quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Preguiça

Não só de atualizar o blog – preguiça de gente. Não de todas, mas daquelas que vem com as ideiazinhas e com os preconceitos bem prontinhos e não estão afim de debater nada. Gente que acredita no roteirinho da Veja e do Jornal Nacional todinho, sem tirar nem pôr. Gente que acredita que - empresto a ideia de algum post que li nos últimos dias - o mundo é feito em programação binária, 1 e 0. Nada no meio. Nenhuma possibilidade intermediária.

Tem uma propaganda da Coca-Cola que me irrita um tanto. Já tinha pensado em fazer um post sobre ela e tal e não fiz, mas agora cabe evocá-la. A história de “os bons são maioria”. Ela diz que para cada x corruptos há xxxx doadores de sangue – veja você, os bons são maioria. Não, nunca, jamais, em tempo algum, um corrupto doou sangue. E nenhum doador de sangue subornou o guarda na blitz da lei seca.

Que discurso publicitário seja simplista assim até entendo. Mas que as pessoas comprem isso e levem pra vida, não dá. Então, é ridículo demais gente falando em “fica fumando maconha enquanto deveria estudar”, porque essas coisas não são excludentes. É perfeitamente possível ser consumidor eventual de maconha e ser um estudante dedicado, tanto quanto é possível ser um excelente pai de família tomando seu whisky depois do trabalho ou uma excelente mãe de família que toma rivotril pra dormir (ou ser uma pessoa excelente que não tem família, mas deixa quieto). Porque ninguém é uma coisa só nessa vida.

E este é só um dos temas irritantes. Tem outros tantos. Como a crítica raivosa ao auxilio reclusão pra família de detento, que é exclusivo, vejam vocês, de quem foi preso e tinha carteira de trabalho assinada (ou contribuía pro INSS como autônomo). Porque a dicotomia bandido x trabalhador também é falsa. Mesmo pessoas que acordam cedinho pra trabalhar cometem crimes. Aliás, grandes criminosos costumam ser ocupadíssimos. Isso pra nem entrar no mérito de quanta gente é presa injustamente. Enfim, milhões de possibilidades para se estar preso, milhões de combinações entre caráter x trabalho x crime. Tem pais dedicados, filhos atenciosos, que enchem a cara e atropelam e matam alguém. Tem mães dedicadas que abortam justamente para serem dedicadas só com os filhos que já tem. Tem médico que salva vidas todo dia, mas desvia dinheiro público. E todo esse pessoal pode não ser preso, mas o ladrão de galinha ser condenado. Então, só posso ter preguiça de gente que repete que bandido bom é bandido morto.

Mas continuo. Porque eu votei na Dilma nas últimas eleições. E O HORROR, O HORROR. E PT O PARTIDO MAIS CORRUPTO DO BRASIL! E olhem só, tem gente corrupta no PT, apesar dos caras terem durante anos terem reivindicado pra si o monopólio da virtude. E não, votar no PT não significa que eu ache essa questão irrelevante. A questão é: ser corrompido não é privilégio deste ou daquele partido. Acontece com integrantes de todos os partidos que estiveram no poder - com todos os partidos mas não com todos os integrantes, claro. Inclusive com o partido do seu candidato. Porque a corrupção é sistêmica, ela é mais grave do que isolar esse ou aquele safado/ladrão/bandido/_____ (preencha aqui o adjetivo negatico de sua preferência). E pouquíssimas vezes nessa discussão se menciona que, para que haja corrupto, tem que haver corruptor. E que se você já subornou guarda, inventou recibo falso pra ter desconto no imposto de renda ou tem carteirinha de estudante falsa pra ter meia entrada, você não tem lá muita moral pra botar dedo na cara de corrupto. Então repito, não endosso corrupção. E quando voto no PT (nem sempre) não significa que eu seja petista (o que não acho demérito, mas não é o caso) ou endosse tudo o que fazem. Significa só que, entre os projetos disponíveis, achei aquele o melhor (ou menos pior, mais provável). E sim, por vezes passo tanta raiva quanto você que não votou neles (principalmente quando Aldo Rebelo é promovido a ministro). Mas considerando que você sabe que política não é uma ciência exata, que nela as coisas são muito dinâmicas, que alianças são feitas e desfeitas, partidos criados, e que opositores hoje podem dar as mãos amanhã (você sabe de tudo isso, né? ah bom), pare de repetir que quem vota no PT é ignorante ou compactua com a corrupção. Fazer isso é desconsiderar a possibilidade perfeitamente possível de outra pessoa ser honesta, inteligente, mas ainda assim ter uma visão de mundo diferente da sua. E sabe como é, intolerância não traz nada de bom para o mundo.

Mas todo esse discurso não significa que eu relativize tudo. Não significa que eu não tenha meus valores inquestionáveis. Mas eles podem não ser os seus, e a gente conseguir conviver bem apesar disso, sempre e quando eles não se chocarem - e, eventualmente, até quando eles se choquem. E podem ser até que nossos valores sejam os mesmos, mas que as soluções encontradas para conciliá-los com um mundo imperfeito não sejam as mesmas. Várias possibilidades aí. Mas a boa convivência só vai ser possível se a gente tentar ouvir o que o outro tem a dizer antes de colar na testa o rótulo de “maconheiro”, “vagabundo”, “ignorante”, “vadia”. Então, pensa um pouquinho antes de ficar reproduzindo preconceitos por aí, tá? Por favor.

UPDATE: O diacho da propaganda da Coca me irrita tanto que eu já tinha falado dela. Aqui: http://foifeitopraisso.blogspot.com/2011/06/da-necessidade-de-ter-opiniao-pra-tudo.html

8 comentários:

  1. Caramba, menina, que post salvador, faz a gente suspirar, obrigada. Sabe, eu ando dividida entre me sentir cansada ou covarde, mas essa simplificação da vida, esse preto-ou-branco, é tão desgastante - sempre houve, mas antes de redes sociais e quetais era mais fácil ignorar.

    ResponderExcluir
  2. Cheguei aqui recomendada pela Tina Lopes aí em cima e posso te dizer que não me decepcionei! Essa falta de habilidade das pessoas ouvirem o que as outras estão dizendo (ou ouvem, mas processam de qualquer jeito, sem querer realmente entender) é muito irritante. E as generalizações, menina, as generalizações! Como se não fôssemos feitos de muitas coisas, muitas camadas e sim, muitas contradições. E o mais curioso é que a internet, que deveria abrigar e incentivar essa pluralidade, muitas vezes ajuda a tornar as pessoas mais intolerantes - ou, pelo menos, mais livres para desfilar livremente seus preconceitos e falta de noção...
    Parabéns pelo texto, vou compartilhar!
    abraço
    Mônica

    ResponderExcluir
  3. Rá, tenho um monte de coisa pra falar, mas só vou falar: sua linda!

    ResponderExcluir
  4. Por preguiça... brincadeira, estou atrasada,ótima crônica e compartilho, endosso suas palavras, será preguiça?!! realmente concordo, tá provado! abç

    ResponderExcluir
  5. Sabe aquela pessoa que consegue resumir tudo que você pensa sobre um determinado assunto mas não sabe como? És tu, querida Iara!
    Parabéns pelo belíssimo post querida!

    ResponderExcluir
  6. Tina,

    É, esse monte de certeza que as pessoas tem também me cansam. E concordo com o ponto de vista sobre as redes sociais. Antes era mais fácil mudar de assunto quando o debate ficava difícil.

    Mônica,

    Benvinda e obrigada pelo elogio. Pois é, essa coisa da diversidade de opiniões. As pessoas perdem a oportunidade de ler outras coisa e serem mais flexíveis. O lado bom é que é mais fácil encontrar gente disposta a fazer isso que de repente está longe fisicamente.

    Luka,

    Você sabe bem o quanto eu gosto de você também, né?

    Rita,

    Obrigada!

    Lilian,

    Obrigada também, viu? A gente faz o que pode.

    ResponderExcluir
  7. Rá, tenho um monte de coisa pra falar, mas só vou falar: sua linda! [2]

    ResponderExcluir