quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Crônica

Maria e Ana são amigas. Ana namorava um carinha que era amigo de José. Daí José e Maria se conheceram num barzinho, aquele papo de colocar os amigos juntos e tal. José e Maria se curtiram, mas não se apaixonaram perdidamente. Rolou tesão e eles transaram. Não importa muito saber se esqueceram a camisinha ou se a camisinha estourou. Fato é que algumas semanas depois Maria descobriu que estava grávida.

Maria é católica praticante. E está desempregada. Mora com os pais conservadores. Mas como a imensa maioria das mulheres saudáveis, não importando a religião e a situação econômica e o estado civil, Maria tem tesão, ué. Antes de religiosa, desempregada, o que for, Maria é humana, como eu e você.

Maria sofre muito com a descoberta da gravidez. Sofre de culpa e de desespero. Contra a orientação de sua Igreja, resolve interromper a gestação. Mas Ana, sua amiga, não se conforma que José não seja minimamente implicado na história. Pega o telefone e liga pro moço. Diz que precisa conversar pessoalmente, mas ele enrola pra encontrá-la. Resolve então contar por telefone mesmo: Maria está grávida. Ele responde que “não quer casar com ela.” Ana pergunta: “que ano é hoje, Brasil?”. Não, José. Ninguém quer que você se case. Pra sua “sorte”, Maria provavelmente não levará a gravidez adiante. Mas você tem ser adulto e conversar com ela, porque o problema é dos dois. E ele responde que só vai se Ana estiver junto. Ela se irrita, diz que ele não precisou da ajuda dela pra gozar e bate o telefone na cara dele. José é um cara de 35 anos, e bem empregado, diga-se de passagem.

Maria tem a boa sorte de conhecer um médico de confiança que interrompe sua gestação com segurança sem lhe cobrar os olhos da cara. A gestação é interrompida, mas a culpa não. Ela sabe que, pra Igreja Católica, o que ela fez é digno de excomunhão. Ana é espírita. Quer aliviar o sofrimento da amiga, mas sabe que em sua religião vão dizer que este será um carma que ela vai carregar para o resto da vida. Daí elas conhecem uma moça que frequenta a Igreja Universal do Reino de Deus. Torcem o nariz no início, mas o sofrimento na alma de Maria é grande, e ela sente que não tem mais nada a perder. Lá ela conta sua história ao pastor, que a acolhe. Diz a ela que o que ela fez é pecado, mas Deus entende que ela agiu segundo o desespero, porque humanos e pecadores somos todos. Que Jesus diria “vá, e não peque mais”. A vida continua irmã, Jesus não quer que você sofra assim porque ele te ama mesmo em seus pecados. E Maria finalmente volta a sorrir, aliviada.

A história acima é real, só os nomes foram trocados. Sei que José não foi capaz de dar um abraço e oferecer ajuda (inclusive financeira, porque não) a Maria, como se essa gravidez indesejada fosse só dela. Sei que Ana e Maria não tem nada de feministas super libertárias, são mulheres bem conservadoras, que não concordam com a maior parte das minhas opiniões. E sei que o discurso da Igreja Universal tem sido nessa linha, não de aprovação do aborto, mas de acolhida às mulheres. Dexiando claro aqui meu ateísmo e nenhuma simpatia pela Universal, mas fico sinceramente aliviada de saber que existe algum lugar que acolha uma mulher cristã nessa situação tão triste.

Este post é parte da Blogagem Coletiva do Dia Latinoamericano e Caribenho pela Descriminalização e Legalização do Aborto.

5 comentários:

  1. Saber que é uma história real é um susto. Apesar de tudo, ainda tomo susto. Mas, né, tão emblemática.

    :-/

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  2. Me pesa ser homem, sei disto. Nada, mas nada mesmo comparado as situações relatadas (e não relatadas) aqui.

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  3. tenho uma amiga que passou por coisa parecida (filha de gente conservadora, engravidou de um cara que mal conhecia e que nao quis assumir o guri). fez um aborto e passou um ano em depressao :)

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  4. Na qualidade de praticante da doutrina espírita, me sinto obrigado a fazer alguns esclarecimentos.
    Não utilizamos o termo "Karma", acreditamos na lei de causa e efeito mas essa palavra se refere a uma crença da filosofia oriental a qual respeitamos, mas não faz parte da nossa fé.
    Acreditamos que o aborto é prejudicial ao espírito tanto da mãe quanto do bebê, e na filosofia do Cristo que nos convocou a parar de julgar nossos semelhantes. As mães praticantes de aborto podem até ser julgadas por este ou aquele espírita, mas isso não reflete a base da nossa doutrina. Acolhemos estas pessoas, mesmo considerando o o elas praticaram como sendo um erro. Errar é humano e perdoar é divino segundo nossa religião, que é fundado no amor.
    Convido você a conhecer um centro espírita e nossa literatura, não para tentar te converter, mas para que quando você nos criticar novamente, o faça com o conhecimento necessário sobre o que é espiritismo, para que essa crítica possa ser pontuada de acordo com a realidade.

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  5. Anônimo,

    Não tenho o menor conhecimento de doutrina espírita mesmo e lamento se passei uma impressão equivocada. Como a história e verídica, eu só reproduzi o que me contou minha amiga que, ela sim, foi criada no esperitismo e frequenta a Seara desde pequena. O que não significa que ela está certa, claro. Pode estar equivocada. Mas de maneira nenhuma minha intenção foi desmerecer a religião, só contar uma história conforme a versão de uma das envolvidas.

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