sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Padrões

Daí que eu li que, por conta da Taís Araújo na novela, entre outras coisas, existe um movimento para resgatar a dignidade dos cabelos crespos. E eu li isso na Época. Não rejeito nenhum veículo de comunicação assim, de saída. Nem mesmo depois de ler algo tão desonesto como o que escreveram contra a Dilma. No final das contas, até conheço um cara muito bacana que trabalha na Época São Paulo. Então nada é “do mal” pra mim, como um rótulo.

É maravilhoso ler uma reportagem expondo o racismo embutido nessa coisa de alisar o cabelo a qualquer custo. Questionando isso, da baixa auto-estima da mulheres de cabelo crespo. E tem tudo a ver com a indústria que ganha milhões fazendo as mulheres se sentirem feias. Nada contra cosméticos no geral, porque eu curto muito alguns deles. Já fiz até escova progressiva, daquelas com formol, que deixam os olhos ardendo (meu cabelo é liso, mas bem grosso e volumoso, estilo “doida que saiu ao vento”, então a idéia era deixá-lo mais arrumadinho). Pra mim é claro que técnicas e produtos em si não são vilões. O problema é o arsenal todo ser vendido como “obrigatório”. Meu cabelo “liso pero no mucho” não é inaceitável. Como o crespo não é. Cabelo “não liso” não deveria ser defeito. Mudar algo na aparência deveria ser um exercício de liberdade, de construção de identidade. Nossa relação com nossa imagem deveria ser muito mais pessoal. Óbvio que o olhar do outro influencia, não sou arrogante a ponto de bater no peito e dizer “tô cagando e andando”. Mas a verdade é que essas opiniões relevantes são (ou deveriam ser) poucas.

Finalmente fico triste porque, para o cabelo crespo ser aceito, as Organizações Globo precisam promover isso, assinar embaixo, colocar a Taís Araújo lá. E eu não vou negar a importância de ver a Taís Araújo protagonista de novela, do que isso significa. Nem vou entrar numas de que “a massa não pensa e obdece à Globo; inteligente sou só eu”. Mas a gente sabe que não é um “movimento”. A Época não está reportando uma mudança, ela está ditando: o lance agora é comprar shampoo pra cabelos cacheados e não mais chapinha, de acordo com o anunciante em potencial para a novela. O mercado é dinâmico, né? O problema é o caminho: não se cria um produto pensando numa necessidade das pessoas. Se cria uma necessidade pra vender um produto (ok, neste caso o exemplo não é dos melhores, sempre houve cabelos crespos no mundo). Não acredito que algum dia o cabelo liso vai ser rotulado como “ruim”, invertendo a equação. Mas apesar de a matéria dizer algo como “liso ou crespo, a opinião é somente delas”, deixa claro que Michelle Obama e Oprah estão sendo pressionadas a “assumir seus cabelos crespos”, por uma questão “política”. E apesar de concordar desde o começo com o conteúdo político do alisamento, pra mim é claro que, se alguém ainda se dá ao direito de pressionar outrem a mudar o cabelo em nome de uma “causa”, não há muito aí o que celebrar.

6 comentários:

  1. É claro que os negros precisam de representatividade, mas os padrões de beleza já foram estabelecidos há muito tempo e o problema não está no cabelo, está na cor. O cabelo liso está associado a brancos. Aí está o problema. Então mudar o visu do cabelo não muda nada. Os dreads são bons exemplos. Eu já vi gente que acha o máximo dread (eu acho) e não acha o máximo cabelo crespo, pq necessariamente vem associado ao negro.

    Duvido muito que algum branco vá imitar o cabelo da Thais Araujo. Se isso acontecer vou ficar bem surpresa. Agora é bom se ter representatividade, uma negra, protagonista e etc. Mas ainda é bem pouco viu. Pensa só, se no Brasil a maioria é negra pq só uma familia da novela é negra? Entende?

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  2. Então, pra mim é claro que a questão maior é o racismo, mas acho que não para por aí. Porque eu conheço meninas loiras com cabelos crespos. O cabelo crespo pode ser uma característica dominante nos negros, mas não se restringe a eles, eu acho.

    Mas o seu comentário me fez tocar num ponto que eu não tinha pensado. É muito diferente fazer alguma coisa e deixar de fazer. Quer dizer, não é um movimento contrário: "não alise, encrespe", é uma suposta desobrigação. Então, ninguém espera que as meninas de cabelo liso imitem a Taís Araújo mesmo. Mas daí também lembrei de outra coisa, que nos anos 80 muita gente fazia permanente no cabelo, e duvido que nos anos 80 a sociedade fosse menos racista que hoje. Então, não sei porque, mas essa associação cabelo crespo=negro=desprestígio podia ser diferente algumas décadas atrás.

    Concordo muito com a questão da representatividade. A Taís Araújo não basta, lógico. A quem diga até que este tipo de concessão serve, justamente, pra reforçar o discurso de que não existe racismo no Brasil. O mesmo lance, mas em menor escala, claro, de dizer que acabou o racismo porque o Obama é presidente. Então é pouquíssimo ainda, mas é muito válido se encararmos como o começo de algo. Porque a gente sabe que a construção da auto-estima é fundamental para a superação do racismo. Ter a Taís Araújo como mocinha modelo internacional às 21h, e a Camila Pitanga como mocinha faxineira e mãe de 4 filhos às 18h é muito mais do que se imaginaria há 20 anos (sem falar no presidente negro). Como otimista que sou, quero pensar que daqui há outros 20 essa representatividade ainda não será suficiente, mas pode ser mais equilibrada.

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  3. Iara, vc citou algo bem legal. A sociedade não era menos racista nos anos 80, mas estavamos descobrindo mais coisas e não "encobrindo". Dai que o samba, o soul, o reggae foram aparecendo. E não era feio. Entende? E agora que se estabeleceram, voltou tudo. Na época da minha mãe (ela tem 50 anos) era bonito cabelo liso. Depois black, encaracolado ... ela fez muito permanente aos 30 anos. E qdo eu era pequena tinha moda do permanente. Hj: liso de novo. É algo a se pensar viu. Retrocesso? Sei lá. To aqui pensando. rs

    Qto a representatividade, é como disse, tudo vale a pena. Acho que temos mais "musas hibridas" como Caetano bem disse. Nas novelas, nas passarelas, na música, nas ruas. Temos sim uma variedade de tipos um pouco mais valorizada pela cultura do style e tals. De ser um pouco mais original num mundo de iguais. O dread é um ótimo exemplo. Eu faria, se tivesse 15 anos. Infelizmente as empresas ainda não estão abertas aos diferentes styles, ainda acham estranho um cara cabeludo. E po, Roberto Carlos já dizia né? Tão antigo isso.

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  4. Faz todo sentido o que você comentou sobre experimentação. Mas, por outro lado, experimentamos e rejeitamos? O "experimentar" foi um ato de rebeldia e depois dominado? Puxa, acho que dá pano pra manga. Mas não acho que haja um retrocesso, não.

    Mas eu não conhecia essa leitura do dread como algo não necessariamente negro, porque pra mim é muito claro que antes de um branco fazer o primeiro dread, milhares de negros já tinham popularizado o visual. Então, gostar de dread e não gostar de cabelo crespo, pra mim, soa só como preferência estética mesmo.

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  5. Iara,
    Vi um comentário seu no blog do Alex Castro, gostei da lucidez, e cheguei até aqui.
    Concordo que a predominância do cabelo liso, potencializada pelo avanço das tecnologias, tem um fundo racista sim. Basta lembrar que uma outra maneira de denominar o cabelo crespo dos negros é chamá-lo de 'cabelo ruim', em oposição ao cabelo 'bom' dos brancos.
    Mas racismo à parte, acho que tem aí uma outra questão, expressa no seu título: 'Padrões'. Na verdade, padrão quer dizer: todo mundo igual. Não basta ter cabelo liso, ele tem que ser cortado da mesma maneira, com a mesma franja lateral caindo sobre a testa, e do mesmo comprimento. Complementado pelo mesmo tipo de maquiagem (tem moda até pra isso, meu Deus!!!), mesmo tipo de roupa, sapatos, bijuterias, bolsas, enfim: linha de montagem com pouquíssimas variações. Uma chatice sem fim!!!!

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  6. Oi, Helena! Bem-vinda! Como você deve ter notado, meu blog é bem novinho ainda, então eu dou pulos de alegria a cada novo comentário!

    Pois é, o que me cansa é o padrão, é legislar sobre a aparência alheia. Porque eu até acho civilizado existir um código mínimo de como devemos nos apresentar em público em diversas situações sociais. Daí, realmente, não vou à praia vestida como quem vai ao trablho ao a um casamento. Mas, tirando algumas pessoas muito sem-noção, a maioria tem esse código internalizado, né? E dentro disso, a gente deveria poder fazer nossas escolhas. Considerando isso, considerar um tipo de cabelo como naturalmente inadequado, como "ruim" é uma tremenda discriminação.

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