segunda-feira, 16 de maio de 2011

Talentos

Uns dias atrás jantei na casa de uma amiga. Quem preparou a refeição - um risoto de alho poró, pêra e queijo parmesão - fui eu. Daí que a terceira amiga presente disse que queria ter talento pra cozinhar. E eu respondi que ela estava enganada. O que eu tenho não é talento, é prática. Acho que a primeira vez que cozinhei tinha não mais que 15 anos. Hoje tenho 31, faça as contas. E ainda assim tudo o que eu faço é extremamente simples. A grande sacada do risoto é essa inclusive: prato único, fácil de fazer e com pinta de elegante. Perfeito pra quem gosta de comer bem mas não necessariamente quer ter trabalho. Então eu não sou uma cozinheira talentosa, até porque nem me aplico o suficiente. Mas sou uma pessoa capaz de fazer algumas coisas bem gostosas, e disso eu mesma tenho certeza.
Continuei dizendo pra minha amiga que esse discurso do talento é muito complicado em uma série de outras áreas, porque desperta o lado mais repressor do nosso super-ego. Se a gente se convence que não presta pra fazer algo, nem tenta. Trava mesmo. Por isso que é tão difícil pra algumas pessoas, depois de adultas, aprenderem um idiomas estrangeiro, por exemplo. Claro, tem lances aí cognitivos do sistemas fonético da língua materna já estar consolidado, etc, etc. Mas pra aprender a falar, tem que estar disposto a falar errado. E falar errado na frente dos outros. E parecer ridículo. Não há opção, sem esse desprendimento, não funciona. Há que escolher entre passar vergonha e aprender ou permanecer na ignorância.
E bom, talento. Não sei quais são os meus. E vivo nesse drama. Mas o fato é que não dava pra esperar tentar descobrir. Nunca deu. Tenho uma vida pra ganhar, aluguel pra pagar. Sabe aquele lance de vida é aquilo que acontece enquanto fazemos planos? Pois é. Nunca pensei que eu fosse usar este adjetivo pra me descrever, mas eu acabo me descobrindo uma pessoa simplória. Porque tento não sofrer muito. Vou lá e faço, sabendo ou não. Um pragmatismo meio tosco de quem já percebeu que às vezes a ação é melhor que a reflexão. O que não significa necessariamente agir por impulso, mas perder o medo de fazer cagada. Ah, sim, eu faço as minhas com frequência. E não, não sou a pessoa mais destemida do mundo: tenho fobia de dirigir, de andar de avião, de altura – só pra começar a citar. Mas tem isso de como eu não sei exatamente o que eu presto pra fazer, não tenho medo de aprender coisas novas (nem de passar ridículo durante o processo). Vai que naquele canto inóspito, naquela tarefa chata, descubro o meu talento, como quando a gente procura uma coisa e encontra outra?

7 comentários:

  1. Boa noite lara,
    Você falou e disse. Também acho que é por aí. Tenho caminhado na vida sob esse prisma. Só pra conferir, aviso que também não encontrei o meu talento. E nem procuro. Vivo à custa do meu trabalho e não tenho de que me queixar. Mas, sei que devo ter um talento, afinal não sou ET, oras! Rsrsrs. Por enquanto vou contentando-me com a prática, não pretendo lutar contra mim, sem essa de repressões. Mas quero aprender, adoro aprender e, para isso, dou a cara a tapas, não tem jeito. É preciso ter humildade para aprender, para praticar e para viver. Talvez por isso, tenho realmente aprendido algumas coisas gratificantes tanto na vida doméstica e familiar, como na vida profissional.

    Obrigada amiga por este artigo tão objetivo, real e factível. E muiiiito bem escrito. Dá gosto ler. Veja, até me animei e fiz esse comment gigante. Desculpa, viu.
    Bjssssss

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  2. Tenho um amigo que vive rodeado de instrumentos musicais. A familia toda dele é musica e ele é capaz de tocar bem qualquer instrumento, mesmo sendo a primeira vez que pega num. Dai eu e a namorada dele estavamos conversando sobre como ele nasceu com esse talento pra musica, esse talento genético que toda sua familia tem e tal. E ele ficou meio puto dizendo que não era talento, era muita pratica e trabalho duro. Que ter sido rodeado de musica desde sua infância so deu mais vontade de aprender a tocar, mas que de maneira nenhuma era mais facil pra ele do que os outros. Acho que ele sentia que a gente estava tirando o mérito de todo seu esforço, sabe? Ele usou como exemplo varias bandas famosas que se conheceram no colégio ou faculdade: "que sorte então reunir na mesma escola cinco talentos do rock, heim?".

    Eu sinto a mesma coisa quando veem me dizer que eu falo três linguas porque tenho muita facilidade com linguas. Porra! Eu não tenho facilidade com linguas! Nunca achei que um dia pudesse ser capaz de falar outra que não o português e se eu consigo hoje foi por causa de muito esforço. De passar muito ridiculo por ai, de engolir muito sapo.

    Também tô na busca do meu talento. Ou de algo que vale muito a pena se esforçar.

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  3. Eu desenpenhava bem meu trabalho e quebrava galhos improvisando com muita facilidade, dava uma sensação boa, aquele orgulhinho besta quando alguém reconhecia minhas estratégias, normal né? Mas sabe em que eu sou boa de verdade? Organização, cozinha. Sei lá se é talento. O mesmismo de que funções relacionadas a vida doméstica são obrigações e que portanto independem de saber, gostar ou de talento é ainda muito forte em mim.

    Por isso parece ter status o talento, afinal o que se gostaria mais se pudesse escolher? ser desenhista ou poliglota ou escritor...Ou organizador de armários.
    Mesmo que simplorio, é talento então tá valendo.
    Bj

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  4. Cresci repetindo, como um mantra, que não sei cozinhar, que sou um desastre na cozinha. Aí tentei e vi que consigo seguir receitas e fazer coisas gostosas. Não é natural, não consigo fazer nada sozinha (o mantra...), mas consigo fazer, ora essa. Com a receita do lado, mas consigo. Pra mim, foi uma surpresa, deliciosa, porque eu achava que queimaria e destruiria tudo. Que nada. Talento ajuda, mas persistência faz diferença e muitas vezes dá o tom. Ainda vou tocar piano. Nem que seja uma música só. E depois dos setenta. Mas vou.

    :-)

    Bj
    Rita

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  5. Sabe isso de talento? Se um dia eu pensei que tinha, hoje não sei se tenho mais "porra nenhuma" (perdão pela expressão, Iara!). Quanto mais eu estudo, mais eu vejo que nada sei mesmo sendo aquilo que costumei pensar que "sabia", sabe?! (Ando meio confusa das ideias... AUSHAUHSUHAUHSUAHSHAUS) Acho que todo mundo já passou por essas reflexões de se dar conta de que, ora, você precisa saber de muito mais e tal.
    Tudo isso pra dizer que não sei qual o meu "talento", mas eu devo ter algum. (Sem coragem pra colocar a cachola pra funcionar e vasculhar algum 'talento' que seja. AUHSUAHUSHAUHSUAHSUHA)

    Enfim, sempre bom estar por aqui, flor!:)

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  6. ai, como eu adorei esse post! hehehehe parecia mais uma liçao de moral, misturada com conselho, e todinha pra mim hahaha ah, meu ego! mas eh porque ultimamente eu tou passando por uma coisa bem legal que eh a experiencia de cozinhar. coisa recente mesmo, de algumas semanas pra cah. ta dando tao certo que eu ia ate escrever no blog. minha relacao com a cozinha era soh quando minha mae me pedia uma maozinha. aqui na fr, eu morria de medo de fazer qualquer coisa sempre por causa daquele sentimento de inferioridade: eu vou fazer, vai ficar horrivel e todo mundo vai odiar. aih sempre ficava na sombra dos pratos de camilo: eu soh cortava os legumes. agora percebi que cozinhar eh mais legal que pensei e que pessoas famintas nao costumam reclamar de comida posta na mesa.

    e sobre a segunda metade do post: eh, nao temos tempo de descobrir aquele dom maravilhoso de fazer tal e tal coisa. fiquei tao confortada lendo esse post!

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  7. Pessoa com tanta preguiça de responder comentário que já tinha até esquecido sobre o que era o post. Calculem.

    Marli,

    Aqui é proibido pedir desculpas por comentário longo. Mas fico feliz que você tenha gostado do post e se reconhecido nele. A gente tem que parar de idealizar nossas capacidades e ser feliz com o que a gente tem, né não?
    Amanda,

    Então, eu acho até que tem algumas coisas que a gente pode ter sim mais facilidade pra fazer do que outras. Veja bem, eu tentei dirigir, sei que sou capaz, mas não é o meu forte. Já a cozinha é realmente mais fácil pra mim. Acho realmente que tem gente que absorve línguas estrangeira com mais facilidade. O que não elimina necessidade de se empenhar. Nem significa que quem não tem não possa aprender, ainda que com maior dificuldade.

    Rosa,

    Tem isso também, né? E se o que a gente descobre que sabe fazer bem é algo que talvez não dê pra fazer profissionalmente, isso deveria limitar a gente? Não, né? E imagino que a gente possa fazer muitas coisas bem nessa vida, seja por talento inato, seja por esforço mesmo.

    Rita,

    É bem por aí. Eu difícilmente uso receitas, mas justiça seja feita, não me aventuro muito em confeitaria, onde as medidas tem que ser mais precisas mesmo. Pra fazer uma carne assada, dá pra ser mais intuitiva, pesquisar na internet, mas adaptar a gosto. O fato é que com receita ou sem, pode ficar bom do mesmo jeito. Foco no resultado.
    Piano. Pois é. Eu ainda quero aprender a tocar violão. Tá vendo? Você me lembrou. :)


    Glorinha,

    Também é proibido pedir desculpas aqui por palavrões quando são usados com função de interjeição ou superlativo. Se você usar um palavrão de maneira ostensivamente ofensiva, a gente conversa. :)
    Mas é isso. Pra quê sofrer tentando descobrir? Sofre não, mulher. Vai viver a vida. =D

    Luci,

    Que bom que você gostou! É isso, né? Tem que ir lá tentar. O máximo que vai acontecer é dar errado. Mas daí você presta atenção no erro pra não repeti-lo na próxima. Essa é mais ou menos minha história na cozinha. E na vida também. =)

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