quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Continuando

Daí fiz um post no Blogueiras Feministas que tinha tudo pra ser só tapa buraco (e na verdade era, tava substituindo outra autora na última hora). Mas houve uma polêmica com um comentarista. E surgiu a Mary W pra ajudar. Ajudou muito. Não vou repetir aqui, vai lá.

Resumidamente, o Vinícius acha que se estou aderindo a construção social de feminismo, estou aderindo à hierarquização, logo não posso me autodeclarar feminista. E tive muita dificuldade de entender do que ele estava falando, porque ressignifico o feminino. Não acho que tenha que me oprimir. Eu brigo com olhar normativo, não com o feminino. E ele diz que não é feminismo, então. E eu acho que pode ser sim, qual é o problema? Por que essa é a régua do feminismo? Então a Mary W já tinha colocado essa preocupação dela, de colocar tudo e qualquer coisa sob o guarda-chuva do feminismo. E eu concordo. Tentei dizer isso mais ou menos neste post, que não dá pra dizer “tô feliz assim” e seguir a vida quando a gente se posiciona politicamente. Mas lentamente a ficha tá caindo mais e mais.

Porque o que ocorre é que a gente tende a pensar individualmente. E individualmente, sou muito bem resolvida com a dita “ditadura da beleza”. Vejam bem, sou uma pessoa que sai de casa maquiada, mas não tem escova de cabelo. Não, não é que eu não tenho secador, chapinha, etc. Não penteio o cabelo. Tô geral descabelada em todas as fotos. E tenho um trabalho careta e tal. Então nem me sinto obrigada a me maquiar também, faço porque gosto e quando quero. Individualmente, escolho quais as coisas desse pacote mulherzinha topo ou não topo com muita tranquilidade. Mas veja bem, quando vou à manicure e me apresento por aí com as unhas pintadas tô reforçando o discurso de que isso é o que se espera de uma mulher apresentável. E sobre isso, não tenho controle mesmo. Não posso garantir como essas unha feitas vão ser apreendidas. E se me identifico politicamente como feminista, pode ficar entendido que “olha, até feminista faz a unha, viu?”.

Já tinha entendido a questão do posicionamento político, também com atraso, quando houve uma discussão polêmica na lista em relação ao serviço doméstico. Porque no final das contas, não interessa o quanto eu pague - e se posso pagar muito bem, é porque existe uma diferença social impactante que me permite dispor dessa quantia, mas nem vou entrar nesse ponto. O que interessa é que quando contrato uma mulher pra fazer o serviço da minha casa estou reforçando dois discursos: 1) de que isso é tarefa que cabe às mulheres, 2) que é perfeitamente aceitável que haja uma classe social que não faça seu próprio serviço doméstico, e outra que faça pelas duas. Porque eu não vivo num país em que os estudantes fazem faxina pra se manter, mas num país onde quem faz faxina em geral não teve oportunidade de estudar. Então, individualmente, dentro da minha casa, as relações podem nem ser escravistas. Podem ser muito humanas e respeitosas. Mas tô eu aí colaborando pra construção de uma noção de status que passa por ter alguém limpando sua casa.

Então, essa é uma preocupação importante. Porque não dá pra aceitar toda e qualquer divergência como válida, ainda que haja sim diversidade num movimento. E como estabelecer os parâmetros mínimos? E, o mais complicado, como fazer isso sem virar polícia ideológica? Porque a gente brinca com isso da “polícia feminista”. Posicionar-se politicamente implica em ter suas posições e escolhas (pessoais, inclusive) cobradas (em público, inclusive). Daí o comentarista lá no BF tem um blog e eu entrei. E num dos posts ele tá desautorizando o discurso de uma mulher que se dizia anticapitalista e feminista, mas estava com a unha pintada de rosa. E acho equivocado demais. Porque se por um lado a gente não pode aceitar tudo, por outro acho que há um prejuízo muito maior em sair desautorizando geral. E não vejo que ganho enorme é esse que a gente tem desqualificando por questões menores. Acho bem autoritário, e desconsidera possibilidades libertárias de ressignificação.

Sobre ressignificação e suas possibilidades, me lembrei de um caso clássico: a monogamia. Que é invenção patriarcal imposta às mulheres e hoje, em círculos menos machistas, a gente consegue dar outra cara pra ela. Não é uma questão de ingenuidade, de achar que todo mundo cumpre o contrato, mas de maneira geral a gente entende que o contrato é para ambos. Ou somos monogâmicos como casal, os dois, ou não somos. Vai ter gente dizendo que não, não há essa possibilidade, todo e qualquer relação monogâmica envolve posse e é intrinsecamente machista, e só há igualdade de gêneros possível no relacionamento aberto. E apontar hipocrisia etc, etc. Claro, não é consenso. Mas acho mesmo que mudou a cara, que já não se naturaliza o privilégio masculino com a mesma força de 40 anos atrás.

Então, fica uma porção de dúvidas. Porque claro que não dá pra aceitar tudo, ressignificar tudo, até porque não há avanço sem choque. Mas onde começa a crítica pela coerência e onde começa a patrulha pessoal contraproducente? Quais são as divergências administráveis e quais as irreconciliáveis?

13 comentários:

  1. Oi, Iara
    Eu li o seu post e toda a discussão que ocorreu no blogueiras feministas e concordo demais quando você questiona por que aderir ou não a um modelo de feminino seria a régua do feminismo. O que me incomodou no discurso do Vinicius, mais do que o tom doutrinador, foi que ele me pareceu defender um feminismo na visão estereotipada que a sociedade machista acredita. Feminista não usa rosa, não usa vestido, não se depila. A quem interessa essa visão do feminismo? E eu considerei sim a argumentação dele misógina, porque considerar antifeminista uma mulher que discursa usando batom é automaticamente valorizar o que é atribuído ao masculino. Uma feminista só tem condições de se impor quando se vestir e agir "como homem"?
    E discordo da Mary W quando ela diz que feminismo é um só, porque eu não acho que a minha demanda, de mulher branca, classe média, formada em uma universidade seja a mesma que uma negra que trabalhe como doméstica, por exemplo. Mas concordo que não podemos classificar tudo como feminismo só porque foi fruto de uma "escolha" da mulher. Me lembrei agora da novela fina estampa. A personagem da Dira Paes vive apanhando do marido. Essa semana eles chamaram a polícia e ela ficou super hesitante em fazer a queixa e quando a personagem da Lilia Cabral foi tentar convencê-la a denunciar, a Dira ficou insistindo que a escolha era dela e de mais ninguém. Isso seria feminismo?
    Em relação a ressignificação, pegando o exemplo da monogamia que você mesma citou, temos que pensar que foi preciso vários séculos para que essa ideia passasse a ser entendida como válida para os dois e não apenas para a mulher. E mesmo assim ainda vemos traições serem mais toleradas para homens do que para mulheres. Eu acho complicado esse discurso porque uma ressignificação para funcionar teria que ser ressignificada por todos e não por uma única pessoa. Aí, voltando ao exemplo da feminista de batom, não adiantaria eu dizer que eu uso batom porque para mim isso é um exemplo de empoderamento da mulher se a sociedade não vê dessa forma. Obviamente, eu não consideraria uma mulher menos feminista por usar batom, mas também não acharia que aquela atitude é feminista.

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  2. Polêmica? Tipo, eu sou o MC Catra no Superpop falando sobre poligamia?

    Sobre meu post. Por que sua análise foi positivista? O discurso dela está contraditório não por usar unhas rosas, as unhas rosas são só uma síntese de tudo aquilo que ela própria está representando.

    O discurso foi contraditório por ela entrar nessa tática da liberdade de consumo liberal, onde a causa é ideal, e é separada o mundo material. Criando esse dualismo e adimitindo, por exemplo, que eu faça o que eu quero, sem me importar com o que eu penso. É a famosa dualidade consciência e corpo.

    Eu acredito exatamente no contrário, vc é o que vc faz. Melhor, vc é o que vc expressa, independente da sua intenção.

    Até mais.

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  3. Vinícius,

    Eu fiquei em dúvida com uma coisa aqui. Você é o que você expressa, independentemente da sua intenção. Ok. Mas a gente tem totral controle sobre o que expressa? Comunicação é feita de vários atores, sabe. Como emissora, meu poder sobre meu discurso não é total. Depende muito da construção cultural de que o está recebendo. Por isso eu acho tão complicado concordar com você, não é porque eu acredito em dualismo ou em relativismo absoluto, mas não acredito em mensagem única, em contexto único. Não mesmo. Percebe o ponto?

    Paula,

    Eu acho que as demandas podem ser diferentes dependendo da emissora, mas não há porque não sermos solidárias às demandas umas das outras, por isso não faz sentido falar em vários. Se coerentes com o princípio, todas caberiam no mesmo chapéu.

    A questão da ressignificação é meio diferente do que você colocou. Usar batom nunca vai ser feminista, não é isso. O ponto é que hoje, quem usa batom, é mulher (ou quer se identificar como uma, no caso dos travestis). E este conjunto de valores de coisas "de mulher" foi construído em oposição às coisas "de homem", superiores. A questão é que usando o batom eu estaria aceitando me associar às coisas de mulher, logo inferiores. E o ponto da discussão é que pode ser de mulher e não sem inferior porcaria nenhuma. Que eu posso resistir e me impôr e não aceitar os termos deste contrato aí, entende? Que eu posso desconstruir isso. E o Vinícius acha que isso é incoerência, que ou você está dentro do sistema, ou se rebela ficando de fora. Eu tô dizendo que quero brigar pra mudar essa associação automática, que rejeito, que resisto, e que acho autoritário dizer que se eu disse sim pra x, tenho que dizer pra y. Faz sentido?

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  4. Olha, não tenho resposta a nenhuma dessas perguntas. Só queria dizer que eu gosto DEMAIS quando você escreve. Fico aqui bebendo dessas suas ideias.

    Beijão.

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  5. Sim, e é aí que vem a representação e o reconhecimento.

    Uma vez, em uma debate, um rapaz fez uma suposição. Uma mulher que vai à festa e fica com quantos homens quer, muitos, ela vai, ela zaveca, ela beija, ela ataca. Isso seria um quebra do machismo?

    Eu respondi que, no fim das contas, ela seria reconhecida como uma vagabunda, não como uma mulher independente. É óbvio que eu não sou contra isso, é óbvio que a última coisa que eu sou e, ainda bem que (me parece) vc viu, é masculinista ou neomachista, ou conservador ou qualquer merda assim.

    Porém, é necessário pensar muito pra qualquer atitude. A intençao não é importante neste caso, é necessário verificar se ela vai se alinha com o reconhecimento, que, por sí, depende da representação da atitude. Entede o X da coisa? É por isso que condeno essa noção de liberdade, que, no fim das contas, se torna reprodução do discurso que a gente tenta bater.

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  6. E o batom assumiu proporções muito maiores. Ele é só uma analogia.

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  7. Brigada, Dani! ;-)

    Vinícius,

    Mas não tem como, de jeito nenhum, eu concordar com você! Esse exemplo então, foi dos mais infelizes. Então a mulher deve tolher seu desejo sexual em nome do discurso? Eu entendi que quem está recriminando não é você, que você tá só ponderando essa possibilidade, mas você tá colocando as coisas numa ótica das mais perigosas. Quem te garante que essa mulher vai ser rotulada, afinal? Porque o rótulo é mais perigoso pro feminismo do que a repressão sexual? Então, em nome da coerência de não satisfazer sexualmente homens potencialmente machistas, que é o que se espera, ela deve também não se satisfazer sexualmente? Não rola, de jeito nenhum. Porque o que você tá pedindo é que a gente adote uma prática de auto repressão em nome de uma suposta coerência discursiva a longo prazo. Enquanto tava no batom (que é claro que eu entendi como analogia e lidei com ele como analogia o tempo todo, poderia ser o esmalte, a saia, o sapato de salto ou qualquer coisa dentro do conjunto que expresse feminilidade) eu até conseguia acompanhar, embora não concordasse. Quando entra no campo da sexualidade, não rola mesmo.

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  8. http://cabanadeinverno.wordpress.com/2011/10/28/feministas-femininas-ideologia-da-liberdade-e-autoritarismo/

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  9. Oxente, onde tá o outro comentário?

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  10. Não tem problema, eu comento de novo.

    Sobre a suposição do indivíduo no debate. É exatamente o contrário. Essa suposição foi para afirmar que vivemos em uma sociedade feminista, onde as mulheres podem tudo. E que essa ação era a representaçao disso.

    O que disse foi que essa ação não seria representação de uma sociedade feminista, e que ele era a prova disso, pois ainda caracterizaria a liberdade sexual feminina de maneira depreciativa.

    Bacana vc ter se apegado à este comentario sem ter interpretado. Fico feliz. Aliás, eu já havia feito este comentário, mes ele precisava ser liberdado pela moderação para aparecer. pois é, acho que a moderação naõ liberou. Mas agora os comentários estão livres, né?

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  11. Sacomé, eu sou um feminista defensor dos velhos valores da virgindade feminina e etc. Dá pra perceber pelo discurso.

    Eu fiquei imaginando, 'será que não desconfiou nem um pouco dessa conclusão de "Vinicius, o pseudofeminista conservador, paladino dos valores cristãos" depois de ter lido eu ser contra machismo, representações machistas e etc durante sei lá quantas linhas de texto?'...

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  12. Ok. Vamos lá. Você tá dizendo que não concorda com a avaliação do cara, é isso? Que ele vê o feminismo como ultrapassado e você analiza a própria atitude dele como prova de que não é ultrapassado. Beleza. Entendi. Só não entendi onde isso entra no debate. Porque uma coisa é a avaliação do outra. E sobre essa, não temos controle. Outra é a minha escolha. Eu não posso pautar a minha escolha pelo olhar do outro. Não mesmo. Tô dizendo que resisto. Se um machista quer me ver como menos capaz, vamos resistir, tanto quanto resisto a ser vista como mocinha vitoriana só por não concordar com a sua análise da incapacidade de ressignifação do feminino.

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  13. Se a representação é social, o reconhecimento também...

    Isso entra no debate no assunto da representação. Viu como a representação permaneceu a mesma, as relações se mantiveram, mas a única coisa que ele fez foi mudar os resultados? Assim como na psicologia evolucionista, onde a mulher prefere instintivametne homens poderosos, porém, na realidade os homens não são poderosos, a mulher que é, pois os seduz! Essas situações são desprovidas de qualquer interpretação social decente, de qualquer interpretação das contruções sociais. É isso, só isso.

    Enquanto ele falava que a sociedade brasileira é feminista e dava como exemplo, este que eu te falei, ele provava que a sociedade é muito machista e, convenhamos, não é necessário de dados estatísticos pra saber que o que ele falou é o pensamento geral (cristão, conservador, etc e etc).

    E eu não acho incapaz ressignificar o feminino. Só que acho que não dá pra fazer isso começando dos efeitos, tentando ressignificar só no campo das ideias.

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