sábado, 17 de julho de 2010

A cirurgia

Eu não sumi por conta do meu trabalho. No final das contas, eu entreguei só 4 páginas, solidária ao resto da minha turma que, no geral, não tinha nem escolhido o tema dias antes da data da entrega (mas uma das colegas entregou 32 páginas, já!). Sumi principalmente porque o computador deu pau e foi pro conserto (estou escrevendo do do marido) e porque eu tava concentrada em me preparar para o que aconteceu na última quarta-feira: minha primeira cirurgia.

Eu tenho problemas leves de circulação desde a infância. Vasinhos que se tornaram varizes. Imaginem uma menina de 11 anos sofrendo bullying porque tem varizes. Foi bem chato, viu? Eu já tinha feito diversas vezes a parte estética, de "queimar" os vasinhos aparentes, desde a pré-adolescência. Na idade adulta a pílula piorou um pouco a situação. E eu cresci morrendo de vergonha das minhas pernas. Na minha primeira viagem à Espanha, quase 10 anos atrás, passei os 30 dias de calor de 40 graus usando calça jeans. Eu jamais usava saias, bermudas, vestidos. Nem tinha nada disso no meu guarda-roupa. Até que um dia me caiu a ficha de que as pessoas tinham muito mais o que fazer do que olhar para as minhas pernas. Então mandei tudo a merda e desencanei. Hoje tenho um montão de saias e vestidos, que eu acho que me vestem melhor do que as calças, aliás.

Mas recentemente descobri que o problema não era só estético. Minha circulação estava ficando comprometida. E isso, com a idade, só tende a piorar. Eu tinha que fazer mesmo a cirurgia ou corria o risco de, a médio prazo, ter problemas mais sérios. Não vou ser hipócrita: eu ainda me incomodava com a parte estética, mas muitíssimo menos do que na adolescência. E a parte estética só exige este procedimento clínico de injetar uma substância que "queima" os microvazos, quase indolor e sem risco. O convênio não cobria mas nem era muito caro, então aproveitei que ia estar anestesiada pra fazer tudo de uma vez.

E, bom, a anestesia. Eu tava morrendo de medo. Muito mesmo. Nunca tinha tomado, a não ser no dentista. Não precisei da geral, só a "raqui", aquela que te desliga da cintura pra baixo. Mas eu tinha muito medo mesmo. Nos últimos dias eu fiquei pensando que, fosse só pela parte estética, eu desistiria. Olha só, eu sou vaidosa e tal, mas passar batom e rímel é muito diferente de se internar num hospital voluntariamente. E, por favor, eu não estou julgando ninguém. Eu tenho amigas queridas, mulheres muito inteligentes e bem resolvidas, que fizeram cirurgias plásticas. Uma delas fez lipoaspiração, que é um troço invasivo pra caramba, muito mais do que as minha de varizes. Eu realmente acho que o discurso de que ninguém deve fazer é tão reacionário quanto o discurso de que todo mundo pode/deve fazer. A nossa relação com o próprio corpo deveria ser o mais pessoal e o menos mediada possível. Não cabe a mídia nem ao discurso feminista de esquerda me dizer como eu devo me relacionar com o meu corpo. Mas eu sei que boa parte das mulheres que se submetem a procedimentos caros e arriscados estão agindo sob muita influência externa ao tomar sua decisão - e não é o discurso feminista que as influencia, vale ressaltar.

Quando eu era mais nova, dizia que odiava minhas pernas. Além dos vazinhos, e também por conta da má circulação, eu tenho muita celulite. Sempre tive. E um dia eu me dei conta que são as minha pernas gordinhas, riscadinhas de vermelho, azul e roxo tal qual o mapa rodoviário federal e tortinhas como as do Garrincha (sem falar do joelho meio podre, claro) que me levam pra cima e pra baixo. Que eu já andei quilômetros por aí com elas, que elas já carregaram muito peso (meu e das minhas mochilas), e que na verdade é essa a função delas. Elas estão aqui pra me carregar, não pra servir de enfeite para os olhos alheios. Então, cabe a mim respeitá-las, poxa vida!

Mas pra que continuassem cumprindo sua função eficientemente, eu tive que operá-las. Ok. E foi tudo muito tranquilo, apesar de parecer meio surreal. Nem lembro da anestesia (eu já estava sedada quando aplicaram), voltei pra casa no mesmo dia, tudo numa boa. Por sorte, está fazendo frio em São Paulo, já que eu tenho que ficar deitada, com as pernas pra cima e usando meias kendall. O repouso está terminando, a dor está passando e só as meias piniquentas me acompanharão por mais umas 2 semanas. Nem é um pós operatório dos piores. Tirei 10 dias de férias do trabalho e estou pondo a leitura feminista em dia. Enquanto isso, tenho a sorte de ter um maridão dedicado cuidando de mim com todo o carinho do mundo. Maridão esse que conta só ter reparado que as coxas grossas eram "uma delícia" quando me viu de saias. Nem notou as varizes lá. E eu acredito, viu? O olhar do outro pode ser mais generoso do que o nosso.

12 comentários:

  1. Iara, querida. Bom ter notícias, melhor ainda saber que tudo está correndo bem. Você está certíssima em dizer que nossas relações com nossos corpos são pessoais - e são intransferíveis, né? Quem sofre bullying por ser muito magra ou muito gorda na infância talvez nunca venha a ver de forma descolada (ou talvez demore um pouco para que isso aconteça) o fato de ter quilos a mais ou a menos que a "norma". Claro, ferre-se a norma, mas a coisa é por vezes bem mais complicada do que parece. E o caminho passa sempre pelo autoconhecimento, pelo fim do boicote a nós mesmas. E fica bem claro em seu texto que você tem encarado suas "neuras" com eficiência. Pela saúde, pela vaidade? Cuidar-se, sem mais. É muito bom, de vez em quando. Daí a ser escrava de vaidades e alienada vai uma distância graaaande. Então boa recuperação. E que seu computador também se recupere logo para que seus textos pipoquem por aqui todo dia.

    Bjs
    Rita

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  2. Oi Iara...Sou umas dessa anônimas que passam pelos blogs alheios quase que diariamente,sem coragem de postar um comentário,enfim,talvez pensando que um comentário a mais um a menos nem seje tão importante assim.Mas seu post de hoje me chamou a atenção porque passei por esse medo da cirurgia vascular há quase dois anos atrás,quando tive que,assim como vc meio que na marra fazer a tal,não por estética mais por pura nescessidade!! O que posso te dizer é o cuidado que terá que tomar de agora em diante,pois a Kendall será sua companheira mais achegada.rsrrsr.Infelismente outras veias virão,no meu caso as dores que sentia melhoraram muito,tive que abandonar o ac,tentar praticar um exercício (caminhada),e conviver melhor com as tais veias,mais o fato de assim como vc aceitar o bem que as pernas nos fazem mesmo com varizes,vasinhos e tal,me deu uma liberdade que há muito não tinha.
    Boa recuperação e té mais
    Flávia Silva
    Guaratuba Pr.

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  3. Que bom que correu tudo bem! =)
    Lembro que há uns anos atrás tive umas dores bem chatinhas nas pernas e achei que teria varizes. Mas nada surgiu até agora. Também tenho problemas com minhas pernas e prefiro usar calças. Tenho umas estrias na cocha e acho minhas pernas longas e magras demais. Aí, quando uso saia/vestido, fica aquela paranoía de "todo mundo está olhando", sendo que na maioria das vezes, só a gente percebe :P
    Mas é o tipo de coisa da qual vamos nos livrando com o tempo...

    Espero que o pc volte logo também :P

    =**

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  4. Oi, Iara
    Minha primeira vez no seu blog e te desejo melhoras bem ráoidas.
    Adorei estar por aqui e ler as coisas que você escreve, da maneira que você escreve. MUITO OBRIGADA POR COMPARTILHAR!
    Tô te seguindo pra ver as novidades.

    Também tenho um bloguinho de coisas de casa ,decoração, família, etc. Seria uma honra a sua visita e sua participação.

    beijo
    Dri
    http://coisasqueeuamoetc.blogspot.com/

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  5. Oi, tem um selinho-prêmio pra ti no blog... Pega lá, que é com carinho que te escolhi!

    Beijo,
    Ingrid

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  6. olha, o problema da gente eh que sempre damos mais importancia aos defeitos. eh impressionante. tenho certeza que voce sabe o quanto deve ser bonita, mas as pernas com varizes ainda estao sempre lah.

    quando eu era adolescente, me preocupava demais com meus defeitos e ficava me criticando o tempo todo na frente das outras pessoas, apontando meus defeitos meio que numa atitude "vou fazer primeiro antes que alguem o faça". dai notei que as pessoas soh percebiam meus "defeitos" quando eu os apontava (porque, afinal, nao era que me faltasse os dois braços, era soh um celulite na bunda). entao, parei com essa merda. mas nao de vez. com camilo eu ainda fico "nossa, como meu cabelo tah horrivel" ou "ai, olha que essas pernas horriveis, esqueci de depilar". ai ele faz "eca, amor! que nojo, sai daqui" hehehehe e vejo que ele tah pouco-se-fudendo pra porra do meu cabelo. e olha, camilo jamais fala mal dele. jamais. e eu acho o maximo! se ele viesse com "ui, minha barriga tah grande" eu nem sei.

    minha mae tambem fez a mesma cirurgia que tu. ficou parecendo uma mumia, a bixinha, toda enfaixada. ela sempre foi complexada, sempre usou calça. e dizia pra mim que eu deveria mostrar minhas coxas (eu odiava saia). hoje ja vejo umas veinhas finas ficando roxas, entao, eu aproveito, porque sei que a unica heranca que eu vou ter da familia eh doença mesmo.

    ei, boa recuperacao, viu?

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  7. Às vezes, tenho a impressão de que somos todos caricaturas quando crianças, qualquer característica nossa toma proporções gigantescas, e a gente acredita e chegamos à vida adulta ainda acreditando nesses exageros, sempre nos desculpando por não sermos perfeitos. É como a Luci aí em cima falou, só enxergamos os defeitos.
    Força nas meias Kendall e boa recuperação. Beijos.

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  8. Rita,

    Eu tenho muito medo quando se pede para as pessoas refletirem e se espera que cheguem a mesma conclusão. Como se só houvesse uma conclusão possível pra quem pensa de verdade. Então, por isso, não concordo com o discurso que desqualifica cirurgias estéticas e outras vaidades no geral. Acho que há uma banalização, sem dúvida, e muitas mulheres se submetendo sem refletir. Eu tento muito encontrar, no meio de tudo isso, o que é importante pra mim. Por enquanto, acho que tenho sido bem sucedida.

    Flávia,

    Não tem nada que alegre mais a quem escreve um blog que um comentário. E o seu foi muito bacana. É sempre bom reconhecer pontos de afinidade com pessoas que a gente não conhece. Pois é, tôa aqui com minha meias, pinicando que é uma tristeza. Mas tô bem. E tenho consciência de que se e quando resolver ter filhos, a meia vai ter que ser minha companheira constante. Paciência.

    Melina,

    Como eu disse, eu entendo bem a nóia do olhar alheio, mas o fato é que as pessoas realmente tem muito mais o que fazer. A gente demora a se dar conta, mas a verdade é que a gente (e nossa aparência) não é tão importante assim pros outros quanto a gente é levada acreditar. Depois de adulta nunca vi ninguém olhando pras minhas pernas com sinal de reprovação. Se você se animar a vestir uma saia, tenho certeza que contigo vai ser a mesma coisa, viu?


    Adriana,

    Seja benvinda (ui! estranha essa nova ortografia!). Vou passar lá depois.

    Ingrida,

    Poxa, muito obrigada! Eu sou péssima com essa história de selinhos, mas eu vou tentar melhorar. Aliás, tenho que admitir que não tinha reparado que você tem blog. Feio isso, desculpa. Viu que seu comentário inspirou meu trabalho?

    Luci,

    Múmia é mais ou menos como eu estou me sentindo com estes esparadrapos. Fora o sangue pisado, os hematomas visíveis por baixo das faixas e as meias kendall, o que dá uma dimensão do quanto eu estou sexy. O bom é que, quando eu me livrar de tudo isso eu vou me sentir linda mesmo que as varizes continuem aqui (mas eu espero que não estejam, claro).
    Mas sobre os defeitos, também já fui assim. Ficar na defensiva, né? E uma vez li que as pessoas que mais tinham problemas com imaginem costumavam se enxergar como "partes". Tipo, sou perna com varizes + nariz grande + barriga gorda. E acho que concordo, porque depois que eu passei a me olhar no espelho e olhar o todo, tipo não pedaços mas uma mulher inteira, me achei bem jeitosinha, viu?


    A TODAS QUE EXPRESSARAM OS CARINHOSOS VOTOS DE BOA RECUPERAÇÃO, MUITO OBRIGADA! Tão bacana receber esse carinho, gente.

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  9. Ashenlady,

    Adorei o lance das caricaturas, genial! E obrigada pelos votos!

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  10. se eu soubesse que vc ia fazer, teria te tranquilizado. pq minha mãe, minhas tias, todas fizeram a cirurgia e é bem simples. aliás, problema é não fazer: minha vó tem úlcera varicosa, tadinha, e já sofreu o diabo, quase perdeu uma perna, por nunca ter aceitado tratar as varizes. eu tenho um pouquinho, e super toparei operar quando chegar a hora.
    mas enfim, bom é que vc está bem, recuperada da cirurgia e sem traumas da raqui, que é uó.
    beijos :)

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  11. Nossa! quando li o que vc escreveu ate chorei de emoção, parecia que estava lendo a minha propria historia, minha vida sempre girou em torno dos traumas que carrego desde criança. Sempre me odiei por ser diferente das outras pessoas, Sempre pergunto para Deus porque comigo! Todas as minhas amigas desfilam suas lindas pernas e eu vivo a me esconder! Todas as pessoas que me vem dizem nossa como vc é linda, vc parece uma bonequinha, Dai fico pensando é porque elas nunca viram as minhas pernas, pois se vissem iriam mudar de opinião rapinho. Sou uma pessoa muito divertida, gosto de amizades, de sorrir, mas quando me convidam para ir a praia, no parque ou qualquer lugar que tenha que mostrar as pernas, meu mundo desaba!!!
    Todas as pessoas me perguntam nossa porque vc não usa saia, porque não mostra suas pernas grossas? vc tem algum problema nas pernas? não eu quero morrer quando isso acontece!
    Depois que engravidei tudo piorou minhas pernas ficam roxas e muito geladas, sei lá tenho medo de ter uma trombose ou algo do tipo.
    Meu marido é como o seu diz que tenho coxas grossas, pernão, mas no fundo eu me sinto um lixo ambulante!juro que queria ser diferente, principalmente porque ele já foi casado com outra mulher e ela não tem nada disso, por incrivel que pareça tenho 23 anos, mas me sinto com 95 anos.

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  12. Anônima,

    Olha só, eu espero mesmo, de verdade, que você mude o seu olhar para suas pernas, como eu mudei o meu. Já me senti muito como você disse, e hoje me sinto muito tranquila. A cirurgia, dois anos atrás já, não resolveu tudo, apesar de ter melhorado bastante. Mas, né? Minhas pernas tão aí, saudáveis, me levando pra cima e pra baixo. Não tem porque odiá-las, não tem porque me cobrar uma perfeição que olhando de perto, ninguém tem. Um abraço!

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