Daí que eu tô fazendo essa pós que não tem nada a ver com a minha formação original, Letras, nem com o meu trabalho atual, assistente-de-quase-tudo. E, bom, tem uma monografia pra entregar no final do curso. Só que a avaliação semestral é, justamente, uma parte da monografia. O coordenador do curso diz que se dá por satisfeito se a gente entregar agora, pra esse primeiro semestre, pelo menos uma introdução, contando o que afinal a gente pretende estudar, e uma bibliografia. E, adivinhem? Nem idéia. Quer dizer, eu tenho uma idéia. O curso se chama Economia Urbana e Gestão Pública, então o trabalho tem que tangenciar algum desses aspectos, senão os dois. Eu quero falar de transporte público, acho. Quer dizer, tenho quase certeza. Mas eu não sei exatamente como abordar. E turma criou um documento pra o povo colocar os seus dados e o tema que pretende estudar. E uma colega colocou lá “Mobilidade urbana e política viária” e eu já me achei uma bosta porque só o título do dela já parece mais sério que o meu. É, eu sou tolinha demais, eu sei.
Daí que além de ler “O que é cidade”, da Raquel Rolnik, eu li “O que é Transporte Urbano”, do Charles Leslie Wright (e eu não vou colocar referência bibliográficas aqui porque este não é meu trabalho, nem links porque eu tô com preguiça, mas quem achar interessante vai no google, né? obrigada). E os dois são muito bons, mas o segundo eu achei fantástico. Porque ele começa abordando 10 mitos sobre transportes e já abalou minhas convicções. Porque um dos mitos derrubados é de que o transporte público é a resposta para o problema de transporte nas grandes cidades. E, olha só, eu acreditava nisso, por isso escolhi como tema do trabalho. E claro, o autor disse que o transporte público é importantíssimo, mas ele é só parte da soluão, não A solução.
O autor é entusiasta dos meios não mecânicos de transporte, principalmente da bicicleta. E foi coincidência porque eu li isso bem na semana em que o Valdson comentou aqui num post antigo em que eu me queixava dos transportes públicos, sugerindo que eu usasse bicicleta. Para Wright, a bicicleta é um sucesso por vários fatores, entre eles o fato de você poder levar cargas com ela (é só ter um bom cesto, supermercados fazem entregas grandes assim), não poluir nadica de nada e, olha só, já combater um outro mal moderno: a obesidade. Se a gente se deslocasse por aí pedalando uma hora por dia, ficava mais magrinho sem precisar pagar academia.
Daí eu pensei que, lógico, tem uma boa parte de escolhas individuais aí (e eu te digo que eu não uso bicicleta, mas tento fazer muita coisa a pé), mas falta muita iniciativa do poder público, ô se falta. Pra começar, existe nas grandes cidades uma concentração de postos de trabalho em determinadas regiões. Não tenho as estatísticas (nota mental: isso cabe no trabalho, tenho que pesquisar), mas aqui em São Paulo muita gente trabalha no eixo da Marginal Pinheiros, eu e marido inclusive. A gente escolheu, porque cabe no bolso, morar não muito longe e usar transporte público. Pra isso, pagamos um aluguel bem salgado em troca de qualidade de vida – caminhamos 15 minutos até a estação de trem mais próxima, andamos 4 estações, e no total levamos cerca de 40 minutos por deslocamento – ou 1h20 diárias. Isso em São Paulo é luxo, acreditem. Temos, nós dois, colegas que levam mais de 3 horas diárias dirigindo. E lógico, se estrassando e poluindo o ambiente por tabela. Dá pra todo mundo morar perto do trabalho? Não se o trabalho estiver concentrado em uma só região. Mas seria mais viável se houvesse investimento público para criar um centro corporativo moderno na zona leste, por exemplo. Diariamente, centenas de milhares de pessoas se deslocam da zona leste de São Paulo para trabalhar nas zonas sul e oeste. E Wright tem razão: não tem metrô que dê conta do recado. Nem metrô, nem ônibus fretado, nem via pra passar tanto carro. As pessoas precisam fazer trajetos mais curtos, com urgência.
Outra coisa que me ocorreu outro dia é que o poder público poderia conceder incentivos para empresas que permitem aos seus funcionários trabalharem de casa. O meu caso, como eu já contei, é um pouco mais complicado, mas vários dos meus colegas vão ao escritório pra resolver remotamente problemas de software dos clientes espalhados pela América Latina. E se vão trabalhar remotamente mesmo, que diferença faz fazer isso em casa? Sim, acho que o mínimo de contato com os colegas é importante, mas poderiam ir ao escritório uma vez por semana só. Marido é a mesma coisa. Ele é projetista. Um computador com o software e uma conexão de internet são suficientes pra ele fazer seu trabalho. Sim, de vez em quando tem que tirar dúvidas, mas a maioria um e-mail ou uma conversa telefônica resolveriam. Uma reunião física uma ou duas vezes por semana dava conta do mais complicado. Imaginem quanta gente poderia trabalhar assim? E o ganho para as próprias empresas, em energia elétrica e aluguel? Ok, alguém pode dizer, mas então o empregado é que vai arcar com essa despesa? Não exatamente, né? Porque se ele vai economizar com combustível, estacionamento, ônibus fretado e, principalmente, horas de sono e muita aporrinhação, o benefício compensa 50 pilas a mais na conta de luz.
Enfim. Acho o problema do trânsito (ou da mobilidade, pra falar bonito igual minha colega) super negligenciado, e sempre tratado com olhos conservadores demais. Mais avenidas não resolvem, isso está claro. E esse é um problema que complica a vida de todo mundo: os mais pobres sofrem mais porque vivem mais longe e seu transporte é de pior qualidade, mas a não ser os muito ricos que podem pegar um helicóptero (e acho que mesmo os muito ricos não podem se dar a este luxo todos os dias), todos sofrem com os engarrafamentos, não importa quanto dinheiro tenham. Então, mesmo quem é cabecinha de ostra e acha que só ricos tem direitos e pobre é assim porque não gosta de trabalhar (acho que ninguém passa por aqui, felizmente), há de convir que deste jeito, não dá pra ficar.
Ok. E daí, minha gente, por onde eu começo? :-)
Esse é um assunto bem interessante! No meu curso tem uma opção de matéria "amenagement du territoire", mas eu fui mais pra o lado da politica. Mas uma da coisas que aprendi é que os transportes não devem ser construidos para responder uma demanda, mas pra influenciar na dinâmica da cidade. Por exemplo, se uma linha de metro for criada em certa direção, mesmo que o espaço esteja vazio, isso vai atrair investidores e empresas podem abrir seus escritorios naquele lugar, criando um novo fluxo. Não adianta nada concentrar os meios de transporte onde estão as zonas comerciais, pois isso so vai saturar ainda mais o lugar.
ResponderExcluirQue tal abordar a acessibilidade que o transporte coletivo pode dar a quem tem dificuldades de locomoção e mesmo aos prédios públicos em geral?
ResponderExcluirAqui fala uma educadora, irmã de um cadeirante, por isso puxando brasa pro meu assado.
Beijo, preciando de ajuda, já "pari" duas dissertações de mestrado... sei o trabalho que dá, os leques que se abrem e o quanto precisamos escolher um ponto de vista, um aspecto do todo e como dá trabalho fazer udo isso!
Beijo!
Ingrid
Ah, eno site da UFRGS, na parte da Faculdade de Educação, procura pelo Prof. Dr. Alfredo Veiga-Neto, que disponibiliza textos sobre Foucault e a governabilidade, podem ser muito úteis. Tem várias coisas legais no site da FACED.
eh, a bicicleta eh um meio de transporte magnifico, e eu nao sei em SP, mas em joao pessoa eh impraticavel. ha duas importantes ciclovias e somente.
ResponderExcluirem lyon eh quase vergonhoso usar um carro diante da eficiencia dos transportes publicos. ha ciclovias por todos os lugares. ha bicicletas alugaveis a cada esquina. metro a cada dois minutos em horario de pico. basta interesse do governo. :)
Morei na Irlanda,onde o uso da bicicleta começou a ser incentivado só recentemente (aluguel das bicicletas e sobretaxa pra quem dirige no centro),mas uma coisa funciona por lá: comércio, shoppings, médicos, bancos, pubs, boates, lazer e entretenimento por cada regiao, assim, a galera faz tudo mesmo perto do bairro e ninguem tem de se deslocar pra os "centros". Conheci gente que passa anos sem ir ao centro.
ResponderExcluirAbraços
Menina, vc já introduziu, desenvolveu e concluiu (só que na linguagem informal de um blog... Não se intimide pelo título pomposo de um outro trabalho, dar um título assim vc também pode, rsrs...
ResponderExcluirAbçs
Oi, querida. Olha, cada cabeça funciona de um jeito, mas há uma técnica pra lá de básica (coisa de ensino médio mesmo) que serve muito pra mim: papel e caneta na mão (vá lá, laptop e dedos), anota os tópicos que você acredita que vai abordar em sua monografia; tente ser crítica e de cara descarte aquilo que vocẽ sente que está sobrando (seja por limitações do tamanho da própria monografia, ou por desviar do seu ponto); faça um esqueminha, preenchendo cada um dos tópicos com um esboço bem simples do que você quer desenvolver ali; se você dedicar um tempinho para esse brainstorm, pode sair dele com o esqueleto da sua monografia. A partir daí, isso pode servir como um guia para os próximos passos. Você então direciona suas leituras (resista às tentações, não dá para ler tudo para uma monografia, leve em conta seu tempo) e suas pesquisas e, quando menos esperar, estará sentada escrevendo e desenvolvendo suas ideias (claro, tudo pode mudar no meio do caminho, se você tiver uma sacada genial, ou se der conta de um aspecto sobre o qual nem tinha pensado antes, mas essa não é a hora de se preocupar com isso).
ResponderExcluirEm tempo, o comentário da Amanda fala de algo simples e ao mesmo tempo genial! É claro, gerar acesso de qualidade para uma determinada área pode ser o primeiro passo para desenvolver a região e descentralizar serviços. Putz, fica na cara quando quem gerencia tem capacidade pra coisa, né? So simple.
Boa sorte, Iara!
Bjs,
Rita
Gente, que máximo! Eu tinha uma idéia de que postar aqui poderia ajudar, mas foi muito melhor do que a encomenda!
ResponderExcluirAmanda,
Nunca tinha pensado nesse ponto de vista. Acho interessante, mas acho que em São Paulo é necessário sim criar coisas onde já existe a demanda, dado o caos instalado. Mas claro, gerar demanda em outro lugar é fundamental.
Ingrid,
MUITO OBRIGADA! Você me deu uma ótima idéia. Dei uma pesquisada na internet sobre políticas de inclusão e acabei de mandar um e-mail para o coordenador do curso perguntando o que ele acha do tema. Então acho que vou focar nas políticas de mobilidade para pessoas com deficiência, que eu acho da mais absoluto interesse público, já que não há inclusão sem deslocamento, mas que ao mesmo tempo me permite fazer um recorte nesse macro tema "transporte". Ajudou muito, mesmo!
Luci,
Só estive em João Pessoa de passagem, mas posso te garantir que aqui em SP é ainda mais complicado usar bicicleta. Só em trecho muito tranquilos mesmo.
Ana Flávia,
Esse é o ponto, né? Eu sou "globe trotter", gosto de ir longe pra fazer as coisas, mas a gente tem que, no dia-a-dia, ficar por perto. Deixar esse intercâmbios longos para situações especiais. Eu tenho colegas que vêm de cidades distantes 100km de São Paulo para cá todos os dias. Acho realmente inviável.
Laurinha,
Jura que eu fiz tudo isso? Kkkk! Mas então, eu acharia meio pretensioso apresentar o trabalho assim, como as minhas conclusões sobre o que a cidade precisa. Fora que, né, precisa de muito número e referência pra embasar tudo isso, e não sei se encontraria isso tão fácil...
Rita,
Brigadão! Conheço sim essa técnica, normalmente usava na faculdade, e não tenho muito trabalho pra colocar a mão na massa. O que me intimida é tratar de algo essencialmente novo pra mim. Na faculdade, em última instância, tava tratando com algo com o qual já tinha alguma afinidade. Mas, ó, a dica da Ingrid foi preciosa e eu passei o resto da tarde procurando na internet políticas públicas para inclusão de deficientes no que tange à mobilidade, especialmente. Até porque sem mobilidade fica difícil estudar e trabalhar, né?
Valeu mesmo, viu, gente! Hoje eu descobri mais uma vantagem de ter um blog tão bem frequentado, qualitativamente falando!
Boa semana pra vocês!
Ei, que honra ser citado no seu post!!
ResponderExcluirTenho acompanhado a lista de discussão da Bicicletada (www.bicicletada.org) de São Paulo, e sempre tem muita discussão e informações interessantes por lá.
Hoje por exemplo fiquei sabendo de um seminário que acontece hoje mesmo com o tema Saúde e Mobilidade Urbana, com a presença inclusive da Mara Gabrili. Parece que tem tudo a ver com sua monografia. Parece que vai ser transmitido ao vivo pela internet tb. Acho que vc consegue ver a mensagem com as informações sobre o seminário nesse link:
https://lists.riseup.net/www/arc/bicicletada-sp/2010-06/msg00539.html
Valdson,
ResponderExcluirBlog é conteúdo colaborativo, oras! Os comentários são parte integrante, claro que são aproveitadíssimos!
Aliás, esse seu aqui, mudou completamente meus planos. Porque eu acompanhei pela internet o primeiro debate dessa série, mas esqueci completamente do segundo - obrigada por me lembrar! Daí eu não fui a academia e fiquei pra ouvir. Mas esse eu não achei assim tão interessante. Quer dizer, foi muito, mas nem tanto para o meu trabalho. A Mara Gabrilli tava ali mais como mediadora, quase não falou das questões dos deficientes. Mas interessante pensar o quanto o trânsito onera também os cofres públicos quando falamos de saúde, por conta da quantidade de vítimas de acidentes. Você chegou a acompanhar? O que achou?
Oi, Iara! O trânsito é um dos meus assuntos prediletos. Digo isso porque aqui em Brasília estamos vendo passo a passo o que era "organizado" e "tranquilo" se tornar um caos. Eu digo a todos que estamos virando uma São Paulo, mas quando fui a São Paulo pude ver o tamanho do problema. Eu acho q um dos maiores problemas é o lobby das montadoras. O governo investe em iniciativas para as pessoas comprarem mais carros e não se desfazerem deles - combustível alternativo, redução de IPI, linhas de crédito. Eu acho q devia ser exatamente o contrário. Acho que a licença para dirigir devia custar caro, os estacionamentos... O carro deveria ser um problema e não uma solução como a gente enxerga. Juntamente com isso investimento em transporte público e conscientização. Mesmo não sendo mais limpo é melhor 45 pessoas num bus q 45 carros na rua. O governo tem que se convencer que transporte público é um gasto e ele tem que arcar com isso. Já não temos saúde, educação e segurança pq ele não aplica o dinheiro corretamente vai querer lucrar com o transporte também?
ResponderExcluirIara, eu já fico feliz quando encontro um blog de alguém com idéias legais, se além disso ainda rola uma interação como a que acontece aqui, eu fico ainda mais feliz! :)
ResponderExcluirEu vi uns pedaços do primeiro debate e gostaria de ter acompanhado esse, mas infelizmente eu ando meio sem tempo por causa do curso de mestrado que estou fazendo, que não tem nada a ver com essa área. Outra hora eu explico melhor essa história...