domingo, 9 de maio de 2010

Sem querer ser piegas... mas talvez sendo

Daí que marido vai ganhar mais um sobrinho ou sobrinha (e eu também por tabela). E rola aquela pergunta de quando daremos nossa contribuição para aumentar a família, ao que respondemos que, por enquanto, não daremos, sorry.

Antes de conhecer meu moço, eu não pensava em ser mãe. Hoje esse não é um assunto decidido, mas posso dizer que boas possibilidades de acontecer no futuro, embora não me pareça essencial para justificar minha passagem pela terra.

Acho que minha relutância vem – além, claro, do feminismo que me faz acreditar que maternidade é escolha e não destino inevitável - da minha relação com minha mãe, nem sempre fácil. Reconheço nela uma generosidade do tamanho do mundo. Porque eu não sou o que ela sonhou pra mim. Minha mãe veio de uma família pobre, sem instrução e muito machista. Para nossa sorte, encontrou meu pai. Ela tinha parado de estudar quando era novinha, porque sua saúde não dava conta de trabalhar de dia e estudar a noite. Quando se casou com meu pai e foi demitida de seu emprego como operária, ele a incentivou a continuar seus estudos. Minha mãe só não fez faculdade porque não se animou: apoio do meu pai nunca faltou. E eu presenciei na infância e na adolescência uma disputa ferrenha entre as idéias arejadas do meu pai e o machismo da minha avó materna, que vivia conosco. Ele achava que minha mãe deveria estudar, ela achava que isso poderia atrapalhar o “andamento da casa”; ele insistiu pra que minha mãe dirigisse, ela tinha tremenda dificuldade em confiar na minha mãe ao volante; ele sempre se ocupou de tarefas domésticas, ela achava que minha mãe deveria se envergonhar por permitir que o marido lavasse um prato; ele só achava que estava sendo um cara razoável, minha avó achava que ele era um semi-deus por ser “bom” com a filha dela. Minha avó já faleceu e eu não quero jogar na conta dela o machismo, de jeito nenhum. Ela também foi educada assim.

Mas meu pai é diferente e os tempos são outros. E pra minha mãe era muito difícil perceber que meu pai não me reprimiria, como normalmente se espera dos pais. Apesar de ter sido adolescente nos anos 70, minha mãe não viveu a revolução sexual. Isso era coisa de moças de classe média e nível universitário. Moças pobres e vindas “da roça” tinham que se casar virgens. Assim foi com a minha ela. E assim ela esperava que tivesse sido comigo, apesar de saber que o mundo tinha mudado muito e minhas perspectivas eram outras. Eu soube por uma tia que minha mãe chorou quando se deu conta de que eu não era virgem mais. Não fui eu que contei, não presenciei a cena, mas conhecendo minha mãe, faz sentido.

Pra resumir, ela teve que aceitar tudo. Que eu não me casaria virgem, que eu não me casaria na igreja, que eu não ficaria em casa até me casar e pior: que eu sequer estaria muito interessada em casamento. Que tinha vontade de ir viver fora do país (e fui!). Que quando eu dizia que ia dormir na casa de uma amiga, talvez eu estivesse passando a noite com um cara que não era importante a ponto de ser apresentado (ela nunca foi boba, sabia bem quando eu estava mentindo). Ela sofreu muito. Sofreu muitíssimo. E eu não alivei nada pra ela me sentindo culpada. Nunca me culpei por ser livre. E ela aprendeu a aceitar.

Ela sofre até hoje. Eu não sou casada, né? Sou de fato, mas não de direito. Daí, quando eu juntei os trapos, ela dizia pras pessoas, principalmente a família machista que “a Iara está casada”. Tipo, repetia, como um mantra. Cada vez que ia lá, contava: "fulano perguntou e eu disse que você está casada". Pra dizer que eu não estava “morando com o namorado”. Nem “amigada”, nem “amaziada”. Eu sou é casada, só não tenho papel. E pra ela é importante. E não me cobra nada, aceitou meu marido, acredito que também muito diferente do genro com o qual sonhava, com um amor imenso. Ele me ama e me faz feliz, pra ela é o suficiente.

Enfim. Eu sei que não é de graça pra ela. Por mais que se diga que “filho a gente tem é pro mundo”, não deve ser nada fácil ver aquele ser nascido de você se tornar alguém muito diferente dos seus sonhos. Amar assim tão desprendidamente, sem fazer cobranças, sem chantagens emocionais, sem reclamar que eu vou mais a casa da sogra do que a dela. Ela transborda generosidade aceitando que eu escolhi meu caminho e continua me amando e repetindo que sente um enorme orgulho de mim. E eu só quero ser mãe se me sentir capaz disso.

7 comentários:

  1. Oi, Iara!

    Por vários motivos me perguntava se seria mãe; alguns deles no sentido da hereditariedade, outros mais culturais...
    Minha relação com a mãe também não é das mais fáceis; volta e meias nos pegamos discordando, discutindo e até brigando ou passando uma temporada preferindo não dizer nada uma pra outra, porque realmente é complicado às vezes aceitar que as pessoas são como são e que amar é isso, engolir que a filha é completamente diferente do planejado, mas nem por isso menos encantadora e apaixonante.

    Sempre quis ter filhos, "do coração" ou "do ventre", não importava. Mas na hora da prática ser racional é o que menos rola pra mim, talvez até devesse acontecer de vez em quando.

    Se tu queres ser mãe, é ótimo; e se não queres, a pressão social que se dane! Tem que ser bom, com vontade de ser...

    Acho que és capaz de ser tudo o que tu quiseres, principalmente de amar, já que percebes que não é um cabresto ou um contrato lavrado em cartório que torna duas pessoas casadas. O contrato é do coração, mesmo.

    Assim como a maternidade. Por isso, um trecho do Cazuza me ocorreu agora, quando pensei sobre meus filhos, lendo teu post: "amor da minha vida/daqui até a eternidade/ nossos destinos foram traçados na maternidade".

    Esse amor se constrói. Como todos os outros!

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  2. Oi Iara! Nossa, é dificil assumir isso tudo, como você fez. Mas sabe, se é duro pra sua mãe saber que você não é a filha que ela esperava que você fosse, também é dificil para nos, filhos, de aceitar nossos pais como eles são. Eu tenho me decepcionado muito com meu pai ultimamente, porque parece que antes eu não queria ver como ele realemente é. Meus pais são separados e quando eu era criança insistia em dizer que meu pai cuidava de mim também, que eu via tanto ele como a minha mãe, mas agora percebo que, pombas, ele so aparecia de vez em quando entanto minha mãe me educava! E eu não dava esse mérito pra ela.

    Mas tbm tive meus problemas com minha mãe tbm, principalmente na adolescencia, exatamente por causa desses falsos moralismos. Quando descobriu que eu não era mais virgem fez um escandalo! E lia meus diarios (coisa que nunca vou perdoar.

    Minha mãe assina Veja e meu pai é de direita, pra minha pura decepção. Então, é ou não é dificil pros filhos de aceitar seus pais como eles são? E o pior é que a gente nem escolheu ter ou não pais, como se faz com os filhos, eles nos foram impostos!

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  3. Belo post, como sempre.
    Bjos, amiga
    Mari

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  4. Desconstruindo...

    Que lindo o seu comentário! Obrigada! Também acredito que o amor de mãe também é construído. E minha mãe aprendeu a amar os filhos de formas diferentes, porque eu sou diferente do meu irmão. É lindo isso, né?


    Amanda,

    Nossa, eu entendo muito seu ponto de vista. E, claro, minha mãe não é exatamente o que eu tinha sonhado, a recíproca é verdadeira, e elea também sabe disso. Mas no meu post eu falo do ponto de vista dela justamente porque ela escolheu, me pôs no mundo, se dedicou muito, e talvez não se reconheça muito no resultado deste projeto. Já os pais, como a gente não escolhe, como são uma loteria completa, a gente pode até se frustrar, mas não se sente responsável pelo que são, porque não temos a ilusão de ter poderes sobre eles, como els tem sobre nós. Mas longe de mim dizer que é fácil pra quem tem problemas sérios com a família - como nunca foi o meu caso, seria leviano julgar.

    Maricota!

    Brigada! Mesmo!

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  5. Oi,Iara.

    Adorei esse post. Todos os dias me pergunto se vou encarar numa boa o dia em que meus filhos anunciarem que seguirão caminhos com os quais eu não concorde. Na teoria, é claro que vou. E vou me esforçar muito para pôr em prática minha falação. Porque no fim das contas é isso mesmo: falar é fácil. Mas quando penso no tanto que fugi das expectativas da minha mãe... tento não criar expectativa nenhuma. Quero aprender com eles, isso sim. É esperar pra ver. ;-)

    Beijos!
    Rita

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  6. Rita: olha só, nem te conheço, mas tenho a impressão, pela maneira que você escreve, que generosidade está entre suas qualidades. Então, pode até te doer, mas você vai conseguir lidar com isso. Ai, as vezes eu não comento lá, mas seus filhos são uma coisa, viu? O que é o Arthur com aqueles óculos, me fala?

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  7. caramba, muito do que tu falasse pega o meu proprio caminho de familia. eu sou casada porque tio sarkozy me obrigou, e isso foi, eu sei, um alivio pra minha mae, principalmente pro meu pai, que, alem de machista, eh ciumento e se importa demais com a opiniao alheia. minha mae nao entende como eh que eu nao uso alianca, por exemplo. meu pai me questiona sobre isso tambem. velho, eu casei, moro com o cara, divido as contas e ainda tenho que usar aliana? pra provar exatamente o que, pelo amor de deus?

    eh exatamente isso: sei que eu nao faco as coisas da forma que ela sonhava ou esperava. voce pode imaginar o quanto minhas opinioes podem divergir das da minha mae e ela meio que aceita as coisas porque me ama. e eu deixo pra minha outra irma a responsabilidade de ser a unica que vai casar de branco (se eh que ela vai, claro, eu nao sei). nao da pra viver como minha mae viveu nos anos 70, interior da paraiba, entendeu? nao dah. eh isso ou minha felicidade.

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