domingo, 22 de agosto de 2010

Do pesar e da indignação

Daí na sexta-feira, tarde da noite, eu entrei na internet e vi que a esposa do Dado Dolabella entrou com uma medida cautelar pro cara sair de casa, alegando que estava apanhando dele. E fiquei muito triste por ela. Pensei que tem uma galera que vai julgar, porque quando ela o conheceu já era notório que ele tinha batido na Luana Piovani. Que ela deveria saber, que foi burra de ter escolhido ficar com um cara assim, etc, etc. Mas não é assim que a banda toca. O cara pode tê-la convencido que o lance com a Luana foi um mal-entendido. Afinal, como a Luana é grandona, namoradeira e arrogante, ela não se encaixa no perfil da vítima coitadinha no imaginário coletivo. Por isso foi tão importante ela ter denunciado, pra todo mundo ter certeza de que mesmo mulheres ricas e independentes podem sofrer abusos.E a condenação do Dado pelo caso da Luana pode ter dado forças à esposa pra finalmente dar um basta.

Milhares de mulheres apanham dos seus companheiros todos os dias. Mulheres das mais variadas idades, classe sociais, níveis de escolariade. Nem posso imaginar a força necessária pra dar conseguir virara mesa e superar um drama desses num mundo machista como o nosso. Imagino a vergonha do (suposto) fracasso. A primeira vez que o cara bate. A esposa do Dado acreditou no cara, achou que a história dela ia ser diferente, e um dia ela levou o primeiro tapa. Aquele que mostrou que ele não era digno de sua confiança, que ela tinha caído numa armadilha. Eu escrevo isso e me dói, me dá vontade de ir correndo dar um abraço nessa moça, em toda mulher que passe por algo parecido.

Comentando com amigos num bar ontem, uma das presentes contou que isso já aconteceu com ela, de apanhar do companheiro e ter medo de ir embora por conta das ameaças. Que, pra resolver, mudou de emprego e de bairro. Mas que a avó dela não teva a mesma sorte. Essa avó, depois de apanhar por 18 anos de um companheiro - que a certa altura já era ex, mas invadia a casa dela com frequencia para agredi-la - depois de registar inúmeros boletins de ocorrência sem nenhum efeito, um dia, aos 62 anos de idade, matou o infeliz. Ficou 1 ano presa e conseguiu ser absolvida por legítima defesa. Imaginam a merda? Ir pra cadeia porque a incompetência do Estado fez com que ela se transformasse de vítima em ré.

Todo mundo conhece uma história dessas. A Mari Biddle postou essa aqui outro dia. E sabe, as pessoas muitas vezes relacionam isso ao alcoolismo. E o alcoolismo é parte da questão, claro, mas tá cheio que caras que batem na mulher de cara limpa, e caras que enchem a cara e não batem em ninguém. O vizinho dos meus pais é alcólatra. A gente ouvia quando ele chegava em casa bêbado e quebrava os móveis da casa. Ele e a mulher gritavam um com o outro, mas ele não batia nela. Dizia coisas horríveis, ela respondia, a gente fica tenso ouvindo, mas não batia. Não tô dizendo que agressão física é a única forma possível de violência, mas a gente nunca sentiu que a vida dela estava em risco. O cara hoje parou de beber e parece que eles vivem em relativa harmonia. Minha mãe tem uma amiga cujo o marido chegava bêbado em casa com flores roubadas do quintal dos vizinhos e passava o resto da noite chorando, envergonhado do vício. Os filhos de saco cheio já, falavam pra mãe largar o pai, que ele era um pinguço sem salvação, mas ela continuou, o cara entrou no AA, e hoje eles vivem bem. Quer dizer, quando o problema é só o álcool, acho até que pode haver, depois de muita luta, um final feliz independente da separação. Mas não consigo ver final feliz ao lado de um agressor. Na minha cabeça, "ele parou de beber, e eles viveram bem depois disso" é algo possível. Mas "ele parou de espancá-la e ficou tudo bem", não é. Porque eu acho que a violência doméstica não tem nada de inconsciente. Não dá pra colocar a culpa na cachaça e condenar a mulher que casou com o cachaceiro. Não dá pra colocar a culpa na mulher nunca, aliás.

Então, toda a minha solidariedade vai pra esposa do Dado, independente dela ter acreditado nele, dela provavelmente não ter se solidarizado com a violência sofrida pela Luana Piovani. Nada disso minimiza a dor da agressão. Ela não apanhou porque acreditou no marido: apanhou porque o marido é violento. A violência não acaba se "as mulheres escolherem melhor seus companheiros", como tem gente que gosta de dizer por aí. A violência para quando o agressor para de agredir.


Update: depois de publicar este post, vi que a Vanessa publicou esse, sobre o mesmo tema. E me lembrei que sexta-feira completou 10 anos que o Pimenta Neves matou a Sandra Gomide e o cara continua aí impune. E o pai dela falou da dor de sentir que vai morrer sem ver o assassino da filha cumprir pena. Nossa sexta-feira foi, simbolicamente, um dia especialmente triste.

9 comentários:

  1. Acho que tem muita mulher que acredita nas historias que ouvimos desde criancinhas: que no dia que o cara conhecer uma mulher de verdade, seu grande amor, ele entra na linha. Mas não entra. Mesma coisa com os galinhas.

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  2. Putz, Amanda, mas aí eu vou discordar de você. Porque eu acho que tem dois perfis de homens "pegadores", digamos assim: o que não gosta de mulher, que objetifica, e o que gosta muito. Eu já conheci um cara assim, que saía com muitas meninas, mas nunca prometia nada a nenhuma. E as respeitava, nunca se referia a nenhuma de maneira grosseira, mas gostava muito de variar. E às vezes passava alguns meses com uma. Não sei se não ficava com outras enquanto estava comprometido, mas também não posso afirmar que a namorada não aceitava um relacionamento aberto (e eu acredito em relacionamento aberto). Então, acho muito válido entrar numa relação com um cara assim, contanto que monogamia não seja um valor máximo pra você, e, lógico, que ele não ache que sair com outras pessoas é um privilégio dele por ser homem. Não acho que dê pra comparar um homem assim, que pode ser rotulado de "galinha" também, com um cara violento ou desrepeitoso.

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  3. Oi, Iara. Nossa, meu discurso de todo dia é esse que você sublinhou em seu texto: a violência acaba quando o agressor para de agredir. Ponto final. E cansa, viu?

    Bjs
    Rita

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  4. Oi, Iara, seu texto refresca tanto coisa que eu tava aqui remoendo sobre de como o Dado sente-se tão confortavel em agredir mulheres de novo e de novo e de novo...fiquei me perguntando quando é que eles param de agredir. Mas vc já respondeu como a violencia acaba. É o tipo de texto para a gente colar na porta da geladeira. Obrigada.


    Eu nem discuto mais quando vejo pessoas querendo discutir de quem é a culpa pela violencia contra a mulher. Esse negocio de por a culpa na vitima, sabe?

    Cadeia e' o que desejo a esses caras covardes. E' o que eu posso reivindir no tal Estado de Direito. Eu acho primeiro nao ouvir aquela parcela da populacao de homens e mulheres que ainda ficam no discurso 'mas ela e' a culpada por escolher esse cara que ja bateu em outras mulheres' e talz. Nao aguento mais esse discurso. Depois a gente devia rotular esses caras e dividir os homens em categorias igualzinho muitos tao ai fazendo com no's mulheres: aquelas para casar x aquelas para curtir. Deviamos comecar a rotular brabo os homens em aqueles que batem em mulher x aqueles que nao batem em mulher porque os indices de violencia contra a mulher nao para de crescer. Da para fazer tabela `bate em mulher x nao bate em mulher` tranquilamente. Deviamos fazer uma campanha com mote e tudo. Acho o fim uma mulher agredida sentir-se envergonhada pela falencia da relacao quando quem deveria sentir-se envergonhado e' o agressor. E eles nao sentem-se envergonhados de jeito nenhum. A prova e' a reincidencia como no caso do Dado. Eles simplesmente nao batem em outros homens porque sabem que vai ser dificil sair vencendo na briga. E' uma briga entre forcas equilibradas. E isso ja e' argumento suficiente para derrubar esse papo furado de que 'fulana caçou sarna para se coçar se relacionando com fulano'.

    Seu texto me lembrou tambem do caso da ex de Mel Gibson. Quando e' que ele vai parar de agredir? Porque ele e' um trem descarrilhado! Ele vai ter que cumprir as promessas de atear fogo a casa com a ex dentro para a policia tomar uma posicao? Porque fica parencendo aquele discurso da prova- ele nao bateu nela o suficiente para caracterizar uma prova de que ele deve ir para a cadeia, saca?

    Queria dizer que, apesar da esposa do Dado nao ter se solidarizado com a agressao sofrida na epoca pela Luana, um monte de gente se solidariza com a dor da esposa neste momento.


    bjs

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  5. "Ela não apanhou porque acreditou no marido: apanhou porque o marido é violento. A violência não acaba se "as mulheres escolherem melhor seus companheiros", como tem gente que gosta de dizer por aí. A violência para quando o agressor para de agredir."

    Resume tudo. Obrigada.

    Você tentar fazer as pessoas ouvirem isso é que é duro. E me incomoda demais a solidariedade que existe (apesar de tudo) com a mulher do Dado em comparação com o linchamento que sofreu a Luana. A Luana é segura, forte, arrogante, tem mais é que apanhar mesmo pra baixar a crista.

    Olha, cansaço...

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  6. A parte da Luana é quote viu? Que do jeito que saiu ficou parecendo que é a minha opinião...rs

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  7. Rita,

    E como cansa. Aff!

    Mari,

    Eu nem coloquei isso no post, mas eu realmente acredito que, num mundo fictício em que mulher nenhuma aceitasse se relacionar com um homem violento, as agressões às mulhers não acabariam. Porque tem cara que bate justamente quando é rejeitado. E que estupra quando a mulher o rejeita. Então, não é a confiança e o afeto da mulher que desencadeia a agressão, e sim a sensação de superioridade do agressor. E eu tenho muito medo do Mel Gibson. Pra mim é muito claro que ele é um desequilibrado.

    Dani,

    Lógico que entendi o quote ;-). Eu também me incomodo com essa coisa da puta e da santa. Porque eu também acho a Luana antipática. Muito, aliás. Dizem que uma vez ela destratou uma funcionária da Globo por bobagem e tal. Mas as pessoas tem a imensa dificuldade de entender, por conta desse maniqueísmo que divide o mundo em bandidos e mocinhos, que ser solidária à Luana num caso de agressão não significa, em absoluto, ser "fã" dela. Eu posso desaprovar um monte de coisas, claro, mas não acho que caiba julgá-la ali. Tem até vídeo pra mostrar que o cara partiu pra cima dela. Qual é a dúvida, então, né?

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  8. a gente escuta historias assim todo dia e ainda (gracas aos ceus) consegue se surpreender. porque nao interessa se foi "somente" um tapa ou se a criatura ficou sem o movimento das pernas de tanto apanhar. o que importa eh que isso foda com a auto-estima da gente, sabe.

    fiquei com muita vontade de escrever sobre isso, ja que eu tenho um exemplo bom de violencia bem perto de mim: meus pais. e apesar de ficar sempre muito triste quando penso nisso e de querer desabafar como nunca fiz antes, eh a vida da minha mae que tou expondo pra internet todinhas tomar conhecimento. mas... nao eh assim que deveria ser? nao podemos ficar caladas.

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  9. Luci,

    Eu acho que o silêncio não é bom. Mas por outro lado, não sei até que ponto é justificável expôr a sua mãe sem o conhecimento dela. Aliás, eu sou suspeita pra falar porque sou desconfiadíssima de internet. Essa casos que eu comentei aqui, de uma colega, são realmente de uma colega. Mas se fosse de alguém próximo, não ia explicitar, ia colocar que era de uma colega também.
    No mais, sou solidária a sua vontade de falar sobre, de desabafar. Crescer com isso deve ser muito doloroso e au acho sim que falar pode ser terapêutico.

    Bjo!

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