domingo, 17 de abril de 2011

Torta de climão*

Não é bonito falar mal das pessoas, ainda mais gente comum, não personalidades. Não sei se deveria fazer isso, mas aproveito que este é um blog “escondido”, sem muita visibilidade. A desculpa é que, para além de implicância pessoal, quando falo mal de alguém aqui tô tentando falar de uma situação mais ampla, como quando mencionei colegas de trabalho machistas e preconceituosos.

Já contei mais de uma vez sobre a minha pós. Um curso não muito pretensioso, uma especialização lato sensu, mas que tem me feito muito feliz. Primeiro pelo conteúdo. Finalmente estudar um pouco de economia, algo que me interessa tanto, e tratar de problemas das grandes cidades é muito estimulante para uma pessoa que curte estudar, mas passa a semana envolvida com um trabalho não necessariamente desafiador. Depois pela turma. Passo o sábado com pessoas inteligentes e talentosas de profissões e experiências de vida muito diversas. Com algumas (há moços também, mas as mais próximas são elas, por isso uso o artigo no feminino) criei um vínculo de tchurma de faculdade mesmo: almoçamos juntas, bebemos depois da aula, e já fizemos um churrasco aqui no na churrasqueira do prédio.

A turma é muito diversa. Há essa tchurma mais grudada, mas não chega a ser uma panelinha. Como em todo grupo grande, há os micro grupos, e há pessoas que não estão ligadas a ninguém especificamente. Mas no geral reina o respeito e o coleguismo. Sabe, não vale a pena acordar cedo no sábado e pagar uma mensalidade para frequentar um curso que não vai deixar ninguém mais rico (pelo menos não de maneira muito imediate, já que não é curso voltado ao mercado) se isso não for um prazer. E pra maior parte de nós é essa a relação mesmo: de prazer.

Mas há essa colega. Mal-humorada. Tão mal-humorada que eu brinco que ela não deve ter dentes, porque nunca a vi sorrindo. Até aí, problema dela. A coisa complica quando o mal-humor extrapola, a ponto de implicar com a dinâmica da aula. Foi o que aconteceu ontem, o climão do título.

Nosso curso tem um professor coordenador, que é o único docente fixo. Ele montou uma grade e convidou docentes que não necessariamente têm vínculo com a instituição na qual estudamos para dar aulas. E, pra minha grata surpresa, é um curso com uma ideologia de esquerda assumida: alguns dos nossos professores fizeram parte da gestão da Erundina como prefeita de São Paulo, por exemplo. Nem todos os colegas são super interessados por política, nem todos são super entusiastas da esquerda, mas isso só enriquece o debate. E há muito debate, que muitas vezes leva a digressões, o que eu acho bem normal num cursos com um tema tão rico, e numa aula tão longa.

Vários parágrafos pra chegar ao causo-em-si. Ufa.

Este sábado estávamos lá com um professor que trabalho no IPEA. Ele falava de dinâmicas regionais no Brasil. E falou sobre a desigualdade, que a economia do Nordeste cresceu bastante, mas continua muito menor que a do Sudeste. E o assunto caiu no Bolsa Família, porque não dá para, em 2011, falar de economia do Nordeste sem tratar de Bolsa Família. Não dá, não interessa sua orientação política. E aí falamos do preconceito contra o programa. E caímos no PSDB, e o professor falou algo muito interessantes: que a aliança do PSDB com o PFL (hoje DEM), sugou o PT pro centro, meio vácuo mesmo. E se ela não tivesse acontecido, o quadro político do país seria outro. E bom, daí falamos da carta aberta do FHC essa semana. Estávamos nessa, chamando o FHC de doido, comentando a escolha de ignorar as massas, quando a mal-humorada levantou a mão de disse, bicuda, que queria voltar ao tema da aula.
Climão, claro. Professor perguntou se ela não achava que aquele assunto era relevante para o tema abordado. Ela respondeu que a gente poderia discutir política “no bar depois da aula”, coisa que fazemos todo o sábado (e ela nunca está conosco, claro). Mas enfim. Chamou a aula do professor convidado de papo de boteco, desqualificando. Disse que estava lá para aprender Economia e Administração Pública, e não discutir política, e que há um ano “tinha que aguentar este tipo de conversa”. Que o queria na aula eram fatos e não “opiniões”

Bom, como explicar pra esta pessoa que não dá pra falar de administração pública sem falar de política? Sério, como? Não quero ser intolerante, acho críticas muito positivas, mas como fazê-la entender que se a classe está satisfeita com a dinâmica do curso, não há porque mudar o que quer que seja para atender às necessidades dela. De verdade, não quero falar “não tá satisfeita, vá embora”, mas como fazer a pessoa entender que o que ela chama de papo de boteco faz parte do curso? Claramente não era o que ela buscava, mas ok, ela não precisa ficar ali, pagar mensalidade, acordar cedo se está tão ruim assim. Nem sempre a gente faz escolhas as certas, normal.

Daí rolou um bate-boca com uma colega que perdeu a paciência com ela, chamamos o intervalo do café pro clima abrandar, e em seguida, antes que mal-humorada voltasse, uma colega mais reservada e muito sabida fez um julgamento muito bom. Disse que no fundo tem compaixão pela moça. A culpa provavelmente não é só de sua óbvia não-identificação com a turma. Há uma clara concepção de que saber é algo técnico, apostilado. Logo, este papo, esta colcha de retalhos feita a partir de perguntas dos colegas, os comentários engraçadinhos, a troca de experiências que prezamos tanto e identificamos como uma construção coletiva do aprendizado para ela é só uma fuga do “real” saber, o trazido pelo professor, que segue um roteiro determinado.

O chocante é que colega mal-humorada é jornalista. E olha, eu já contei que uma das minhas amigas mais amadas é jornalista. E algumas das minha colegas de curso mais bacanas e inteligentes também são. Mas eu fico pensando se não há aí nas redações hoje uma geração de profissionais que pensam como ela, sabe? E chamou muita atenção quando ela disse que queria “fatos, não opiniões”. Será que ela pensa mesmo que existe conhecimento neutro, sem nenhum viés ideológico? Será que ela acredita que o publicado no portal de notícias em que ela trabalha como repórter é a expressão da verdade, e não a verdade segundo o ponto de vista do patrão? Não sei mesmo. Mas uma colega disse que não está interessada em ler matérias de jornalistas não afeitos ao debate. Que acham que podem tratar de economia e urbanismo (!!!) sem tratar de política. Olha, não é porque eu não gosto de gente carrancuda, mas concordo bastante.

* vi essa expressão no twitter e achei sensacional...

9 comentários:

  1. Engraçado que uma das coisas que mais se fala na faculdade de jornalismo é sobre a impossibilidade da neutralidade. A outra coisa que mais se fala na faculdade de jornalismo é que no bar se aprende muito mais que na sala de aula.
    Mas, né...

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  2. Devia ser por isso que eu gostava tanto das disciplinas de Estudos Culturais na minha pós: gente lendo e discutindo por horas a inexistência da neutralidade. Um professor disse em sala, uma vez, que o mestrado servia para "desasnar" as pessoas - foi grosso, mas vi seu ponto. E pensei como é triste que a gente passe pelas faculdades, muitas vezes, sem aprimorar uma forma de aprender que deveria ser crítica desde a base. Proque talvez o problema venha mesmo lá de trás, né, dos nossos colégios ensinando crianças e adolescentes a "aprender o certo", sem questionar, sem desconfiar. Acho que tá melhorando, mas ainda assim acredito que vamos sempre lidar com visões como a da sua colega mal humorada, porque a gente cresce isolando o conhecimento das nossas vidas, né verdade? E aí junta isso com a vontade de ganhar o mercado, f*deu.

    Beijinhos,
    Rita

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  3. Que pessoa grossa!

    Será que uma rodada de Sociologia para todo mundo resolveria a parada?

    Medo de profissionais que tem preguiça de pensar. Que acham que o mundo é quadradinho.

    Bjs

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  4. Minha nossa senhora!
    Ela poderia não estar gostando da conversa, como deixou claro, mas falar desse modo? Com essa grosseria toda? Agora é como você diz, Iara, ela, como uma comunicóloga, falando dessa maneira? Vemos logo no primeiro período que todo discurso é a repetição de outro discurso já existente. Só fazemos dar vozes, nos identificarmos ou não com a ideologia. Mas enfim, eu também não estou aqui pra dar uma de sabida, até porque estou longe de ser.
    Entendo muito pouco de políticas, no entanto, sei que economia e política andam de mãos dadas, né?! Uma interfere diretamente na outra. /minha opinião leiga

    .: Sabe como eu li seu título? Torte de Limão. kkkkkkkkkkkk Daí pensei: Eita! A Iara deve ter feito a primeira Torta de Limão dela justamente quando eu fiz meu primeiro bolo. UAHUHSUHSUHAUHSAUHS /tudo bem que de massa pronta, mas eu ainda adicionei ovos, manteiga e leite. Bati e tudo mais! u.u UAHAUHSUAHSUHAUHSHS

    Beijo, sua linda!
    E ah: Não sei como o professor não deu uma resposta na azedinha da história...

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  5. Babi,

    Nem lembrei de você na lista das jornalistas bacanas que conheço. Daí você comentou e eu pensei "nossa, como esqueci justo da Babi!".
    Pois imagino que uma boa faculdade de jornalismo ensine essas coisas. Mas sei lá se ela aprendeu, né?

    Rita,

    Pois é. Quando as pessoas são muito jovens, a gente até entende uma visão etarista de que os alunos não tenham com o que contribuir. Mas todo mundo adulto, profissional? Áreas diferentes?
    Bjo!


    Mari,

    Ela já foi grossa com outros professores, em outras ocasiões. Porque a relação é meio de palestrante, eles não avaliam a gente, nem criam um vínculo. Então, além de toda a falta de visão, tem o desrespeito. Triste, viu?

    Glória,

    Começando pelo final, os professores são meio palestrantes, como eu contei pra Mari. Esse mesmo ficou só 2 sábados conosco. Não dá tempo de identificar a pessoa, entender que ela é chata e grossa e tal. O cara foi pego de surpresa, ficou sem graça, mas a gente deixou claro que essa opinião não era do grupo. No mais, sem querer dar uma de sabida, mas tudo nessa vida tem política. O que você compra no supermercado, as roupas que você veste, tudo. Se a gente compra roupa da China é porque há uma decisão política dos chineses de desvalorizarem seus trabalhadores e sua moeda, e outra escolha aqui em ter impostos de importação que permitam importar roupas num preço mais barato do que o que a indústria daqui faz. Há política até na regata que eu estou usando agora.

    E torta de CLIMÂO é sensacional, né? A idéia é essa mesmo. =D

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  6. O quê será que ela vai fazer com os "fatos" é que eu queria saber.
    Imagino que ela deve desprezar o jornalismo de opinião e "entender" FHC com sentimento inclusive kkkk.
    Mas tenho pena não, visse. Deixa essa chata reaça estressar.
    Bj

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  7. Eu me lembro bem de uma colega de faculdade que fez isso com um professor de literatura que tínhamos, um cara fabuloso, muito empenhado em nos levar a fazer análises menos óbvias. E eu tenho certeza de que meus melhores momentos da graduação foram os de digressão. Mas coisas assim acontecem, fica um climão, e a gente sabe quem perde mais.

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  8. que pessoinha quadrada. pra mim ta tudo interligado. eu nao veria nenhum problema em se falar de historia num curso de urbanismo. claro que o ponto nao eh passar tres horas nisso, mas trazer outros assuntos pra sala de aula nao enriquece o debate? nao eh esse o ponto: aprender? essa deve ser do tipo que soh pensa no diploma, no papel e o resto que se foda. e mesa de bar enriquece tanto quanto! ;)

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  9. Rosa, Cecília e Lu,

    Pois é. Eu também não entendo. Até porque este nosso diploma nem é assim O diploma. Acho que a imensa maioria dos colegas só tá lá porque se interessa pelo conteúdo. Então é muito difícil saber qual é a dela.

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