domingo, 25 de julho de 2010

Leituras feministas - A Dominação Masculina

Continuando, o segundo livro lido nos dias em que tive de ficar em repouso absoluto foi "A Dominação Masculina", do Bourdieu. Este foi presente de aniversário do meu pai que, depois de aposentado, ao 60 anos de idade, prestou vestibular, voltou pra faculdade e este semestre se formou em Ciências Sociais na USP. Então, faz muito sentido pra ele me presentear com uma obra de um sociólogo.
Enfim, mas o livro explica como o patriarcado está arraigado em nossas relações e nossos costumes de um maneira muito mais poderosa do que normalmente identificamos. Que toda a nossa organização de mundo parte de papéis masculinos e femininos bem definidos e hierarquizados. Daí que só a conscientização das mulheres de sua condição de dominadas não seria suficiente para reverter sua condição, sem que fossem feitos importantes mudanças na estrutura do mundo.
Eu sei que o Bourdieu enfrenta muita resistência de algumas feministas. E eu acho que sei porque, mas não sei se vou conseguir explicar. A questão, pelo meu ponto de vista, é este rótulo aí de dominadas. Como se isto fosse realmente imutável e definisse nossa condição no mundo. Eu entendo muito bem o que ele quer dizer quando foca na estrutura e eu concordo bastante. Se não olharmos as coisas assim, repetimos aquele discurso supostamente bem intencionado de que "homem machista é horroroso, mas mulher machista é pior". Essa atribuição de toda responsabilidade à nós, como se pudéssemos gente acordar um dia, ler "O Segundo Sexo" e concluir: "mas que canalhas estes meninos, a mim não enganam mais". Eu já falei aqui que este mundo é machista e a gente não vive teorias. Eu me esforço bastante para refletir sobre minhas atitudes, pra me questionar, mas minha vida é conservadora e me pego agindo tal qual o mundo machista acha que eu devo me portar. Nossas referências são externas e é um exercício desconstrui-las, criticá-las. Ainda que nos esforcemos para passar valores diferentes às novas gerações, a família ou mesmo a escola nunca são a única referência de uma criança. E ela vai, a cada dia, se deparar com mais e mais mensagens, explícitas ou não, que demarcam seu espaço na sociedade. O Bourdieu tem até uma teoria, que eu achei bem sacada, que a suposta intuição feminina viria daí: pra ter aceitação social a gente tem que se submeter a mais condições do que os homens, e essas condições nem sempre estão explicitadas. Logo, passamos a ser especialistas em comunicação não-verbal,
Mas ao mesmo tempo em que entendo o discurso do autor e acho muito válido, no me gusta pensar que não temos poder pra mudar isso. Porque se o poder não está todo em nossas mãos, com certeza há uma parte que está. E eu não posso mudar o mundo, mas posso criar conflitos que obriguem as pessoas a se posicionarem, posso desnudar o que está muito bem escondido. Eu sei, pra milhares de pessoas lendo blogs feministas que escancaram o machismo de como a mídia está tratando o caso Eliza, há milhões de pessoas vendo a grande mídia e atirando suas pedras a mais essa Madalena. Então não mudaremos o mundo e o patriarcado de maneira imediata. Mas as vozes dissonantes são importantes, porque elas marcam o conflito. Por isso, não gosto de me pensar "vítima" ou "dominada". Acho que as mulheres que querem resistir devem ser pensadas como resistentes mesmo, como tripulantes de um barquinho modesto que remam contra a corrente. Uma corrente poderosa e hostil, mas cada vez que alguém se dispõe a remar junto para o lado "errado", dá a sua contribuição para irmos mais longe. Acabei de pensar que esta é uma analogia péssima porque o fluxo de um rio é algo natural, tentar alterá-lo pode causar um desastre natural e esse é exatamente o argumento do patriarcado: que o feminismo quer alterar regras impostas pela natureza. Mas vocês vão me dar um desconto, sei que entenderam que eu defendo sermos nós parte da transformação, e não passivas nestas circunstâncias. Aliás, este lugar da passividade é tudo o que não queremos.
Ok. Estou sendo um pouco injusta com o Bourdieu, porque no livro ele trata de enfatizar que é preciso, justamente, historicizar o discurso da dominação, para que ele não seja visto como eterno e com isso, imutável e absoluto. Que o serviço prestado pelas instituições (escola, igreja, estado) ao patriarcado é justamente naturalizar nossa condição de inferioridade, enquanto o discurso feminista o quetiona, forçando sua entrada à esfera do, como ele diz, "politicamente discutível". Mas ficou pra mim a impressão de que ele é bem cético em relação ao ativismo feminista, ainda que reconheça alguns de sucessos.
Enfim, texto modesto para um livro importante. Pra quem não leu, recomendo. Este é traduzido e fácil de encontrar.

8 comentários:

  1. Nossa! Deu-me uma vontade enorme de lê-lo. E é isso que eu vou fazer depois que procurar, encontrar e pedir pra minha mãe xerocá-lo pra mim.Mas enfim, eu nunca tinha parado pra pensar nessa analogia de corrente que todo mundo já fez algum dia seja em relação ao feminismo, ou a qualquer outro tema.
    Concordo com tudo que você escreveu, Iara! Colocarmos-nos como vítimas/dominadas nos inferioriza ainda mais. Se além deles, homens de uma forma geral, nos intitulam como pobres coitadas escravas da supremacia masculina; E nós, mulheres, "aceitamos/adotamos" esse título para nomear o que somos nesse mundo de meu Deus= "homem" acabamos meio que "concordando", sem perceber, com o que nos é imposto, com o papel que representamos na sociedade. E implica dizer que somos, de fato, o lado fraco da corda.
    Bom, eu não sei se estou tão correta assim, mas essa leitura do seu post me levou a pensar por essa vertente...
    Agora deixe-me parabenizar seu pai pelo pelo exemplo que ele acaba de nos dar. Sim, porque fica o exemplo pra todo mundo da rede Foi feito pra isso!:)
    Que maravilha, ein?! E outra, Iara, não comentei nada, mas li seu poste sobre sua cirurgia e seus grilos com a estética das suas pernas... Mas em todo caso melhoras, viu?! Não tive tempo pra comentar, porque esses últimos dias eu tô um pouco atoladinha de coisas por causa da minha mudança de vida, de casa AUSHUAHSUAH, mas depois eu comento uma coisa com você!
    E sobre o poste passado... Obrigada pelas informações, tá?! Um beijo

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  2. Oi, Iara.

    Livro na fila, pódeixá. Gostei de suas considerações e fico aqui pensando no trabalho de formiguinha que nos espera todo dia. Toda hora. Sempre lembro do Foucault e sua mircrofísica do poder: é ali, no dia-a-dia, que as relações de poder se manifestam, na forma como nos relacionamos com os próximos, com a família ou seja lá quem for. Mais do que nas figuras onipresentes de estado, família, profissão, classe, é na lida pessoal, olho no olho, que nossas condições de dominador/dominado se manifestam e moldam nossas vidas. Ai, às vezes quase cansa. :-)

    Beijos
    Rita

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  3. Glória,

    Primeiro, obrigada pelos votos de melhoras! Eu tô quase boa, a cirurgia deixa uns hematomas bem feios e doídos que vão demorar umas semanas pra sair, mas de resto tá tudo bem.
    Sobre o post, eu tive mesmo uma dificuldade em tentar me posicionar sobre isso. Porque realmente há coisas que não estão em nossas mãos e essa é uma batalha difícil, mas as coisas não mudam se a gente não encará-las, né?
    Ah! E obrigada pelos parabéns ao meu pai! Eu tenho muito orgulho dele mesmo.

    Rita,

    Admito aqui que nunca li nada do Foucault, o que é um "gap" enorme para uma pessoa de 30 anos que quer pensar Ciências Humanas. Tenho que resolver isso pra ontem, e acho que "Microfísica do poder" e "Vigiar e Punir" precisam entrar correndo na minha fila de maneira mais concreta e imediata. Mas eu vou te falar que, se por um lado cansa ver esse poder exercido todos os dias, por outro me preocupo muito com o que a gente mal consegue identificar, por mais que reflita a respeito, sabe? Acredito que pra quem adotou um modo de vida que rompe completamente com o padrão, deve ser mais fácil não reproduzir certas estruturas, mas pra você e eu, que escolhemos um modo de vida mais "careta" (digo heterossexualidade/ monogamia/ relação estável), as armadilhas estão bem armadinhas. Por mais bacanas e esclarecidos que sejam nossos companheiros, a gente não reinventa casamento assim, de uma vez. Eu me pego várias e várias vezes, como já postei por aqui, me cobrando e me culpando, assumindo este papel da esposa que deveria ser perfeita, justamente porque o processo é mais complexo do que tomar consciência e mudar. Muita coisa internalizada na gente como natural, que precisa de muito esforço pra ser desmontada. Mas tamos aí, né? Vivendo e aprendendo a jogar, como cantava a Elis.

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  4. "E implica dizer que somos, de fato, o lado fraco da corda. " Entre vírgulas claro. (esqueci de salientar isso.)Se o fato da nossa sensibilidade ser mais aflorada que a do homem, de uma forma geral, for motivo de "fraqueza". Então, enganam-se! A sensibilidade tem a sua força, tem a sua potência poxa! Apenas fomos (e ainda somos?) mais passivas, mais "manipuláveis"... sei lá! Por aí, sabe?! Somos "a minoria" (porque ainda há muitas do nosso gênero com sérios danos cerebrais causados por essa manipulação viril), mas não somos o fraqueza personificada. (...)

    Ah eu queria ter agradecido logo no primeiro coments o incentivo que você me deu pra falar o que penso mesmo com toda minha insegurança! Obrigada mesmo, Iara! Seu apoio foi fundamental pra eu ter escrito um comentário desse tamanhão. kkkk Beijo, linda!=*

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  5. Bourdieu rocks! Sem duvida que todo o discurso que o Bourdieu aponta como sendo a chave para a dominacao masculina sobre as mulheres e' uma das melhores resposta a tudo isso que foi vendido para no's como 'natural'. E no's compramos direitinho essa ideia e acho que sua interpretacao e' tao romantica e faz sentido. Mas sera' que tem jeito mesmo de romper com o que foi nos dado como natural? Na sociedade do espetaculo a Eliza vai durar mais que 15 minutos e no's, as feministas, faremos alguma diferenca tuitando, blogando, escrevendo por ai por todo lado sobre a violencia que ela sofreu e o que gerou tudo isso: machismo?

    Sei nao...to desanimada.

    bjs

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  6. Eu gosto muito desse livro, mas tenho minhas críticas. Muita gente falou a mesma coisa que o Bourdieu antes dele e não repercurtiu da mesma forma. Tenho uma idéia, ele é homem. Mas eu tbm não vou ter um preconceito invertido. O bom desse livro é que ele dá nome aos bois, e como é com isso que nós teóricos nos importamos, Bourdieu é o cara. Mas eu recomendo formtemente o livro da Andrea Nye "Teoria feminista e as filosofias do homem".

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  7. Adorei o post, fez um bom resumo do livro!

    As críticas ao Bourdieu são mais essas que a Drixz citou, mesmo. Ele repetiu as mesmas ideias inclusive que as feministas (e parece que até sem citá-las), e ficou famoso por isso. Obviamente, por ele ser homem, é considerado parte neutra(!) e, com isso, mais confiável(!) para discutir a opressão das mulheres (não tem muita lógica, mas infelizmente é assim que funciona...)

    Particularmente, acho que não é tão ruim nos vermos como "vítimas" ou "dominadas", até porque a nossa realidade é essa ainda - infelizmente. Já mudamos muitas coisas, mas falta mudar a estrutura da dominação, estamos ainda no meio do caminho. Somos (todos e todas nós) machistas, fruto de uma sociedade machista, e estamos aprendendo a mudar isso, mas nadando contra a corrente (a banalização da violência contra mulheres é um bom indicativo do quanto ainda somos consideradas 'inferiores'). Se acharmos que já resolvemos tudo, que não somos mais dominadas, abrimos espaço para esvaziamento da discussão política e diminuição de direitos... é muito mais complicado do que parece :-(

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  8. Glória,

    De nada! =D E sobre o lance da força, não se esqueça de que esta também é uma construção social. Homens, por serem em geral maiores que nós, tem realmente maior força de potência. Mas nós temos uma força de resistência enorme! O fato dela ser ignorada não é casual, lembre-se disto.

    Mari,

    O mundo não deu certo mesmo. Mudar tudo e ficar tudo bom nem é uma possibilidade que eu considero, viu? Mas a gente vai levando, como formiguinha mesmo. Ainda que nossa posição continue a mesma na hierarquia social, se outras antes de nós não tivessem acreditado numa mudança, com certeza nossa condição seria ainda pior. É nisso que a gente tem que se apegar.

    Drixz,

    Mais um livro pra minha lista então. E realmente, o livro é recente, né? Apesar de achar que ele dá nome aos bois muito bem, nada do que está ali tem cara de que era novidade em 98, né?

    Cínthia,

    Pois é, faz muito sentido pra mim agora, claro. Como se na condição de homem e não-ativista fosse dele a legitimidade do discurso acadêmico. O suposto neutro, o lugar da ciência como verdade, né?
    Quanto a questão da vítima, olha, eu realmente fico dividida nessa. Entendo bem o argumento, acho muito válido, mas sou arrogante demais pra aceitar isso, ainda que aceitação neste caso não queira dizer resignação, mas reconhecimento. Ainda que seja parte da estratégia de luta. Enfim. Conflito interno mesmo.

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