem de falar. Foi só jogar um palito de fósforo e ele explodiu.

    ;**

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  5. então, parece fazer sentido essa de abafar o que a gente realmente pensa (pra que a situacao mude posteriormente), mas é como você disse: basta alguma que alguma situação saia do controle pra que a verdade venha à tona. claro que acho que se você tem pensamentos de merda do tipo "mulher e negros são inferiores", seria bom mesmo que você enfiasse e deixasse esses julgamentos num lugar bem especial :)

    mas não tem jeito. as feministas precisam de multiplicar e ensinar seus filhos a serem decentes. não é o joão bobão que reprime seus pensamentos que vai fazer alguma coisa mudar...

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  6. Alee,

    Pois é. Foi dito no calor do jogo, claro. Mas eu acho sério, sabe? Uma coisa é mandar tomarno cu, outra bem diferente é diminuir o outro baseado em algo que ele não escolheu.

    Melina,

    É o que acho também. Eu não consigo me por na mesma situação. Quer dizer, me vejo na situação de xingar alguém, claro, sempre. Mas não assim.

    Luci,

    Então, eu realmente tenho problemas com essa teoria do que o que vale é o comportamente social. Porque qual o valor que você vai passar aos seus filhos? O seu ou o que você acha que é certo? Se a pessoa se envergonha de sua formação racista/machista etc e deseja reprimi-la, reeducar-se, é uma coisa. Se a história é só posar de politicamente correto, eu acho que uma hora a coisa degringola mesmo.

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  7. É difícil querer dizer alguma coisa já que minha pele não é muito escura, mas acho que se ela fosse escura eu ia tentar não me importar com um xingamento imbecil como esse, tentaria responder apenas algo como: sou tão macaco quanto você. Eu tento não usar o "filho da puta", mas ainda não achei algum ximgamento que tenha o mesmo peso sonoro e às vezes acabo usando sem querer. O melhor que consegui até agora pra substituir foi "seu bosta" ou "você é um merda" e variações. Alguém tem alguma outra idéia?Semanticamente "filho da puta" pra mim é um xingamento totalmente sem sentido. Respeito muito o trabalho das profissionais do sexo, não acho que seja nenhuma ofensa chamar alguém de puta, muito menos de filho da puta. É uma pena que essa profissão seja colocada à margem da sociedade e que na maioria das vezes quem a exerce o faz por falta de opção, e não como uma escolha. Acho uma profissão bonita e muito importante para o equilibrio social. Acho lindo alguém disponibilizar sua intimidade para oferecer prazer a outras pessoas. Parece que houve uma época na antiguidade em que as prostitutas eram super respeitadas na sociedade: http://leiturasdahistoria.uol.com.br/ESLH/Edicoes/15/artigo119600-1.asp

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  8. Valdson,

    Acho que o caso da prostituição é bem complexo mesmo. Envolve muita hipocrisia, as visões de cada um sobre o sexo, sobre o corpo, sobre relações e sobre o dinheiro. Mas, sem me aprofundar muito, como não julgo moralmente a prostituta, não deveria usar o termo como ofensa, né?

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