domingo, 1 de agosto de 2010

Escolhas

Pois é. A vida é feita delas. Quando a gente é livre, pode e deve fazê-las, mas tem que arcar com as consequências delas. E há pessoas que nem dão conta de serem livres justamente por isso: porque gostam que poder jogar em ombros alheios suas frustrações.
Considerando que vivemos numa sociedade machista, que minha mãe tem lá seus dogmas religiosos e tal, eu sou bem livre, até. E leve, no geral. Definitivamente há escolhas das quais eu me arrependo, mas sem nenhum peso: toda escolha é uma renúncia, e tento não focar nas ausências, mas nas presenças.
Estudei Letras. Amei o curso com todas as forças. Agora, na pós, lembrei que algum dia eu pensei em prestar Economia, mas não tive coragem de sair de São Paulo pra estudar na Unicamp (o curso da USP é mais neoliberal, e eu definitivamente não queria isso pra mim). Meu primeiro vestibular foi pra Jornalismo, eu passei numa particular, não passei na USP e não quis pagar. Passei pra Letras no ano seguinte, comecei a faculdade um pouquinho mais tarde (já com 20 anos) e gostei.
Eu trabalhava em multinacional durante o dia, e vivia divida entre dois universos. Dividida modo de dizer: eu amava o acadêmico, rejeitava o corporativo, mas não queria abrir mão da grana. E tive lá minhas recompensas. Quantas pessoas você conhece que podem pagar 1 mês de curso na Espanha (mais passagem, estadadias e passeios) com as próprias economias aos 21 anos de idade? Pois é, eu pude.
Só que eu sempre tive (e continuo tendo, aliás) uma insegurança intelectual enorme. Eu até sonhei durante algum tempo com a carreira acadêmica, mas achava que o mundo corporativo é que era meu lugar. No mundo corporativo a gente não precisa ser super inteligente, basta ser um pouco capaz e minimamente espertinha. E isso eu sou. E eu achava que esta história de professores que "apadrinham" alunos só acontecia com gente brilhante, ou quem batalhasse muito para ser reconhecido. Mas um professor muito bacana gostou de mim. A ponto de me incentivar muito. A ponto de me convidar para um grupo de estudos com gente da pós. E, puxa, isso aumenta as inseguranças de quem é insegura, viu? Porque a gente surta com o medo de não corresponder.
Num sábado qualquer, ainda na época da faculdade, encontrei esse professor na fila do cinema. Foi como ver uma assombração. Eu lá, sem graça, assustada, e o cara puxou papo e disse: "Iara, quando você vai explorar seu potencial para os estudos literários?". Ok, pergunta inocente. Mas feita pausadamente, numa voz meio soturna, sabem? Juro, virou um fantasma. Meu potencial me perseguindo.
Ainda assim, eu achei que quando voltasse de França, ia começar meu mestrado em literatura. Quando viajei, pensei que talvez até ficasse para fazer na França mesmo. Mas eu voltei e procurei emprego de novo como secretária (e acho que meu pai lamentou por isso). Só que eu tive que ir a USP pegar algum documento logo quando cheguei (nem lembro mais o que). E vi esse professor saindo da biblioteca. Vindo em minha direção. Ele não me viu, então eu me escondi. Tive vergonha e dizer: "tudo bom? então, eu não vou explorar meu potencial para os estudos literários, viu? resolvi voltar a ser secretária porque, apesar de ser um trabalhinho bem cretininho, paga melhor do que a 'pochete-de-estudos' da 'c-n-pouquinho'".
Ok, dito assim, parece bem "mimimi" e covarde, e não é esse o ponto. Se eu tivesse certeza que era a literatura, eu tava lá. Se hoje eu chegasse a essa conclusão, recalculava a rota e voltava pra lá. Se eu decidir amanhã, faço isso, acreditem. Eu posso fazer isso, mas a dificuldade é, justamente, não saber o que eu quero ser quando crescer apesar de ter 30 anos, 1 metro e 67 e quase 80 quilos. Fico em dúvida ser astronauta, policial ou jogadora de futebol. A verdade é que eu gosto de muita coisa, o que no fundo é bom. Ou não. Sei lá.
Mas porque tudo isso agora, então? É porque eu lembrei do Caio Fernando Abreu. E Caio Fernando Abreu me lembra este professor também, mas não só, pelo fato de serem os dois gaúchos. Mas principalmente porque este professor já orientou trabalhos sobre o CFA. Eu já coloquei aqui uma citação dele (do CFA, não do professor) inspiradora. Tive que procurar nos posts antigos pra ter certeza, achei em novembro.
Enfim. Eu continuo aqui. Sem "explorar o meu potencial para os estudos literários". Mas lendo, ainda assim.

5 comentários:

  1. Ah, mas se vc tá em dúvida, será que não seria legal vc ingressar no mestrado e aí, depois de começar vc vê se essa é mesmo a sua ou não?
    Desculpe dar pitaco, rs, é que estou passando por uma situação parecida e me identifiquei. Estou terminando a faculdade de letras e vendo se já dá pra tentar a seleção do mestrado agora, mas em estudos linguísticos, pra ingressar no ano que vem. Também não tenho certeza se a carreira acadêmica é o que quero pra mim, mas desconfio que só vou ter certeza, depois de ter mais contato com ela. Mesmo que não vire pesquisadora e professora universitária, pelo menos o mestrado tenho vontade de concluir, acho que deve ser uma experiência muito legal pra quem gostou da faculdade e gostaria de se aprofundar em algum assunto.

    Bjus e boa escolha!!!

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  2. Laurinha,

    Precisa se desculpar não, que é isso. Mas pra começar um mestrado em Literatura eu teria que deixar coisas que, se não me realizam totalmente, me são caras neste momento. Corro o risco de trocar uma frustração por outra. E, pra ser bem honesta, eu olho a literatura como quem olha um amor antigo, que até mexe comigo, mas que já teve sua época. Estou fazendo pós em outra área e gostando muito. Se no futuro eu achar que é o amor antigo que vai me fazer feliz, eu volto, mas as coisas novas tem tido mais espaço na minha vida, na verdade.

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  3. Promessa: hoje eu passo aqui pra comentar esse post. Passo sim. bj.

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  4. Oi, voltei. Você sabe que eu tenho um post que conversa com esse seu, ne? Tá lá listado nos tais 7 links de que falei no final de semana. A crise é eterna, pelo menos pra mim. E sei que continuará, em menor grau talvez, se um dia eu voltar para a tal Academia, ou se vier a fazer qualquer coisa mais intelectualizada do que o que faço hoje. Mas é aquela coisa, não se pode ter tudo. Escolha é renúncia, como você mesma disse. Não há como ser diferente. Eu sigo me agarrando às válvulas de escape - leio, escrevo, procuro participar de papos interessantes - santa blogosfera! - e conto com um companheiro que é ímpar no quesito "entenda minha crise". E tenho a primeira infância dos meus filhos para curtir, com noites livres e finais de semana dedicados a eles, coisa que sei ser impossível para um pesquisador que quer se manter atualizado e tocar pesquisas decentes. Então é isso. Um leão por dia para manter os neurônios vivos.

    Beijo grande!

    Rita

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  5. Poxa, Rita, eu não tinha lido ainda o seu post. Adorei, viu? Acho que é por aí, a gente pode repensar certas escolhas se as prioridades mudaram. Mas vejo no meu caso uma diferença grande do seu. Porque você mudou a rota. Eu fui levando o mundo corporativo em paralelo, me afastei dele durante 3 anos, mas ele já era um caminho. E, pra dizer a verdade, tem muitas coisas nele que eu gosto, além do salário. E tem mais: tem muitas outras coisas que eu gosto, de áreas bem diferentes mesmo. Tô pensando até em fazer uma série aqui sobre as coisas que eu gosto, porque vai bem além da academia.

    Beijo e obrigada. Adoro conversar com você!

    ;-)

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