Domingo passado eu e Daniel almoçamos na Feira da Praça
Kantuta. A feira acontece todos os domingos no Pari, exatamente enfrente ao
lugar onde cursei o Ensino Médio, que hoje se chama Instituto Federal de
Educação Tecnológica – mas que eu chamo carinhosamente só de “a Federal”
(porque na minha época era “a escola”, não “o instituto”).

Quando chegamos, aquela coisa linda. Uma praça que
provavelmente estaria triste e meio abandonada sendo tomada pelas pessoas, sendo vivida. Crianças correndo entre as barracas enquanto os seus pais
trabalham ou se divertem. Comoveu-me especialmente por ser tomada por uma
população marginalizada, como são os imigrantes bolivianos.
É claro que como futura imigrante latino-americana em terras
estrangeiras sou suspeitíssima pra falar. Mas eu nunca entendi mesmo a
xenofobia. Se as pessoas vêm pra cá se sujeitar a condições de trabalho terríveis
é porque a economia, como funciona hoje, absorve isso. Eu me lembro dos meus
pais contando como tem gente que se escandaliza com a sugestão de que
funcionários da saúde pública aprendam um pouco de espanhol pra atenderem esta
população. Acham um absurdo que o dinheiro público seja investido para atender
imigrantes muitas vezes ilegais. Como se eles não pagasse ICMS cada
vez que compra uma lata de óleo ou pegam o metrô pra ir lá se divertir na praça
aos domingos. Gente que acredita piamente que o estado de bem estar social da Escandinávia
é só mérito deles, não tem absolutamente nada a ver com a pobreza, sei lá, das
Filipinas. Como se o mundo não fosse uma coisa só e as pessoas não tivessem o
direito de tentarem se defender com alguma dignidade seja onde for.
Sou muito tímida (acreditem) pra puxar assunto com quem eu
não conheço. Queria saber se as moças da barraca de comida onde comemos o
majadito (uma carne desfiada com molho no arroz, servida com banana assada, ovo
frito e mandioca – gostoso, mas nada demais) trabalham em fábricas de segunda a
sábado, como acredito. Acho que há muita gente ali nessa situação, trabalhando
de segunda a segunda, tentando conseguir no domingo algum dinheiro pra guardar
ou enviar pra família, o que seria difícil demais só com o salário. Mas elas
estavam muito ocupadas e eu fiquei com medo de ser invasiva.

Uma coisa nos chamou demais a atenção: três ou quatro tendas
de “peluquería”, ou seja, cabelereiros. Pela extravagância dos penteados das fotos
do lado de fora, imagino que a necessidade do serviço apareceu não só pelos
preços praticados aqui, mas pela dificuldade de comunicação enquanto as
expectativas de resultados (eu já cortei cabelo fora do país, dá um pouco de
medo mesmo).
Por fim, outra curiosidade: tendas com publicidade da Western
Union. Até ir pra França eu sequer sabia o que era Western Union, porque seu
principal negócio é a comissão sobre as remessas de imigrantes para seu país de
origem. E o Brasil do crescimento econômico passou a receber muitos imigrantes.
Vemos todos os dias notícias de estrangeiros vindo tentar a sorte aqui. Entre eles
europeus super qualificados. Mas jovens brancos de classe média alta são sempre
bem recebidos, né? Já os bolivianos pobres cujos traços não escondem sua etnia
são vistos com desdém (racistas? nós?).
Eu acho mesmo um alívio que eles tenham
encontrado um espaço nessa cidade tão hostil, que a Praça Kantuta possa
acolhê-lhos, em uma cidade que não acolhe os pobres, mesmo os nascido aqui. Transformaram
a Praça Kantuta em um espaço tão rico e oferecem diversidade cultural a uma cidade
tão intolerante. Plantam kantuta colorida no concreto (clichês cafonas, trabalhamos). Como não ser grata?